Por Zoraide Vilasboas
Um abaixo-assinado de entidades socioambientais e movimentos populares foi enviado ao governador da Bahia Rui Costa, solicitando providências urgentes a fim de impedir o ancoramento em portos baianos da sucata do ex-porta-aviões São Paulo, da Marinha brasileira, que guarda toneladas de amianto, minério cancerígeno condenado em vários países; tinta de chumbo/cádmio; vestígios de material radioativo e PCBs (bifenilos policlorados), produtos nocivos para a saúde e o meio ambiente.
Atualmente fundeado próximo ao porto de Suape, na costa pernambucana, o navio não foi autorizado a aportar na Turquia, foi proibido pela Grã-Bretanha de transitar pelo Estreito de Gibraltar e não foi aceito por nenhum porto ou estaleiro no mundo por controvérsias sobre a carga que leva. O trânsito com toneladas de amianto, fere a Convenção da Basiléia, assinada pelo Brasil, que trata do controle de depósitos e de movimentos fronteiriços de resíduos perigosos e proíbe a circulação desse mineral. Por ter liberado a navegação nesta situação, o Brasil poderia ser acusado de “tráfico ilegal” de produtos tóxicos. Assim, após vagar pelo Atlântico, o navio foi obrigado a retornar ao Brasil.
No último sábado, a “Arvore Pulmão” -monumento em homenagem às centenas de vítimas do amianto- foi inaugurado na Praça do Expedicionário Mário Buratti, no Centro de Osasco (SP), próximo à antiga sede da Eternit (mineração do crisotila etc.), numa iniciativa da SETRE e da luta pelo banimento do amianto no Brasil, liderada Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA, com histórica atuação pelo banimento deste minério cancerígeno na Bahia.
O governo de Pernambuco recorreu à Justiça Federal para fazer valer seu veto ao atracamento do navio naquele estado. E assim que iniciou a especulação da possível vinda da embarcação para a Bahia, o professor emérito da UFBA, engenheiro ambientalista Luiz Roberto Santos Moraes, encaminhou pedidos de informação e providências aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, Marinha do Brasil/Capitania dos Portos da Bahia, IBAMA, INEMA, CONAMA, CEPRAM, a diversos deputados estaduais e federais e ao senador Jaques Wagner. O deputado estadual Marcelino Galo também enviou mensagens sobre o assunto a diversos órgãos oficiais.
O abaixo-assinado relata fatos que envolvem este caso e requer ao governador Rui Costa urgentes providências “a fim de impedir o envolvimento da Bahia nesse conflito de natureza ambiental, jurídica e econômica, que pode trazer grandes danos para nosso Estado”. Abaixo a íntegra do documento, cuja cópia foi enviada ao governador eleito Gerônimo Rodrigues.
CARTA ABERTA AO GOVERNADOR DA BAHIA, RUI COSTA
Exmo. Sr. Governador,
Inicialmente, apresentamos a V Exa. os seguintes fatos:
Não está descartada a possibilidade de chegar na costa da Bahia, a sucata do ex-porta-aviões São Paulo, o maior navio militar brasileiro, de 266 m de comprimento, que, inativo há cinco anos, há meses vagueia pelo mar, rejeitado por portos e estaleiros privados internacionais porque o navio contem toneladas de amianto, produto cancerígeno condenado em vários países do mundo, bifenilos policlorados (PCBs) que contêm riscos para saúde e meio ambiente, tinta de chumbo/cádmio, bem como vestígios de material radioativo.
Comprado pela Marinha brasileira de segunda mão à França, em 2000, para substituir o porta-aviões Minas Gerais, o navio sempre apresentou problemas tanto que, em 17 anos navegou pouco mais de 200 dias. Foi arrematado em 2021, pela empresa turca Sok Denizcilikve Tic, em um leilão internacional que teria um acordo sigiloso entre autoridades navais e funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e suspeita de subfaturamento do preço, segundo noticia a imprensa nacional e internacional.
Consequências desse imbróglio:
O X da questão é que há divergência quanto à quantidade e tipo de produto contido no navio. O IBAMA autorizou a viagem para a Turquia, atestando a existência de 9,6 toneladas de amianto, ferindo a Convenção de Basiléia, que trata do controle de depósitos e de movimentos fronteiriços de resíduos perigosos e que proibe a circulação desse mineral.
A empresa que fez o levantamento revelou que a inspeção por “amostragem” só vistoriou 12% do navio. Por isto ganha força a hipótese de ativistas socioambientais e especialistas de que essa quantidade pode ser significativamente maior. Nem a Marinha, que desativou o navio em 2018, nem a empresa turca fizeram um inventário dessas substâncias. Segundo a Marinha tudo foi feito de acordo com a lei, e o IBAMA é a autoridade nacional que autoriza, ou não, “a exportação de resíduos perigosos ou controlados”. A quantidade que existe “não oferece riscos à saúde”.
A irregularidade iniciada com a autorização do IBAMA prosseguiria com o desrespeito a liminar da Justiça brasileira que, em 4 de agosto, determinou o retorno do porta-aviões que tinha zarpado, dias antes, do porto do RJ. Ele ficava estacionado no Arsenal da portos e estaleiros privados de vários países aceitar o navio. A Turquia desautorizou o Marinha, na Ilha das Cobras, A gravidade do bizarro caso pode ser medido pela recusa de desembarque e a Grã-Bretanha proibiu a passagem pelo estreio de Gibraltar.
Denunciada a irregularidade, um mês depois que o governo turco proibiu a entrada do comboio no país, o IBAMA suspendeu a autorização para exportação do ex-patrimônio da Marinha, ordenando o retorno do navio ao Brasil, sob risco de ser caracterizado “tráfico ilegal”, pois o transporte de amianto fere a Convenção de Basiléia, da qual o Brasil é signatário.
Perto do navio chegar ao Rio, entra em cena a Marinha com nova contra-ordem: o comboio devia ir para o porto de Suape, litoral de Pernambuco, para uma suposta vistoria.
Em 5 de outubro, a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco, recomendou ao Porto do Suape não permitir a atracação por temer a contaminação da região pelos produtos contidos na embarcação. A Agência considerou “que a embarcação em questão já teve sua licença de exportação cancelada pelo Ibama e, inclusive, já foi impedida de navegar e atracar em outras regiões”.
Apesar de não ter explicado ao governo de Pernambuco, porque a vistoria não podia ser feita no Rio de Janeiro, a Marinha emitiu ordem de “atracação forçada”, sem passar pelas autoridades administrativas do porto. O governo, então, recorreu à Justiça Federal e semana passada, obteve liminar proibindo a atração no Estado. A Justiça reconheceu a existência de riscos sanitários e ambientais, além do risco de provável naufrágio segundo órgãos estaduais. Segundo o juiz federal Ubiratan de Couto Marinho “a pintura do casco de cádmio possui indícios de ser radioativa e a quantidade de amianto pode ser infinitamente maior que a anunciada”. A Justiça fixou multa diária de R$100 mil se a Marinha não suspender imediatamente a ordem de atracação em Suape.
Nosso pleito:
Em face do risco desta embarcação ser desviada para Bahia, as entidades e movimentos socioambientais e populares, abaixo-assinadas, com o intuito de informar como o caso está se desenrolando em Pernambuco e requerem de V. Exa. a urgente adoção de providências para impedir a atracação desta embarcação nos portos baianos, a fim de impedir o envolvimento da Bahia nesse conflito de natureza ambiental, jurídica e econômica, que pode trazer grandes danos para nosso Estado.
Nosso objetivo é impedir o desmonte e abandono de sucata nociva ao meio ambiente e populações e prevenir a ocorrência de acidente de grande proporção, que possa danificar reservas naturais e santuários ecológicos ambientais que devem ser preservados a qualquer custo, como as Áreas de Preservação Ambiental da Baía de Todos os Santos, da Baia de Camamu, da Ponta da Baleia / Abrolhos, da Praia do Forte e Sede do Projeto TAMAR.
Agradecemos, com antecedência, a atenção que nos for dispensada.
Salvador, 20 de novembro de 2022
Associação Baiana dos Expostos ao Amianto – ABEA
Associação Brasileira do Expostos ao Amianto – ABREA
Associação das Vítimas Contaminadas pelo Amianto e Famílias Expostas – AVICAFE/BAHIA
Articulação Antinuclear Brasileira
Associação Brasileira das Rádios Comunitárias – Abraço-BA
Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
Associação Raízes do Semiárido
Associação Stella4Praias
Arqueiras pela Democracia
Caritas Brasileira Regional NE3
Colonia de Pescadores de Ilha de Maré z04
Conselho de Comunicação e Políticas Públicas da Região Metropolitana de Salvador – COMPOP
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Convergência pelo Clima
Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS
Fórum Popular da Natureza
Grupo Ambientalista da Bahia – Gambá
Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental – Gérmen
Instituto Búzios
Instituto Dom Alberto Guimarães Rezende
Instituto Mãos da Terra – IMATERRA
Jubileu Sul Brasil
Núcleo Caetité do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS
Observatório Baiano do Saneamento
Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho – PPGSAT
Sociedade Civil Acauan
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Imagem: SUCATA Quando foi comprado, no ano 2000, o São Paulo já estava envelhecido e ultrapassado (Crédito: Divulgação)
A “banheira” tóxica agora ruma para Angra dos Reis onde deve chegar na próxima semana. Deveríamos emitir alerta aos grupos ambientalistas de Angra e, em especial, à SAPÊ.