Sob sol inclemente e infraestrutura mambembe, posse de Lula vira maratona cívica. Por Gil Luiz Mendes

Multidão na Esplanada dos Ministérios em Brasília comemora terceiro mandato do presidente em evento histórico neste domingo (1/1): “obrigado, meu Deus, Lula voltou”

na Ponte

Depois de dias nebulosos e de pesadas nuvens, o sol voltou a brilhar em Brasília. Em uma manhã de domingo, no primeiro dia de 2023, escutando os sinais, uma multidão lotou a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes à espera de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para vê-lo ser empossado pela terceira vez como presidente do Brasil.

Diante dos sinos da Catedral de Brasília, pessoas se ombreavam aguardando o anúncio que o Rolls Royce presidencial chegaria em breve para levar o presidente, o vice e suas respectivas esposas até o Congresso Nacional, onde seria assinada a posse de Lula. “Lá vem ele!”, gritou de cima de uma árvore um jovem hippie de cabelos longos sucedido de uníssono grito de uma multidão.

“Oxe, foi rápido demais”. O que parecia ser uma reclamação da vendedora Renata Batista era o prenúncio de gratidão. “Obrigado, meu Deus. Lula voltou”.

Quem viveu os últimos dias de 2022, e o primeiro de 2023 em Brasília, encontrou uma espécie de carnaval antecipado, cuja apoteose ocorreu em uma praça tomada de bonés e camisas vermelhas. Boa parte do público era constituído de pessoas como Danda de Sumé, que passou mais de dois dias dentro de um automóvel com amigos para sair do interior da Paraíba até a capital federal, ou Ilhasmar Souza, que passou mais de vinte horas para sair de Altamira, no Pará, para estar presente no momento histórico.

Nos seis telões e nos dois palcos instalados na Esplanada a multidão via a imagem de Lula começando a fazer seu discurso dentro da Câmara dos Deputados, mas não conseguia ouví-lo por conta de uma falha no sistema de som (que voltaria a se repetir por diversas vezes ao longo do dia). O problema foi resolvido a tempo de escutar a parte final onde o presidente garantiu a volta de direitos para trabalhadores de todo país. Palmas e gritos eram entoados a cada promessa de retomada dos direitos para mulheres, negros e indígenas.

O contrário ocorria quando eram mostradas as imagens do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ou quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em seu discurso, sugeriu a tramitação de uma reforma tributária no Congresso. Vaias, palavrões e xingamento sobraram para aquele que foi tido como omisso por parte do público diante os crimes cometidos pelo ex-presidente do Brasil, principalmente no período mais crítico da pandemia. O recado dos eleitores foi claro e em coro: “sem anistia!”.

Sem tempo para ressentimentos. Quem esteve em Brasília no dia inicial do ano queria festa. Não demorou para que a música que embalou a campanha presidencial fosse entoada aos gritos. Assim que o baiano Juliano Madeirada, autor do hit “Tá na Hora do Jair”, subiu ao palco, a Esplanada do Ministérios se transformou em circuito Barra / Ondina, em Marquês de Sapucaí, em Galo da Madrugada. Show rápido, empolgante e encerrado após a quinta música.

Era o momento mais esperado. Lula, Janja, Alckmin e Lu de volta ao Rolls Royce. Os 40 mil que puderam entrar (sem mochilas, sombrinhas e outros objetos) na Praça dos Três Poderes saudando o cortejo. E uma expectativa crescendo no ar: quem iria passar a faixa presidencial? O lugar estava vago após o Dia do Fujo. As apostas estavam altas para que fosse a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Reparação histórica, defendida em diversas pautas progressistas.

Na tela aparece o velho Cacique Raoni, um garoto negro, um jovem com deficiência física, um idoso, uma mulher branca, outra negra, e até um cachorro. Juntos eles sobem a rampa do Planalto. A cena, em si, já comovia e marejava olhos numa Brasília escaldante. Quando foi anunciado que aquelas pessoas que caminhavam ao lado de Lula colocariam, em nome de 215 milhões de brasileiros, a faixa no líder petista, veio o estado de catarse. Tal qual uma vitória em final de Copa do Mundo, desconhecidos se abraçavam dentre lágrimas, garrafas eram jogadas para o alto, sorrisos estampados em diferentes rostos. Gol do Brasil.

As lágrimas de Lula no parlatório ao falar do fome que voltou ao país, o choro da recordação dos dias cárcere, foram compartilhadas por milhares de olhos. Soluços e acalanto nos ombros. A seca cidade se umidificou comovida com que ouvia, lembrava e vislumbrava em um futuro mais próspero.

Problemas? Sim, e daí?

Uma tarde toda debaixo de um sol inclemente para uma multidão sedenta não só de esperança, mas também de água. O recurso natural era escasso. Dentro do espaço destinadoao público do evento e mesmo do lado de fora, com os ambulantes, não havia água mineral suficiente para todo mundo. Numa único ponto de distribuição gratuita, havia quatro infecháveis torneiras para um fila que riscava o gramado da Esplanada para uma espera de mais de meia hora para encher garrafas e copos.

A especialista em TI, Ingrid Arias viu o dia anoitecer à espera de um saco de batatas fritas. Durante uma hora e meia junto com dois amigos ela compartilhou a fila para conseguir o segundo alimento do dia. “Mas está bom. O importante é Lula eleito”, confessou.

Nos palcos diferentes artistas se apresentavam, mesmo com o problema de que só quem estivesse mais próximo das caixas de som pudesse ouvir o que se cantava. Quem preferiu ficar mais atrás tinha que se contentar apenas com alguns graves vindos de longe. Durante a apresentação da banda Francisco El Hombre o som simplesmente sumiu para o público e aparentemente não mudou para os músicos, que cantavam e pulavam à distância sem perceber que os assistia nada ouvia.

Fora da programação oficial, o público foi agraciado e pego de supresa, quando, próximo da última hora do primeiro dia do ano, Lula subiu ao palco para saudar o público. Antes, no telão, já se via a imagem da primeira-dama do Brasil sambando ao som de Martinho da Vila.

Antecedido pelos versos do poeta pernambucano Antônio Marinho, Lula avisou que não faria mais um discurso naquele dia, e que deixaria apenas um agradecimento a toda militância, que foi xingada e se colocou em risco nas ruas durante uma das mais turbulentas disputas políticas desde a redemocratização. De improviso, falou por quase 15 minutos para um plateia hipnotizada e regozijada em ouvir a inconfundível e rouca voz e até os erros gramaticais de sua fala, perdoados com gargalhadas.

Era possível visualizar no público a expressão de exaustão e insistência. Rostos queimados pelo sol, pés sujos da lama que emergia do gramado, sorrisos em meio a semblantes cansados. O sistema precário de som anunciou: “Estamos com problemas técnicos”. O show do BaianaSystem, marcado para às 23h, tal qual a fila da batata frita, demorou uma hora e meia para começar.

Durante a espera, junto com o som foi a iluminação dos refletores da Esplanada, momento em que parte do público se despediu da festa, enquanto outra aproveitava para estender novamente suas cangas e bandeiras no chão para um descanso breve e reparador. Ainda tinha muita madrugada, com Pabllo Vittar e Valesca Popozuda, para ser aproveitada.

“Posso do Lula 2023: Eu Fui”. Frase que estampava camiseta, bottons e bandeiras passou a fazer sentido e dar orgulho neste segundo do ano a quem esteve no domingo, 1º de janeiro de 2023, em Brasília. Para além de testemunha, o povo, sempre ele, foi personagem de mais um belo capítulo da história nacional.

Lula (PT) desfila no Rolls Royce presidencial ao lado da primeira-dama Janja, do vice-presidente Geraldo (PSB) e sua esposa Lu | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Comments (1)

  1. Eu estava lá. Tenho 73 anos e senti na pele a falta de estrutura com que o Ibanez nos recebeu. Um bolsonarento irresponsável, que não nos deu nenhuma sombra- eu disse NENHUMA – pouquíssimos banheiros, quase nenhuma água. Se via do outro lado do cercado os bombeiros, estes se protegendo embaixo de árvores, e nós num sol inclemente. Iria novamente para ver o meu eterno presidente tomar posse, mas foi muito sofrimento físico imposto ao povo de Lula. Espero sinceramente que ele um dia viva essa situação.

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