Financiamento de ataques terroristas veio da Amazônia ilegal?

Por Leanderson Lima, em Amazônia Real

Manaus (AM) – Partiram de estados amazônicos, como Pará, Rondônia e Mato Grosso, os financiamentos dos golpistas que participaram dos ataques terroristas em Brasília, no domingo 8 de janeiro. A informação foi dada pelo Jornal Nacional a partir dos primeiros depoimentos de presos obtidos pela TV Globo. Pela apuração, os detidos afirmaram que puderam se locomover até a capital federal com tudo pago pelos financiadores, que não eram dos mesmos estados de onde partiram os ônibus. Em reunião emergencial com governadores dos 26 Estados e do Distrito Federal, nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que os acampados nas frentes dos quartéis das Forças Armadas queriam promover um golpe de Estado.

“Eles querem é golpe; e golpe não vai ter”, disse Lula. “Estavam reivindicando o quê? Reivindicando melhoria na qualidade de vida das pessoas? Reivindicando mais liberdade? Aumento de salário? Não, eles estavam reivindicando o golpe”, disse Lula sobre os acampamentos que foram levantados na frente dos quartéis, depois da derrota de Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições presidenciais, e que começaram a ser desmontados nesta segunda-feira a mando do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Nos três estados amazônicos, Pará, Rondônia e Mato Grosso, está localizado o arco do desmatamento, região que concentra o desmatamento da Amazônia e a expansão do agronegócio. Também é neles que ocorrem as principais frentes de destruição da floresta amazônica, como a grilagem, a mineração ilegal e a invasão de terras indígenas. Não por acaso é onde Bolsonaro conseguiu, com suas ações e seu discurso anti-ambientalista, eleger governadores aliados. Na tarde de segunda, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que o governo federal já detectou financiadores de dez estados, mas não citou nomes, nem sobre os quais se referia. Pelas redes sociais, os golpistas indicam que receberam patrocínio financeiro de diferentes regiões do País.

Na reunião com os governadores, convocada pelo governador paraense Helder Barbalho (MDB), aliado do presidente, Lula prometeu chegar aos financiadores dos atentados terroristas. “Em nome de defender a democracia, não vamos ser autoritários com ninguém, mas não seremos mornos com ninguém. Vamos investigar e vamos chegar a quem financiou”, disse. “Porque aqueles caminhões que vinham para Brasília, às vezes chegavam 80 caminhões desses novos, e não era motorista autônomo, certamente era dono de empresa de caminhão. Essa quantidade de ônibus que estava aqui, certamente não veio de graça, alguém pagou e vamos descobrir.”

O maior ataque terrorista à democracia brasileira, que causou danos ainda não dimensionados em sua totalidade aos prédios do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), foi perpetrado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se encontra nos Estados Unidos. Em seu perfil no Twitter, o ex-presidente publicou uma foto que diz estar internado em um hospital com “nova aderência“.

Em sua fala, Lula defendeu a urna eletrônica e criticou o negacionismo eleitoral dos bolsonaristas. Também fez duras críticas ao governo do Distrito Federal, a quem acusou de omissão. “Tive que tomar uma atitude forte, porque a Polícia Militar de Brasília negligenciou”, disse o presidente, que ainda no domingo decretou a intervenção federal na segurança pública de Brasília.

Na madrugada desta segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes ordenou o afastamento por 90 dias do governador Ibaneis Rocha (MDB), um confesso governador bolsonarista. A governadora em exercício, Celina Leão, defendeu Ibaneis durante a reunião com Lula. “O governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha é um democrata. É um homem que exerceu a presidência da Ordem, sabe o que significa o ataque aos poderes da República. Eu preciso trazer este posicionamento do nosso governador que foi interinamente afastado, mas que por infelicidade recebeu várias informações equivocadas durante todo momento da crise”, alegou Celina.

Todos os governadores participaram do simbólico encontro, inclusive da oposição, como o de São Paulo, Tarcisio de Freitas (ex-ministro de Bolsonaro). Houve poucas exceções. Entre elas, Mato Grosso, representado pelo vice-governador Otaviano Pivetta, e Rondônia, estado que foi representado por Augusto Leonel de Souza Marques, já que o governador Marco Rocha está licenciado do cargo. Helder Barbalho, representante do Fórum de Governadores, afirmou durante a reunião com Lula: “Estamos aqui presencialmente para reafirmar o compromisso dos 27 estados da Federação com a democracia”.

Acampamentos desmontados

O acampamento de Brasília foi desmontado nas primeiras horas da manhã de  segunda-feira, atendendo ordens do ministro Alexandre de Moraes. Mais de 1.200 pessoas foram detidas. Foram necessários mais de 40 ônibus para conduzir os golpistas até o ginásio da Academia Nacional da Polícia Federal, no Lago Norte. A determinação do ministro do STF se estendeu a todos os estados brasileiros.

Em Manaus, a desmobilização do acampamento golpista, instalado na frente do Comando Militar da Amazônia (CMA), comprometeu o trânsito de boa parte da cidade. Parte da Avenida Coronel Pedro Teixeira, onde fica o CMA, foi interditada, causando enormes congestionamentos no sentido oposto da pista e na Avenida do Turismo. Apesar da decisão do STF ter determinado a prisão em flagrante de quem estivesse nos acampamentos, em Manaus, a retirada dos terroristas se deu na base da conversa com os golpistas, que ainda chegaram a hostilizar jornalistas que cobriam o desmonte do acampamento.

A Polícia Militar do Amazonas atuou com a Ronda Ostensiva Cândido Mariano e o Batalhão de Cavalaria, com apoio do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana e Secretaria Municipal de Limpeza Urbana. O Exército não participou da ação. A Amazônia Real procurou a Polícia Militar para saber se alguém foi preso durante a desocupação, mas, até a publicação desta reportagem, a PM não retornou o contato.

Na capital paraense, o acampamento que foi instalado, há dois meses, no 2º Batalhão de Infantaria de Selva (2º BIS), localizado na Avenida Almirante Barroso, foi desmontado nas primeiras horas do dia. A PM do Pará contou com o apoio da Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros e da Superintendência de Mobilidade Urbana. A estratégia foi a mesma do Amazonas, a “conversa” com os bolsonaristas. Ainda assim, cinco pessoas se recusaram a sair do local e acabaram sendo detidas pela PM, e foram encaminhadas para a sede da Polícia Federal, em Belém, que fica localizada na mesma avenida. Pela manhã, Barbalho afirmou que o Pará foi o primeiro estado a cumprir a decisão do ministro Alexandre de Moraes. “Aqui no Pará, não vamos admitir atos terroristas e ações como as que aconteceram em Brasília”, tuitou.

Produção de provas

A reação das autoridades foi rápida e enérgica. Além do imediato afastamento do governador Ibaneis Rocha, da desmobilização total dos acampamentos nos quartéis do Exército no prazo de 24 horas, Moraes proibiu ainda a entrada de quaisquer ônibus ou caminhões trazendo manifestantes ao Distrito Federal até 31 de janeiro. A decisão do ministro inclui ainda o envio do registro de todos os veículos – inclusive os registros telemáticos –, que entraram na capital federal entre os dias 5 e 8 de janeiro

O ministro do STF ordenou que a Polícia Federal obtenha todas as imagens das câmeras do DF, para que possa ser feito o reconhecimento facial dos terroristas que participaram dos ataques terroristas de 8 de janeiro – na internet, movimentos independentes estão ajudando as autoridades a reconhecer os golpistas que participaram dos atentados em Brasília. Outra frente de investigação é a listagem de pessoas hospedadas em hotéis e hospedarias na capital federal desde a última quinta-feira (5). Além dos nomes, Moraes quer filmagens do saguão dos hotéis para identificar os participantes dos atos criminosos.

Suspensão de perfis

A decisão do ministro também foi direcionada às empresas Facebook, TikTok e Twitter, no sentido de bloquear, num prazo de duas horas, de diversas contas sob pena de multa diária de 100 mil reais. Além da suspensão, as big techs terão de informar os dados cadastrais dos usuários. Na decisão, o ministro do STF apontou que os atos demonstraram “inequivocamente” fortes indícios de materialidade e autoria dos crimes previstos nos artigos 2ª, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016 e nos artigos 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado), 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III (perseguição), 286 (incitação ao crime), além de dano ao patrimônio público (artigo 163, III) todos do Código Penal.

Ainda não há um levantamento do prejuízo causado pelos terroristas bolsonaristas na invasão e depredação do Palácio do Planalto, o Congresso e a sede do STF. No caso do Palácio do Planalto, várias obras de artes que fazem parte do patrimônio nacional foram destruídas nos ataques terroristas.  Só a obra As Mulatas, do artista plástico Di Cavalcanti, é avaliada em 8 milhões de reais. A tela sofreu sete rasgos.

Outra obra que foi destruída pelos criminosos foi a escultura de bronze O Flautista, do artista Bruno Jorge, avaliada em 250 mil reais. Outro item de valor inestimável do acervo brasileiro é o relógio de Balthazar Martinot, que pertencia ao rei Dom João VI – um presente dado pela corte francesa. Só existem dois relógios deste modelo no mundo. O primeiro está em exposição no Palácio de Versalhes, na França, o outro foi destruído pelos bolsonaristas.

Os terroristas, que afirmam ser “patriotas”, não pouparam nem mesmo a obra Bandeira do Brasil, do artista plástico Eduardo Jorge, que foi encontrada inundada, depois que os terroristas abriram o registro dos hidrantes do palácio. E o rastro de destruição não parou por aí. No STF destruíram o Brasão da República, poltronas dos ministros, a bancada de votação no plenário da Câmara dos Deputados; o vitral Araguaia, da artista Marianne Peretti, além da escultura de Ulysses Guimarães; isso sem contar a destruição de equipamentos de expediente como telefones, impressoras, computadores, televisores entre outros. A galeria de todos os ex-presidentes da República foi completamente destruída, exceto a foto de Bolsonaro, que foi furtada do local.

Nota conjunta

A Presidência da República, o Congresso e o STF divulgaram uma nota conjunta em defesa da democracia. Os poderes rechaçaram os atos golpistas ocorridos em Brasília, e reforçaram a união entre as casas. “Estamos unidos para que as providências institucionais sejam tomadas, nos termos das leis brasileiras. Conclamamos a sociedade a manter a serenidade, em defesa da paz e da democracia em nossa pátria. O país precisa de normalidade, respeito e trabalho para o progresso e justiça social da nação”, diz a nota.

O governo brasileiro divulgou que os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos conversaram na tarde desta segunda-feira, por telefone. “O presidente Biden transmitiu o apoio incondicional dos Estados Unidos à democracia do Brasil e à vontade do povo brasileiro, expressa nas últimas eleições do Brasil, vencidas pelo presidente Lula”, disse a nota.

O presidente dos Estados Unidos condenou os atos violentos e o ataque às instituições democráticas. Ainda segundo a nota do governo brasileiro, os líderes comprometeram-se em trabalhar juntos em temas enfrentados pelo Brasil e pelos Estados Unidos, “entre os quais mudança do clima, desenvolvimento econômico, paz e segurança”. O presidente Joe Biden convidou Lula para fazer uma visita a Washington, no próximo mês.

Governo sinaliza que vai atrás de quem financiou os ataques terroristas às instituições da República, que foram depredadas no domingo; Lula afirma que a única reivindicação era praticar “um golpe” contra o Estado brasileiroNa imagem, desmobilização do acampamento dos golpistas em frente ao CMA, em Manaus, Amazonas (Foto: Leanderson Lima/Amazônia Real)

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