A marcha camponesa contra a fome segue firme

Em seus 27 anos, Movimento dos Pequenos Agricultores defende a produção de alimentos saudáveis alinhado a conservação ambiental. Confira entrevista com Anderson Amaro, dirigente nacional do MPA

Mateus Quevedo, MPA Brasil

A história de resistência dos camponeses e camponesas do Brasil ganhou novo contorno desde que o Movimento dos Pequenos Agricultores nasceu, em 1996. Na época uma intempérie climática fez com que mais de 15 mil pessoas ocupassem as margens da BR 376, no RS. Uma seca havia assolada a região e não haviam respostas por parte dos governos. Isso somado ao esgotamento do modelo sindical à época e entrada cada vez mais ofensiva do neoliberalismo na economia brasileira culminou no nascimento deste pequeno gigante.

Depois de 27 anos, o Brasil não é mais o mesmo, mas a questão climática e a falta de políticas públicas estruturantes para o campesinato não estão muito diferentes daquela época. Com os governos Lula e Dilma, o campesinato brasileiro experimentou um Estado mais condescendente ao combate à fome, e por consequência, políticas públicas voltadas à produção de alimentos desde a agricultura familiar camponesa foram determinantes. Depois dos ataques ao Estado Democrático de Direito resultando na ascensão da extrema direita o que já era pouco, tornou-se em penúria.

Segundo Amaro, hoje “o MPA se coloca com firmeza junto à sua base social e ao Estado brasileiro, em um momento que a extrema direita tenta avançar no Brasil e no mundo, com nossos valores, princípios e nossas principais bandeiras de luta que se traduzem na produção de alimentos saudáveis para contribuir no combate à fome no nosso país, essa é a nossa centralidade.”

Para o dirigente nacional do MPA, Anderson Amaro, o agronegócio é um dos principais responsáveis pelos ataques à democracia e o desmanche das políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos, o PPA, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE. “A elite agrária, uma ala bem atrasada da elite brasileira, que se apresenta como agronegócio é excludente na sua origem, pra eles não é factível os trabalhadores, os camponeses tenham acesso a direitos, a alimentação orgânica, agroecológica.”

Produzir alimentos saudáveis e preservar o meio ambiente

A luta por políticas públicas para a produção de alimentos saudáveis torna-se, então, necessárias para estruturar o combate à fome. Anderson lembra a forte estiagem que a região sul do país está enfrentando, principalmente o estado do Rio Grande do Sul. “Só medidas paliativas não são suficientes porque a gente vê que isso é uma tendência das mudanças climáticas e precisamos debater de forma mais estratégica uma forma de conviver com a natureza e compreender estes fenômenos”.

“Nós do MPA temos, ao longo da nossa história, elaborado propostas que contribuem com essa realidade e colocado à disposição do estado, porque é quem deve cumprir seu papel na construção de políticas públicas que dialoguem com esta necessidade”, lembra. Uma das iniciativas construídas pelo Movimento foi o conceito de ALIMERGIA, que reúne em sua exegese a produção de alimentos e de energia em sinergia com o meio ambiente.

“Estamos vivendo um momento de desiquilíbrio ambiental e a forma como o Estado brasileiro tem se comportado em relação a produção de alimentos tem muito haver com isso, inclusive essa ganância do agronegócio, das madeireiras e das mineradoras têm ajudado nesse processo”, denuncia Amaro. Quando questionado sobre as políticas públicas existentes Anderson é enfático: “O PRONAF é importante, mas ele somente não é suficiente, uma vez que o campesinato mais empobrecido não está contemplado, quando acontecem estiagem ou chuvas muito severas, eles são os mais atingidos”. Segundo ele é preciso uma estratégia de comercialização, de compras públicas de alimentos, garantindo um fluxo de investimento na produção de alimentos saudáveis.

Agronegócio é golpe

Anderson também denuncia a violência política contra movimentos camponeses, fora os ataques à democracia que ganharam notoriedade internacional, recentemente dois dirigentes do MPA sofreram violência. Frei Sérgio Gorgen foi ameaçado de morte por um vereador no Rio Grande do Sul e um casal de militantes do Movimento em Santa Catarina, Edenilson e Cristina, sofreram um atentado com disparos de arma de fogo contra a residência da família em Canoinhas nos primeiros dias do ano.

A preocupação é conhecer quem está por trás disso e quem se beneficia dessa violência e quem a estimula, os ataques estão ligados à extrema direita e o agronegócio é um forte estimulador dessa forma de coerção. Há denúncias, inclusive, de que empresários do agronegócio financiaram os acampamentos golpistas e os ataques em Brasília (DF).

“O agronegócio se vê como principal agente produtivo do país, o que não é verdade, e se diz independente, mas, isso também não é verdade. Existe um braço brasileiro que garante investimento, seja por subsídio milionários e juros zero, ou por leis que os beneficiam, como a lei Kandir, por exemplo. Então o agronegócio se acha detentora de todo direito de terra, de políticas públicas, de subsidio, e não aceita qualquer subversão disso”, completa.

Ele lembra o volume de agrotóxicos liberados por Bolsonaro, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022 foram 2.030 agrotóxicos liberados pelo governo. “Mas no relatório dos gastos com o cartão corporativo estão lá registros de que Bolsonaro comprava alimentos orgânicos, é isso que eles querem, converter o que seria um direito de todos, que é ter alimentos saudáveis, em algo nichado, e o que nós estamos propondo é uma virada de chave, uma mudança na base produtiva”, denuncia e anuncia. “É por isso que eles defendem as ações golpistas, porque eles não querem a mudança desse paradigma, não querem a mudança de matriz tecnológica, querem voltar a fazer a velha política agrária”, continua.

A sociedade precisa defender a produção de alimentos saudáveis

Para Amaro o grande desafio do Movimento nestes próximos períodos é garantir que a sociedade entenda a luta dos camponeses e camponesas e abrace a causa da produção e fácil acesso aos alimentos saudáveis. “Estamos imbuídos do desafio de envolver e colocar a juventude como protagonista dessa construção, precisamos criar alternativas e políticas que garantam geração de renda pra juventude e que a gente possa ter no campo um trabalho digno e moderno, com acesso a tecnológica, que favoreça nossa produção agroecologia” apresenta.

Anderson lembra o III Festival das Sementes Crioulas e Feira da Agrobiodiversidade que o MPA realizou, junto de parceiros, no município de Jacobina, na Bahia. “Estamos construídos processos formativos, de debates com a parcela da sociedade, com a nossa base social que é muito feminina e jovem, no festival, por exemplo, tivemos expostas várias experiencias produtivas, desde os desafios sobre a legislação das sementes crioulas, a importância delas para o combate à fome sobre esse tema e como isto está ligado ao modelo de campo que temos e o papel da juventude, das mulheres e também das crianças”.

Para Anderson um dos grandes feitos do MPA, na chegada de seus 27 anos é a preservação das boas sementes, as sementes de luta, de resistência, sementes crioulas guardadas de geração em geração. “As mulheres e os jovens são nossos melhores guardiões, assim como também nossos melhores semeadores, por isso nosso trabalho tem dado bons frutos”.

Imagem: Os bancos ou casas de sementes se tornam uma das principais formas de resgate e armazenamento das sementes crioulas – Foto: Neto Santos

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

8 + dezesseis =