Vice-PGR Lindôra Araújo, em julgamento sobre ‘perfilamento racial’ no STF: “Se entender que é racismo, vai ter que soltar todos presos de tráfico”

Lindôra Araújo deu declaração durante análise do caso de um homem negro flagrado com 1,53 grama de cocaína e condenado por tráfico de drogas. Policiais admitiram que abordagem foi motivada pela cor da pele.

Por Márcio Falcão e Letícia Carvalho, TV Globo/g1

A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou nesta quarta-feira (1º) durante julgamento de um caso sobre “perfilamento racial” no Supremo Tribunal Federal (STF) que “se entender que é racismo, vai ter que soltar todos os presos de tráfico”.

“O STF não pode transformar crime de tráfico em racismo. […] Se entender que é racismo, vai ter que soltar todos presos de tráfico”, disse a vice-PGR.

O Supremo julga se uma abordagem policial provocada por racismo estrutural anula provas de uma investigação. É a chamada “filtragem racial” ou o “perfilamento racial”.

Segundo entidades, por essa conduta configurar um ato discriminatório praticado por agentes estatais, acaba institucionalizando o racismo.

A Corte analisa um habeas corpus da Defensoria Pública que busca beneficiar um homem preso em 2020 pela Polícia Militar, em Bauru (SP), com 1,53 grama de cocaína.

Ele foi condenado na Justiça a sete anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas, pena que foi reduzida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para dois anos e 11 meses.

Ao longo da investigação, em depoimento, os policiais que participaram da abordagem admitiram que a ação só foi realizada por ele ser negro. Eles reconheceram que a suspeita que justificou a busca pessoal foi a cor da pele.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu a rejeição do HC por entender que não ficou configurado no caso o racismo estrutural e que a busca pessoal foi motivada por “aparente atividade de mercancia da droga”.

Lindôra também afirmou ainda que o racismo “não é um privilégio daqui do Brasil”:

“O racismo existe. Não temos como dizer que não existe. Existe. Assim como nós sofremos em outros países. Nos Estados Unidos, nós também sofremos racismo, todos nós. Em Portugal, sofremos racismo também. Não é um privilégio daqui do Brasil”.

Defesa

Na mesma sessão, Fernando Rodolfo, defensor público do homem detido, argumentou que o caso é a verificação “mais perversa do perfilamento racial”.

Ele questionou os presentes se, na situação da prisão, fosse “um corpo branco parado na rua de Santa Teresa” haveria a abordagem. E concluiu a retórica afirmando: “Certeza que não”.

Além de Lindôra e do defensor público, falaram nesta quarta-feira representantes da sociedade civil que têm relação com o caso, como as entidades Conectas Direitos Humanos, Instituto Terra Trabalho e Cidadania e Iniciativa Negra Por Uma Política Sobre Drogas e Justa.

Abordagem contra negros

Um levantamento feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o data_labe em São Paulo e no Rio de Janeiro, publicado em 2022, apontou que ser negro nos dois estados significa ter risco 4,5 vezes maior de sofrer uma abordagem policial, em comparação com uma pessoa branca.

De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o Brasil tem 820.689 pessoas presas, sendo que 67,4% são negras.

Entidades pedem que o Supremo fixe que abordagens policiais só podem ser realizadas por “fundada suspeita” o que impediria atuação policial baseada em elementos de discriminação como raça, local da moradia e renda.

Foto: AFP/Correio Braziliense

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