Após reivindicação, Quilombo Vargem do Inhaí (MG) conquista escola infantil na comunidade

José Odeveza, Terra de Direitos

O direito de assegurar educação desde a primeira infância para as crianças da Comunidade quilombola Vargem do Inhaí, em Minas Gerais, acaba de se tornar uma realidade. Em fevereiro a comunidade conquistou, junto a Secretaria Municipal de Educação de Diamantina, a garantia de aulas para educação infantil dentro do território da comunidade. Famílias eram ameaçadas do corte dos benefícios sociais diante da dura realidade de garantir que crianças de 5 anos percorressem diariamente 28 quilômetros (ida e volta), em estrada de chão, para ir e voltar até a escola mais próxima que está situada em Inhaí, distrito de Diamantina (MG). Diante da crise existente na educação dentro das comunidades de povos tradicionais, Vargem do Inhaí comemora a conquista, mas enfatiza que ainda existem diversos aprimoramentos na execução da política dentro do território quilombola.

“Para a gente, enquanto moradores e pais, é muito gratificante ter a escola aqui, é uma conquista enorme. A gente sempre desejou isso e foi uma batalha desde o início. A escola da comunidade é um espaço para que essas crianças se desenvolvam, brinquem, estudem. A gente vê a diferença que é – as crianças que têm a alfabetização infantil – para as que vão direto para o ensino fundamental. Ajuda na escrita e na coordenação motora. É um ganho tremendo no aprendizado dessas crianças”, relata a liderança da comunidade, Adalea Paula.

A luta da comunidade quilombola apanhadora de flores sempre-viva pela educação infantil dentro do território sempre foi um ponto de reivindicação das lideranças junto aos governantes locais e estaduais. Segundo relato dos comunitários, em diversos momentos foram feitas reivindicações para instalação de uma escola que atenda crianças menores de 5. Adalea explica que “foi necessário um outro fato acontecer – corte dos benefícios sociais – para que o governo percebesse que a comunidade também carecia da educação infantil, e as dificuldades que a gente tinha para levar as crianças até a antiga escola no distrito”.

Realidade ampliada

A Comunidade Vargem do Inhaí está localizada a 14km de Inhaí, distrito de Diamantina (MG), sendo esta a região mais próxima que possui uma escola pública que abarque todas as faixas etárias da educação básica. Ou seja, na região crianças menores de 5 anos poderiam estar matriculadas e estudando. Dentro do território da comunidade quilombola já existia uma escola para o 1° ao 6° ano do Ensino Fundamental. Foi a partir dessa brecha que os pais se questionaram, se não era possível garantir que dentro da escola da comunidade houvesse também o ensino infantil.

Até o fim de 2022 as crianças da Comunidade permaneciam matriculadas na escola do distrito de Inhaí. Em relato, os pais enfatizaram as dificuldades como a necessidade de que as crianças tão pequenas acordassem pela madrugada e se deslocassem sem companhia dos pais junto ao transporte do estado até uma outra escola diariamente. Com desgaste gerado pelo deslocamento e consequente dificuldade de permanência escolar, as famílias passaram a receber notificação de que os benefícios sociais destinados as famílias das crianças matriculadas seriam cortados para os/as alunas que não estivessem comparecendo as aulas regularmente. Com isso, um novo medo permeava a comunidade: agora não só mais de garantir educação às crianças, mas também garantir subsistência para famílias sem o apoio social do estado.

Na avaliação da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) seria impensável que uma situação já relatada ao estado – inclusive via ofício encaminhado pela assessoria jurídica da Terra de Direitos – poderia culminar no corte de direitos sociais tão importantes para as famílias da comunidade.

“A invisibilidade que existe sobre as lutas dos povos e comunidades tradicionais, traz também uma invisibilidade para a garantia de políticas públicas. O que observamos é que na grande maioria dos casos o que faltam são direitos básicos dessas comunidades. Hoje em dia as comunidades não são mais invisíveis, mas que para que elas se mantenham nos territórios, com qualidade de vida, livre acesso e segurança, elas precisam acessar políticas públicas. Precisam ter a educação de qualidade, saúde, alimentação e entre outras. E cada política pública que é acessada é uma conquista muito grande”, enfatiza Tatinha Alves coordenadora da Codecex.

Garantia de direitos

As famílias da Comunidade agora não correm mais o risco de ter os benefícios sociais cortados, mas relatam ainda desafios pela garantia efetiva de direitos sociais dentro do território. Adalea afirma que o cenário ainda é de descaso se comparado ao cenário ideal para educação das crianças.

“A comunidade ainda carece de um transporte que faça o trânsito dessas crianças dentro da comunidade – visto que a escola, apesar de estar dentro do território da comunidade – não é próxima das casas. Esse transporte serviria tanto para o Ensino Infantil quanto para o Ensino Fundamental. A escola precisa também de uma reforma, faz anos que não ocorre uma e a estrutura já está com rachaduras, pintura desbotada e com telhado antigo. Além disso, seriam necessárias salas de aula com maior ventilação, pois o calor é forte e atrapalha a atenção dos estudantes.”

Das 13 comunidades apanhadoras de flores acompanhadas pela Codecex na porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, somente 6 possuem escolas dentro dos territórios. Na avaliação da assessora jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, é imprescindível a ampliação do atendimento não só das políticas efetivas de educação, mas para outras necessidades das comunidades.

“A Codecex, com apoio da Terra de Direitos, tem trabalhado para a implementação e aprimoramento de políticas e serviços públicos nas comunidades apanhadoras de flores da Serra do Espinhaço. As deficiências são muitas: ausência de estruturas adequadas, transporte público e servidores para o fornecimento dos serviços de saúde e educação, ausência de execução da educação escolar quilombola, ausência ou insuficiência de programas voltados a produção agrícola e segurança alimentar. É preciso lembrar que no cerne disso está a morosidade do Estado em demarcar os territórios tradicionais, o que torna as comunidades mais invisíveis diante dos órgãos e entes do Estado, e mais vulneráveis a ameaças externas, como a mineração e o agronegócio, que usurpam seus territórios, destaca a advogada.

Agora em 2023 as crianças da Comunidade Vargem do Inhaí já devem estudar nas proximidades de suas casas. Segundo informações da Comunidade, será formada uma primeira turma com crianças de 4 famílias. Enquanto este cenário não se torna uma realidade para todas as outras comunidades do Vale do Jequitinhonha, serão realizadas novas ações para reivindicação de direitos.

Como primeiro povo tradicional reconhecido no Brasil em 2020 como Patrimônio Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas Para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), foi pactuado pelo poder público e as comunidades um Plano de Conservação Dinâmica dos modos de vida das comunidades. Em linhas gerais, o Plano, de validade até 2024, pretende garantir melhorias para a vida das apanhadoras de flores, o que inclui o livre acesso ao território e a garantia do acesso a políticas públicas.

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