Dissertação resgata história de Antônia Flor e a resistência de mulheres camponesas na luta pela terra no Piauí

“…Antônia Flor – flor da gameleira –
fez do amor à terra sua peleja, sua crença, sua razão de bem- viver…
teve o corpo crivado de balas – à sombra de uma velha ingazeira.”

Paulo Machado

Texto e Imagens: CPT PIAUÍ

Nesse mês de março reafirmamos o compromisso contra todas essas violências sofridas pelas mulheres diversas em todos os espaços em que estão inseridas. E nada mais justo que relembrar a vida e a luta de uma mulher que viveu e morreu por uma causa, e “fez do seu amor à terra sua peleja, sua razão de bem-viver”, Antônia Maria da Conceição, Antônia Flor, mártir da terra no Piauí.

Em referência ao dia da mulher, na manhã do dia 04 de março, na sede do sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais do município de Piripiri-PI, a dissertação de mestrado de Patrícia Costa Araújo, cujo tema é: “Antônia Flor e resistências das mulheres camponesas na luta pela terra em Piripiri no Piauí” foi devolvida à população que contribuiu com a pesquisa e a todo município.

Para fazer ecoar essa história, Patrícia Araújo, pesquisadora da Universidade de Brasília-UnB faz um resgate em sua dissertação sobre a história de Antônia Flor como mulher referência de luta pela terra no estado do Piauí e traz elementos que fortaleceram e ainda fortalecem a resistências de outras mulheres camponesas no estado.

Patrícia reforça que a organização das mulheres e a questão de gênero são importantes quando se fala do protagonismo de mulheres na luta pela terra: “o trabalho colaborou para os estudos da questão de gênero nas lutas camponesas, principalmente no Piauí e demonstra que a conquista da terra também é uma luta das mulheres”. Ela destaca que “o protagonismo de Antônia Flor foi determinante para a organização da comunidade de posseiros que formaram e conquistaram o Assentamento Antônia Flor. Ela continua sendo uma identidade importante para o processo de conscientização das mulheres trabalhadoras rurais sobre seus direitos”.

Ressalta ainda que “é preciso também reparar um passado de injustiças, mesmo que tardiamente. Fazer da memória uma ferramenta que ensine as outras gerações a construir um futuro sem repetir o passado escrito com sangue”.

Trazer à tona a história desse crime que permanece impune até hoje é levantar a realidade dos conflitos no campo, onde ocorrem ameaças, expulsões, violências, assassinatos de camponeses e camponesas como foi o caso de Antônia Flor e nenhuma providência é tomada.

Casos como o de Dona Antônia Flor são pesquisados na Comissão Camponesa da Verdade – CCV, criada em 2012, a partir da demanda dos movimentos sociais dos povos campo, das águas e das florestas reunidos no Encontro Unitário, essas demandas eram por memoria, verdade, justiça e reparação voltada para os/as camponesas.  A CCV atua junto à Comissão Nacional da Verdade – CNV  que tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

A professora da UnB e membro da CCV, Regina Coelly, orientadora da pesquisa, esteve presente e destacou que a relevância da CCV é garantir a memória, verdade, justiça e reparação e não repetição das violações de direitos humanos que atingiram as camponesas durante a ditadura civil-militar.

Regina Coelly, professora da UnB e membro da CCVEm sua apresentação Regina explicou aos presentes o que é a CCV e que a proposta da comissão é de reparação e justiça aos casos de violência aos camponeses e camponesas para que não mais aconteçam: “Fazemos referência aos camponeses e camponesas nesse trabalho de reparação e justiça, mas também para que essa pratica de extrema violência no campo não se repita… o desafio agora é em torno do novo governo é de como reintroduzir a pauta dos camponeses pelo ñ esquecimento das violações sofridas.

A pesquisa de Patrícia amplia conhecimentos e se torna, para as mulheres camponesas do Piauí,  mais um instrumento de luta, além da importância de ampliar cada vez mais as vozes dessas mulheres, em toda a sua diversidade para que sejam ouvidas em suas dores ancestrais e assim posam reivindicar seus desejos e transformações.  Patrícia diz que “mais do que conhecer a história das mulheres camponesas, é preciso ressignificar suas trajetórias e reescrever esse passado com o olhar de gênero. É preciso, ainda, fazer com que elas sejam ouvidas e suas memórias sejam um instrumento de transformação social”.

Quem foi Antônia Flor?

Antônia Flor, mulher camponesa, trabalhadora rural, que foi assassinada, num conflito por terra, ainda durante o período da ditadura militar. Um crime que ficou impune.

Antônia Flor morava com os filhos em uma propriedade na zona rural de Piripiri, a 36 km do Centro do município, chamada de Comunidade Gameleira. “Toda a luta pela terra começou, de fato, quando o proprietário, que vivia em harmonia com os posseiros, resolveu vender o terreno para outro, um cearense. Na transferência da terra, o novo proprietário não aceitava a permanência das famílias e queriam obriga-los a sair casa”, explica Gregório Borges, agente da Comissão Pastoral da Terra no Piauí.

Morava há 50 anos na terra e reivindicava o seu direito de continuar no local.  Morta a tiros por pistoleiros quando cozinhava o almoço. A partir disso, começa a luta pela desapropriação dessa área. Essa conquista da terra pelos posseiros só ocorreu no dia 1 de dezembro de 2005.

A data de sua morte, 01 de dezembro, ficou marcada para a história do estado e por um projeto de lei do ex-deputado Olavo Rebelo, de 2001, quando foi instituído o dia Estadual de Luta pela Reforma Agrária no Piauí.

“Uma mulher de 80 anos que nunca desistiu da posse da terra. Ela era a matriarca, era quem enfrentava a todos nessa luta. Mesmo depois do assassinato dela, os mandantes do crime nunca foram punidos, mas também não conseguiram tirar nenhuma família de lá. Foi uma forte resistência”, acrescentou Gregório.

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