O MST e a cadeia produtiva da soja convencional – livre de transgênico

Artigo do Setor Nacional de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST apresenta o histórico da produção da soja, o contexto atual e o avanço na produção a partir do MST

Por Setor Nacional de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST
Da Página do MST

A cultura da soja teve origem na Ásia e despertou interesse das indústrias mundiais ainda na segunda década do século XX, especialmente pelos seus teores de óleo e proteína. Tais interesses, tornaram a planta estratégica para as transnacionais que protagonizaram a instauração da Revolução Verde nos países periféricos, como é o caso no Brasil.

Aqui, a cultura se estabelece a partir de políticas públicas do período da Ditadura Militar, nos anos de 1970, com desenvolvimento de pesquisas e tecnologia que promovem a adaptação genética da planta às regiões tropicais, o que proporcionou o avanço também, sobre outros países latino-americanos.

Já no final do década de 1990, com o acentuado avanço das políticas de caráter neoliberal, que influenciaram a consolidação do modelo do agronegócio no mundo, em função das orientações do Consenso de Washington, e a implantação das leis de patentes e desregulamentações em diversos estados, autoriza-se, em 1998 no Brasil o plantio da soja transgênica.

Neste modelo produtivo, a partir de modificações genéticas, a planta de soja passa a ser resistente ao glifosato, com o objetivo de “facilitar” o avanço da monocultura e promover a venda de um “pacote” completo, ou seja, aliando sementes e herbicidas, proporciona-se a dependência dos agricultores, durante todo o manejo, do monopólio da transnacional Monsanto (comprada em 2016 pela Bayer) e outras três gigantes do agronegócio.

É esse modelo dependente que estabelece no Brasil a agricultura financeirizada, baseada no mercado internacional de commodities (mercadorias uniformes negociadas em bolsas de valores do mundo todo). As transnacionais dos agrotóxicos e que dominam as sementes passam a fornecer créditos a agricultores para custear o plantio e comercializam as safras que ainda serão plantadas no mercado de capitais, tornando-se, em tempos de descenso de políticas públicas, a única alternativa para muitos agricultores.

Para se ter a dimensão dos impactos desta estratégia, no Brasil a soja avançou de 13 milhões de hectares plantados em 1998, para 42,5 milhões de hectares na safra de 2022. Cerca de 93% de áreas dominadas pela transgenia fundamentada na resistência ao herbicida glifosato, que é comprovadamente um contaminante que está associado ao desenvolvimento de câncer.

Entendemos que é preciso romper com esse modelo que impõe aos produtores uma agricultura químico-dependenteConsiderando a importância milenar da cadeia produtiva da soja, o MST propõe-se a desenvolver o plantio de soja convencional, numa estratégia de conversão à agroecologia, livrando nossos territórios da transgenia, do glifosato e do monopólio.

A importância da soja como alimento

A soja cumpre um papel importante na alimentação, apesar de todo o processo de concentração da produção e controle da cadeia produtiva da soja, nas mãos de poucas gigantes do agronegócio mundial e do modelo que estas dão a esta produção.

Atualmente o grão está em quase todos os produtos da alimentação humana, de forma direta ou indireta. A produção de carnes, leite e ovos depende quase que em sua totalidade da produção de soja, na composição de rações animais. O óleo de soja e vários outros alimentos que usam a soja em sua composição fazem parte de nossa realidade e estão em nossas mesas, compondo a dieta de famílias do Brasil e do mundo.

A questão central é que como não temos o controle sobre esta cadeia, não conseguimos definir quem irá produzir; como será produzida. Por isso utilizamos o pacote do agronegócio, que tem como base do seu modelo de produção o uso de venenos (agrotóxicos) e as sementes transgênicas. É essa soja que está na nossa mesa, porque está integrando toda a produção seja familiar ou patronal. Esta soja que não é alimento e que, na verdade, nos envenena.

Portanto, precisamos nos apropriar desta produção dando passos e definindo nosso modelo de produção, podendo além de denunciar as mazelas da soja transgênica, apresentar nossa proposta de agricultura. Isso justifica a nossa busca por trazer ao nosso controle a produção de soja, também enquanto alimento saudável em nossos assentamentos e na agricultura familiar e camponesa no geral.

As sementes

O uso das sementes pelos camponeses por meio da produção, reprodução e das trocas esteve na maior parte da história da agricultura. Contudo, ao longo do último século, o aumento da concentração corporativa no setor de sementes têm corroído a capacidade dos agricultores camponeses de obter suas sementes, limitando na escolha do que cultivar, como cultivar e para quem cultivar. Essa apropriação das sementes tem conduzido a uma transformação dos recursos fitogenéticos passando de um bem comum, livre para os agricultores produzirem, compartilharem e venderem, em propriedade privada concentrada em poucas e grandes empresas. São aspectos que ameaçam o patrimônio cultural, produtivo e alimentar, contribuindo fortemente para aprofundar a crise ecológica e alimentar a que a sociedade está submetida.

A transgenia é uma das principais estratégias de dominação econômica e política, e seu motor tem sido satisfazer os acionistas das grandes corporações por meio de demandas de investidores institucionais e pelos mercados de ações. Os impactos decorrentes deste processo são a apropriação de sementes e o controle sobre a produção e venda de todo setor de insumos agrícolas.

O Brasil, além de ser um grande consumidor da tecnologia transgênica, é também o maior país em aquisição de agroquímicos, sendo considerado uma das principais possibilidades de crescimento e fonte de mercado para as grandes empresas do setor. Por isso, a posição ocupada de maior consumidor mundial de agrotóxicos não é uma coincidência, uma vez que as quatro grandes corporações – Bayer-Monsanto, Dow-Dupont e ChemChina-Syngenta – que dominam o mercado global de sementes e agrotóxicos também administraram a produção e comercialização de quase todas as plantas transgênicas no Brasil.

Potencial de bioinsumos e transição agroecológica

Com a crescente preocupação mundial pela preservação ambiental e a produção de alimentos mais saudáveis, práticas de manejo por meio do uso de Bioinsumos estão em evidência. O uso de Bioinsumos tem se mostrado como uma importante alternativa ao uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos na produção agrícola.

O termo “Bioinsumos” será utilizado considerando o conceito estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2021). Trata-se de uma ampla categoria de insumos, que envolve diversas possibilidades e soluções, por meio de produtos relacionados à nutrição vegetal, como inoculantes e biofertilizantes, ao estímulo, como os bioestimulantes, e ao controle de pragas, doenças e plantas daninhas, como os produtos biológicos de controle ou defensivos biológicos.

A cultura da soja convencional tem contribuído na manutenção da biodiversidade e, em conjunto com a aplicação de manejo integrado, também pode contribuir para uma maior conservação do meio ambiente. Ademais a cultura tem sido líder mundial e nacional no uso de Bioinsumos pois, além da prática de fixação biológica de nitrogênio o uso de controle biológico de pragas e doenças tem sido utilizado em grande escala na cultura. A de integração em um conjunto de técnicas, envolvendo o uso de Bioinsumos, no manejo da soja pode enriquecer o solo com diferentes materiais inorgânicos e orgânicos, disponibilizar fósforo, cálcio e potássio, proteger o solo, favorecendo a diversificação da vida e melhorando as condições para o agroecossistema.

A produção de soja nos assentamentos do MST

A agricultura familiar em geral é responsável pela produção de cerca de 16% da produção de soja no Brasil (IBGE, 2006). Em nossos assentamentos temos uma ampla produção de soja em alguns estados, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Goiás.

Atualmente em áreas de assentamentos coordenadas pelo MST temos quase 40 milhões de sacas de soja produzidas. Cerca de 30 milhões de sacas de soja produzidas no PR; 3 milhões de sacas no MS; no estado de SC são cerca de 900 mil sacas; em SP são 800 mil sacas; no RS cerca de 1 milhão de sacas; e GO também vem se consolidando com uma produção significativa de soja nos assentamentos. Mais de 10 mil famílias se envolvem nessa produção.

Números que chamam a atenção pelo potencial econômico, mas ao mesmo tempo há preocupação pelo formato e desenho desta cadeia produtiva subordinada aos interesses do capital multinacional, que organiza a partir de seu modelo impactos socioeconômicos e ambientais que deixam passivos enormes nas áreas. Essa realidade nos coloca o desafio de pensar sobre isso e agir no âmbito da organização da produção dentro da nossa perspectiva da Reforma Agrária Popular, e a produção de alimentos saudáveis, o cuidado com a natureza.

Algumas questões são fundamentais para subsidiar nossas ações. De onde vem nossas sementes? De onde e quais são nossos insumos? Como vamos fazer essa produção de soja chegar às mesas da população? Onde está a infraestrutura agroindustrial desta cadeia e sob controle de quem?

Neste sentido, várias experiências vêm sendo conduzidas pelas cooperativas nas áreas de assentamentos do MST, como forma de dar passos e alterar o modelo de produção a começar por nossos assentamentos. São elas:

1)  Produção de sementes não transgênicas para a produção de soja como alimento em nossos assentamentos;

2)  A produção de áreas mais massivas de produção de soja não transgênica;

3)  Produção de bioinsumos para a produção de soja em vários assentamentos no PR, SP e MS;

4)  A produção de algumas experiências e parcerias para a produção de soja orgânica, para a produção de ovos;

5)  Diversas parcerias com Universidade de São Carlos para a produção de sementes não transgênicas;

A experiência da Coprari

A produção de soja convencional (livre de transgênicos) vem sendo desenvolvida pela Cooperativa de Produção, Industrialização e Comercialização Agrícola e Pecuária Ribeirão Vermelho (COPRARI), com sede no município de Centenário do Sul (PR). A cooperativa tem na sua estratégia a organização da cadeia produtiva da soja convencional, seja para produção de sementes, seja para produção de grãos e posterior industrialização e comercialização.

O trabalho desenvolvido pela cooperativa no âmbito da cadeia produtiva da soja tem sido uma importante estratégia para a auto sustentação e autonomia das famílias assentadas. Por isso, considera-se estratégico para o fortalecimento da experiência a construção de bases produtivas sólidas, nas quais os bioinsumos e as sementes são centrais.

As sementes utilizadas pelas famílias da cooperativa são as cultivares BR 539 e BR 511, ambas desenvolvidas pela EMBRAPA, mais adaptadas às condições da região e dos sistemas de produção adotados pelos agricultores/as. Tais aspectos, reforçam a importância do acesso às sementes e do fortalecimento de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias no contexto da agricultura familiar.

Símbolo da história e da cultura dos agricultores camponeses, as sementes estão convertendo-se em ação estratégica para a construção das bases da agroecologia e têm possibilitado a produção de alimentos baseados na estratégia de organização e autossustentação de famílias assentadas.

Projeções e desafios

Do ponto de vista da pauta organizativa do MST para a cadeia produtiva da soja, temos vários desafios importantes e que abrem a necessidade de construir caminhos para superar e alcançar resultados concretos:

1) O controle das sementes que está nas mãos das grandes multinacionais e que impõe o uso de sementes transgênicas, contaminando nossas lavouras, por isso a necessidade de termos o controle de nossas sementes como soberania nacional e alimentar. É necessário termos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), sementes funcionando e fomentando esse processo;

2) Sistema de Assistência técnica para a cadeia produtiva da soja numa perspectiva de transição agroecológica a modelos sustentáveis de produção, buscando a produção orgânica;

3) Implantação de Biofábricas e Unidades de Produção de Bioinsumos para o desenvolvimento de protocolos e o manejo integrado sustentável e produtivo para cadeia da soja. Nessa perspectiva, buscamos; i) diminuir a dependência de fertilizantes e agrotóxicos; ii) retomar a curva de aumento da produtividade da soja; iii) Fazer a transição agroecológica; iv) Produzir alimentos saudáveis; v) autossustentar e gerar renda para as famílias assentadas;

4) Fomentar a parceria com instituições de ensino para o desenvolvimento de estratégias e tecnologias para a transição agroecológica, seja na produção de sementes, seja no uso de bioinsumos, ou no desenvolvimento de mecanização agrícola adaptada à realidade de nossos assentamentos;

5) Investimentos em infraestrutura produtiva, de beneficiamento e agroindustrial para que possamos fazer nossa produção chegar até a mesa dos trabalhadores sem contaminação;

6) Financiamento dos diversos elos da Cadeia Produtiva, com: a) Custeio da produção na compra de insumos;  b) Capital de giro para compra da produção no momento de colheita; c) Investimentos produtivos para estruturação de processos de mecanização e agroindústrias de beneficiamento exclusivas à produtos não transgênicos.

*Editado por Solange Engelmann

MST realizou a 1ª Festa da Colheita da Soja Livre de Transgênicos do Paraná no dia 25 de fevereiro, em Centenário do Sul, no assentamento Maria Lara. Foto: Juliana Barbosa

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