“Todas as famílias serão contaminadas pelo trigo transgênico”, alerta especialista

Segundo pesquisador, o trigo geneticamente modificado vai aumentar o uso do glufosinato de amônio, agrotóxico perigoso proibido na Europa

Por Cida de Oliveira, em Rede Brasil Atual / MST

A saúde das famílias brasileiras está ainda mais em risco com a liberação do plantio do trigo transgênico no Brasil e da importação da farinha desse trigo. O alerta é do engenheiro agrônomo e integrante do Movimento Ciência Cidadã Leonardo Melgarejo. “Os riscos de contaminação vão atingir todas as famílias. E ainda mais aquelas que consomem muitos alimentos à base desse trigo”, disse hoje (29) em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual.

Em 1º de março, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) causou surpresa ao aprovar o plantio do trigo geneticamente modificado HB4. A decisão foi tomada com base em um processo anterior, de 2021, aberto para liberar a importação da farinha de trigo transgênica produzida na Argentina. A maioria da comissão ainda é composta por pessoas indicadas por ministérios do governo de Jair Bolsonaro (PL).

A semente foi desenvolvida pela empresa de biotecnologia argentina Bioceres, sob o argumento de proporcionar uma planta resistente à seca. Ao aprovar, a comissão considerou apenas as justificativas apresentadas pela empresa e não fez as análises técnicas necessárias. Além disso, ignorou os apelos de especialistas integrantes de organizações, redes e movimentos sociais, que pediram justamente mais pesquisas e debates.

Trigo transgênico resistente a agrotóxico banido na Europa

De acordo com Leonardo Melgarejo, o trigo transgênico é resistente ao herbicida glufosinato de amônio. Causador de alterações na planta, esse agrotóxico foi proibido na União Europeia por ser tóxico às células, podendo causar alguns tipos de câncer. E também pode afetar o sistema nervoso central e reprodutivo. Por isso a liberação é alarmante, já que o trigo entra na composição dos alimentos mais consumidos.

Sem contar os riscos à biodiversidade, já que o agrotóxico contamina os rios e afeta diretamente a vida aquática. E indiretamente, organismos envolvidos via cadeia alimentar. E nada disso foi avaliado em testes pela empresa Bioceres.

Para ele, há muitos outros motivos que colocam a aprovação na contramão. “A Embrapa e empresas transnacionais desistiram de desenvolver plantas resistentes à seca. É muito grande a dificuldade de manipular um único gene para obter essa finalidade. Estudos mostram resultados controversos na Argentina. Em Córdoba, essas sementes trouxeram ganhos de 5% em relação ao trigo comum. Mas em Buenos Aires houve prejuízo de 27%. Isso significa que em caso de estresse hídrico essa resistência não funciona. A variabilidade dos fatores naturais incontroláveis é muito grande”, disse Melgarejo, que foi integrante da CTNBio no período de 2008 a 2014.

Na avaliação do agrônomo, o trigo transgênico não vai resolver o problema. “Nós desconfiamos que não seja tolerante à seca. Na verdade, vai aumentar a venda no Brasil desse herbicida que perdeu mercado na comunidade europeia”.

Sociedade civil quer suspensão da liberação no novo trigo

Isso porque, segundo ele, os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com invernos bem marcados, não podem plantar as lavouras de verão (milho, soja e algodão), que utilizam muito o agrotóxico. “Com a entrada do trigo transgênico no Brasil, fechamos a janela de descanso da natureza”.

No último dia 20, entidades protocolaram ofício conjunto ao presidente do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, pedindo o cancelamento da liberação. A decisão deverá ser tomada até o próximo dia 5. O mesmo ofício foi encaminhado a outros 10 ministérios que compõem o CNBS, além do Ministério Público Federal (MPF) e o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.

Para as organizações, a CTNBio liberou o trigo transgênico apesar das pesquisas insuficientes e da falta de debate. E a única audiência sobre o tema trouxe informações consideradas inconsistentes. Isso viola a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005 e o Protocolo de Cartagena, um dos instrumentos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).

Ao contrário da Argentina, o Brasil é signatário do tratado internacional. Assim, o país vizinho deveria se adequar às exigências da legislação brasileira, que são mais rígidas – o que não aconteceu. Para fortalecer esses argumentos, as organizações reivindicam audiência com ministérios que compõem o Conselho Nacional de Biossegurança.

Foto: Unplash

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