Veiga de Almeida: família carioca tem fazenda em uma das áreas indígenas mais devastadas do Brasil

Dono de colégio na Barra da Tijuca, Mario Veiga de Almeida Junior é filho do fundador da UVA, uma das maiores universidades privadas do Rio; ele disputa território com o povo Kaiabi, no Mato Grossso; o conflito é detalhado no relatório “Os Invasores”

Por Hugo Souza e Luma Ribeiro Prado, em De Olho nos Ruralistas

O mais conhecido integrante da família Veiga de Almeida é nome de avenida na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro: Mario Veiga de Almeida. Morto em 1985, o patriarca ficou conhecido por fundar a Universidade Veiga de Almeida (UVA), uma das maiores instituições privadas de ensino superior do Rio de Janeiro. Mas os negócios da tradicional família carioca vão além da educação privada: seus integrantes também são fazendeiros no Mato Grosso, onde disputam território com os Kaiabi, grupo indígena que foi dividido compulsoriamente ao longo de sua história.

Filho homônimo de Mario, Mario Veiga de Almeida Junior é proprietário da Fazenda Santa Terezinha, com 18.431,72 hectares sobrepostos à Terra Indígena (TI) Batelão, área reivindicada pelos Kaiabi, aponta o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado no dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, pelo De Olho nos Ruralistas. O documento apresenta 1.692 sobreposições de empresas e empresários nacionais e internacionais em 213 TIs demarcadas ou em processo de demarcação.

Declarada em 2007, a TI Batelão teve o processo demarcatório suspenso por liminar poucos meses depois, em 2008. Os Kaiabi reivindicam 117 mil hectares de seu território ancestral em sua maioria no município de Tabaporã (MT) e regiões limítrofes de Juara e Nova Canaã do Norte. A fazenda de Mario Junior representa 15% dessa área.

Veja a sobreposição no mapa:

Sobreposição da Fazenda Santa Terezinha, de Mario Veiga de Almeida Junior, na Terra Indígena Batelão, dos Kaiabi. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

Os Kawaiwete, mais conhecidos como Kaiabi, tiveram, a partir de 1950, sua terra ancestral retalhada com a ocupação de grileiros. Hoje, esse povo indígena está dividido em três áreas, onde vivem com outras etnias. A maioria da população foi transferida compulsoriamente para o TI do Xingu, no Mato Grosso. Para as TIs Kayabi, entre o Pará e o Mato Grosso, e Apiaká-Kayabi, no Mato Grosso, outros grupos foram deslocados. No entanto, eles desejam a volta para o seu território original na TI Batelão, reivindicada desde 1980.

FILHO VENDEU UNIVERSIDADE PARA GRUPO DOS EUA E ABRIU MADEIREIRA

Mario Júnior foi reitor da UVA até 2011, quando vendeu a universidade para o Grupo Ilumno, uma transnacional da educação com matriz nos Estados Unidos. A família Veiga de Almeida continua sendo dona do Colégio Veiga de Almeida, que tem parcerias com a Universidade de Cambridge e com os setores educacionais da Google e da dinamarquesa Lego.

O Colégio Inovar Veiga de Almeida fica na Barra da Tijuca, “em uma área verde de mais de 180 mil m²”. Em seu projeto político-pedagógico, sua direção manifesta intenção de “conscientizar os alunos para a importância e a defesa do meio ambiente” e de “proporcionar excursões em locais de preservação ambiental”.

Há menos de dois anos, Mario Veiga de Almeida Junior tornou-se proprietário da Agrícola Santa Terezinha Ltda e da Agrícola Rio dos Peixes Ltda. As duas empresas foram abertas em Tabaporã em julho de 2021, em um intervalo de menos de uma semana. Ambas têm como atividade principal a “extração de madeira em florestas nativas”.

BATELÃO É A SEGUNDA TERRA INDÍGENA MAIS DEVASTADA

Dados do Sistema de Monitoramento de Exploração Madeireira (Simex) mostram que, só entre agosto de 2019 e julho de 2020, o povo Kawaiwete perdeu 5.278 hectares de floresta da TI Batelão, a segunda terra indígena brasileira mais desmatada no período.

Com a demarcação paralisada, o território continua sendo alvo do agronegócio. “Agora tem fazendeiro lá dentro com plantação de soja, tem madeireiro tirando madeira”, contou ao observatório o cacique Mairawe Kaiabi, que atualmente vive no Xingu.

Além das terras da família Veiga de Almeida, a TI tem outras sobreposições, entre elas os 7.226,65 hectares da Terra Santa Propriedades Agrícolas. A empresa tem como sócia principal a holding de investimentos Bonsucex, de Silvio Tini de Araújo, com 43,2% das ações. Dono de um patrimônio de R$ 4,60 bilhões, segundo a Forbes, Tini tem participação em empresas de diversos setores, do bancário a bens de consumo, da metalurgia à construção, passando pelo agronegócio.

Enquanto os Veiga Cabral são da elite carioca, Tini representa a elite paulista: ele é conselheiro do Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde, ironicamente, a arte indígena  foi eleita como centro de sua programação em 2023. O livro “O Protegido”, publicado a partir de uma série de reportagens do De Olho nos Ruralistas, dedica um dos capítulos à face cultural dos aliados agrários do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Com o Masp em destaque.

OBSERVATÓRIO DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo relatório “Os Invasores” comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global. Muitas empresas também se beneficiaram da política de desarmamento do governo Bolsonaro, conforme apontou outro relatório desse observatório, “Oligarquias Armadas“, publicado em 2022.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Confira abaixo o vídeo sobre o relatório:

Foto principal (UVA/Flickr): Mario Veiga de Almeida Junior se despede do cargo de reitor da universidade fundada por seu pai 

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