A tese do marco temporal é estapafúrdia, já mostraram diversos especialistas, inclusive quem participou das discussões sobre os direitos dos Povos Indígenas na elaboração da Constituição de 1988. Mas como a sanha da bancada ruralista não tem limites, é preciso recordar que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que julga um processo que questiona tal tese, já negou que a data de promulgação da Carta Magna limita direitos sobre terras ocupadas por Povos Tradicionais.
Há cinco anos – em fevereiro de 2018 –, a Corte negou a existência do marco temporal em relação aos territórios quilombolas. Por maioria, o Supremo considerou constitucional o decreto presidencial que regulamentava a titulação das terras ocupadas por remanescentes de pessoas escravizadas, sem a necessidade de utilizar como data base a Constituição, lembra a Folha.
Segundo o coordenador no núcleo de direitos indígenas e quilombolas da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Flávio de Leão Bastos, o posicionamento do STF levou em conta que os quilombos são consequência do processo de escravização promovido no Brasil durante séculos. “Se é inconstitucional o marco temporal em relação aos quilombolas, será para os indígenas”, avalia.
Denildo Rodrigues de Moraes, o Biko, coordenador Executivo da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), lembrou que houve grilagem e comunidades quilombolas perderam suas terras para o agronegócio e grandes empreendimentos. “Não tem como querer que uma comunidade comprove que estava ali antes porque teve todo esse processo de roubo da terra do nosso povo”. Assim, ele vê similaridades entre os casos de indígenas e quilombolas.
Se o histórico é um alento em relação ao STF, no Congresso a preocupação continua. Está no Senado o projeto de lei 2903, novo número para o malfadado PL 490, um pacote de maldades contra indígenas que inclui o marco temporal e foi aprovado com urgência pelos deputados federais. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu que o projeto será amplamente discutido antes de qualquer votação. Mas a pressão de senadores e políticos bolsonaristas para acelerar sua ida ao Plenário não tem limites.
Na 3ª feira (13/6), o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), reuniu-se com Pacheco e pediu uma solução para o PL do marco temporal, diz Igor Gadelha, do Metrópoles. O processo que está sendo julgado pelo STF diz respeito justamente à Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, no estado, onde vivem indígenas Xokleng, Guarani e Kaingang. O governo catarinense entrou com pedido de reintegração de posse.
Felizmente, há protestos contrários ao marco temporal vindos de organismos internacionais de peso. Como confirma Jamil Chade, do UOL, o relator da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, afirmou que existe uma “grande preocupação” com uma eventual aprovação do marco temporal, no Brasil. Para ele, sua adoção seria “contrária aos padrões internacionais”, de acordo com g1, UOL e Metrópoles.
“Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja de acordo com os padrões internacionais de Direitos Humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos Povos Indígenas do Brasil”, defendeu Tzay.
Em tempo 1: Indígenas representam quase um terço dos defensores de Direitos Humanos assassinados no Brasil de 2019 a 2022, aponta um relatório das entidades Justiça Global e Terra de Direitos. O estudo mapeou 1.171 violações ocorridas nesse período. Do total, 169 são assassinatos. O Maranhão é o estado com maior número de assassinatos de lideranças indígenas (com 10 casos), seguido de Mato Grosso do Sul (9), Amazonas e Roraima (7, cada um). No total, foram 50 ocorrências desse tipo, detalha o UOL.
Em tempo 2: Em uma nova ação contra a invasão de Terras Indígenas por garimpeiros, a Polícia Federal fechou seis garimpos ilegais na TI Kayapó, em São Félix do Xingu, no sudeste do Pará. Segundo a corporação, duas equipes realizaram diligências em áreas de garimpo dentro do território indígena e inutilizaram máquinas, motores e estruturas de apoio. A operação também teve participação do MPF, FUNAI e IBAMA, de acordo com o g1.
Em tempo 3: O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ingressaram com ação pedindo imediata desocupação da Aldeia Pequi, pertencente à etnia Pataxó, localizada na Terra Indígena Comexatibá, em Prado (BA). A aldeia foi invadida recentemente, sendo alvo de ocupação ilegal, informa o Correio da Bahia. Os órgãos federais pedem, em caráter de urgência, a reintegração da posse à comunidade para impedir o agravamento de conflitos na TI, que está em processo de demarcação.