Do ATUAL
MANAUS – No dia 8 de julho de 2022, indígenas Kanamari – que vivem na região do Vale do Javari, oeste do Amazonas – saíram para caçar em uma região na margem direita do Rio Itaquaí também ocupada por índios isolados, conhecidos como flecheiros. No retorno à aldeia, eles foram surpreendidos com uma armadilha de taboca envenenada. Um indígena Kanamari ficou ferido e precisou de atendimento médico. Segundo eles, o artifício foi posto pelos flecheiros.
“Não teve atrito direto, corporal. Não teve. Mas teve essa armadilha no retorno dos Kanamari, que já vinham com os porcos na costa. E eles detectaram que era uma armadilha dos grupos isolados, dos índios flecheiros daquela região. E eles abandonaram o local o mais rápido possível para não ter nenhum tipo de conflito”, disse Higson Kanamari, que integra a diretoria da Akavaja (Associação dos Kanamari do Vale do Javari).
De acordo com a associação, o caso foi comunicado à Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), mas, segundo a entidade, nenhuma ação foi adotada por parte da instituição. “Não teve uma ida da equipe da Funai no local naquele momento”, afirmou Higson.
A Akavaja também comunicou o MPF (Ministério Público Federal), que passou a apurar a denúncia de conflitos entre indígenas na região e abriu, no dia 15 deste mês, um procedimento para acompanhar as medidas que estão sendo adotadas pela Funai em relação “aos acontecimentos recentes de contato e conflito entre indígenas Kanamari e indígenas em isolamento voluntário”.
A reportagem questionou a Funai sobre as ações realizadas na região, mas até a publicação desta matéria nenhuma resposta foi enviada.
Aumento da população Kanamari
Higson afirma que a população Kanamari tem crescido, com a expansão de aldeias pela região do Vale do Javari. Com isso, a caça e a pesca é feita “do lado da terra dos índios isolados”.
“O Itaquaí sempre foi uma terra de índios isolados. Nós temos duas sub-regiões no Itaquaí, que é o médio Itaquaí e o alto Itaquaí. A margem direita do Itaquaí, acima do Rio Branco em diante, pertence, querendo ou não, aos índios isolados. Da margem direita, da boca do Rio Branco pra baixo, pertence os Korubos. Todo tempo, toda a vida, os isolados fizeram o uso desta terra lá. E conforme os anos, a população Kanamari veio aumentando e eles foram expandindo as aldeias. Então, eles fazem a caça e pesca do lado da terra dos índios isolados”, disse Higson.
“Em um certo momento, os índios isolados passam ou nós passamos e ao retornar eles já detectaram que nós estamos presentes e supostamente aí que eles deixam as armadilhas”, completa o líder indígena.
De acordo com Higson, indígenas Kanamari tentam evitar conflitos com os isolados, mas, em alguns casos, há incidentes. “Até então nós não temos atrito com os isolados. Naquela região, nós fazemos de tudo para não ter contato com o isolados. Isso nós temos total ciência e protegemos aquele território para não ter esse atrito. Infelizmente, uma vez ou outra, acontece esse tipo de fatalidade”, afirmou.
Higson relembra de dois casos envolvendo captura de crianças indígenas Kanamari. Em um dos casos, em 2012, a criança nunca foi encontrada. No outro caso, ocorrido no ano passado, a criança foi encontrada.
“Eles raptaram um filho de um primo meu, da Aldeia Bananeira. Essa criança eles levaram. A gente não conseguiu resgatar essa criança. Ficou com eles. Não sabemos se eles mataram a criança ou tomaram a criança para criar. Nós não conseguimos identificar mais, não fomos atrás, até porque tinha pouca gente, na época, na Aldeia Bananeira”, afirmou Higson.
“No ano passado também, logo após esse episódio do rapaz pisar na armadilha, eles raptaram, de novo, uma outra criança na Aldeia Bananeira. Mas eles [os Kanamari] conseguiram pegar a criança de volta após três dias. Eles acharam a criança no mato e pegaram a criança de volta”, afirmou o líder indígena.
No caso de 2012, segundo Higson, a Funai explicou que o resgate era muito perigoso. A Frente de Proteção chegou a tentar resgatar a criança, mas recuou por questões de segurança. “Seguiram a trilha até uma certa parte. Decidiram que já estava muito perigoso e retornaram”, afirmou.
Questionado sobre a atuação da Funai no caso ocorrido no ano passado, Higson apontou omissão do governo federal.
“A Akavaja, o povo Kanamari, está presente onde estiver o Kanamari. Quando a frente de proteção faz algum tipo de ação que vá ao Kanamari, a Akavaja está presente ali, de corpo. Mas até então, esses anos que se passaram, com esse governo que vinha retaliando os povos indígenas, a frente de proteção nunca nos deu a oportunidade de acompanhar essas ações”, disse Higson.
“Hoje, nós estamos tentando fazer essa engrenagem rodar numa rotatividade em que todos os povos indígenas sejam contemplados a essa política indigenista. Hoje estamos caminhando junto com a frente de proteção e a Funai. Eu espero que de hoje para a frente todas as ações da frente de proteção que diz respeito ao Itaquaí, aos índios isolados do Itaquaí, eles convidem a Akavaja e as pessoas que fazem parte, que são membros da Akavaja, que são pensantes pelos também Kanamari e aldeia”, completou o líder indígena.
A associação espera ser consultada sobre mapeamento na região para evitar conflitos entre indígenas.
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Maloca de indígenas em isolamento voluntário na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira. Foto: Gleilson Miranda /CGIIRC /Funai