Fazenda São Lukas foi destinada para reforma agrária após visibilidade dada por ocupação de mulheres do MST
Por Comitê Dom Tomás Balduíno de Direitos Humanos / CPT
Após a conclusão da destinação da Fazenda São Lukas, localizada em Hidrolândia, para a reforma agrária, 600 famílias lideradas por mulheres sem terra reocuparam a área, nesta segunda-feira (24/07/23), para implantação de um projeto agroecológico de produção de alimentos sem agrotóxicos, dando continuidade na Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra iniciada no último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, cujo lema é: “Pela Vida das Mulheres Contra Fome e a Violência: Mulheres Sem Terra em Resistência”.
A ocupação dessa propriedade, que atualmente não cumpre qualquer função social, é simbólica para o conjunto das mulheres sem terra, pois trata-se de uma área em que dezenas de mulheres, entre elas muitas adolescentes, foram vítimas de violência, aprisionadas e posteriormente traficadas para a Suíça, onde eram submetidas à exploração sexual. O esquema foi mantido por três anos e as vítimas eram, principalmente, mulheres goianas de origem humilde das cidades de Anápolis, Goiânia e Trindade.
O Acampamento Produtivo está sendo chamado de Dona Neura em homenagem à Neurice Torres, vítima de feminicídio em setembro de 2022. Conhecida carinhosamente como Dona Neura, ela era assentada da reforma agrária, tida como uma guardiã do Cerrado, defensora da Agroecologia e um exemplo de dedicação e amor pela terra.
O termo de transferência de domínio do imóvel rural foi feito pela União, representada pela Superintendência do Patrimônio da União em Goiás (SPU-GO) para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), representado pela Superintendência Regional do Incra em Goiás, e assinado no dia 23 de junho de 2023 pelos respectivos superintendentes Uzias Ferreira Adorno Júnior e Elias DÁngelo Borges. O processo de destinação está registrado sob o número 19739.115153/2023-59.
A primeira ocupação realizada no dia 25 de março de 2023 serviu para agilizar o processo de retomada da política de reforma agrária em Goiás. A partir da ampla visibilidade dada à situação da Fazenda São Lukas, reuniram-se no Ministério do Desenvolvimento Agrário em Brasília (DF), em 27 de março de 2023, as direções estadual e nacional do MST, o presidente do INCRA Nacional, César Aldrich; o superintendente regional do INCRA/SR04, Marcelo Scolari Gosch; o superintendente nacional da SPU, Lúcio de Andrade; o superintendente regional da SPU, Uzias Ferreira Adorno Júnior, a ouvidora agrária Claudia Maria Dadico, e demais representantes da pasta, para tratar da destinação da área arrestada em 2016 no âmbito da Operação Fassini, que prendeu a quadrilha de traficantes de mulheres.
Além de denunciar a violência contra as mulheres, a ação de ocupação tem o objetivo de recolocar o tema da reforma agrária na pauta de discussão da sociedade e do Estado brasileiro como uma alternativa de combate à fome, ao desemprego e à desigualdade social, reafirmando a necessidade de retomada da política de reforma agrária desmontada a partir do golpe contra a presidenta Dilma Roussef e aprofundada pelo governo Bolsonaro, chegando a uma total paralisação.
Em Goiás, existem hoje cerca de 3 mil famílias ligadas ao MST à espera pela criação de novos assentamentos. A maioria elas é liderada por mulheres camponesas lutando pela sobrevivência sem qualquer apoio do Estado. Grande parte dos territórios são produtivos e organizados a partir da autodeterminação das trabalhadoras, após terem sido abandonados em função do desmonte da política de reforma agrária, que também paralisou todos os acordos de intenção firmados pelo Incra para implementação dos assentamentos em áreas já adquiridas.
A expectativa é que a assinatura do termo de transferência de domínio deste imóvel rural seja a primeira de uma série de outras ações para implementar a reforma agrária em Goiás com políticas públicas que garantam o desenvolvimento social e econômico no campo.
Entenda o caso da exploração de mulheres na Fazenda São Lukas
A área ocupada pelas mulheres do MST integra o patrimônio da União desde 2016. Mas, antes, a propriedade pertencia a um grupo criminoso, condenado, em 2009, pelos crimes de exploração sexual e tráfico internacional de pessoas.
O grupo criminoso era composto, segundo a Polícia Federal (PF), por 18 pessoas que utilizavam o local para aprisionar dezenas de mulheres, muitas delas adolescentes, que posteriormente eram traficadas para a Suíça e submetidas a exploração sexual. O esquema foi mantido por três anos e as vítimas eram, principalmente, mulheres goianas de origem humilde das cidades de Anápolis, Goiânia e Trindade.
Segundo investigação da PF na época, a própria fazenda foi adquirida com dinheiro oriundo do tráfico humano. Membros da quadrilha chegaram a estar na lista de Difusão Vermelha da Interpol – para foragidos internacionais.
“Os valores auferidos com a exploração sexual das brasileiras aliciadas para a prostituição eram aplicados na compra de bens e aplicações financeiras no Brasil, em nome de Adriana Fassini de Andrade (esposa de Pietro Chiesa, proprietário do Help Bar, onde as mulheres goianas e de outros estados eram prostituídas). No processo, foram incluídas fotografias da entrada da fazenda no município de Hidrolândia (GO), comprada com o dinheiro da exploração sexual das brasileiras no Help Bar e que pertencia ao casal, havendo sido arrestada pela Justiça Federal.”
Veja um estudo do caso no link abaixo:
O Caso Fassini foi emblemático não somente por causa de sua apologia ao aliciamento de menores para fins de exploração sexual no exterior e uso de entorpecentes, mas na eficiência na cooperação internacional policial e jurídica entre países.
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Trabalhadores se organizando para levantar acampamento | Foto: Júlia Barbosa – CPT Nacional