Proposta de Petro de acabar com petróleo carece de plano sólido para transição energética

Presidente colombiano defendeu compromisso na Cúpula da Amazônia, mas enfrenta desafios em seu país para cumprir meta

Por Anna Beatriz Anjos, em Agência Pública

Estrela da Cúpula da Amazônia por defender o fim da exploração de petróleo em território amazônico, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, tem enfrentado desafios para efetivar esse plano em seu próprio país.

Não iniciar novos contratos de petróleo foi uma de suas promessas de campanha, compromisso que até agora tem sido cumprido. Mas especialistas entrevistados pela Agência Pública apontam que o governo de Petro, atingido recentemente por denúncias de corrupção, ainda precisa apresentar um plano concreto para que a transição energética no país se consolide.

Na semana passada, durante a cúpula em Belém (PA), que reuniu líderes dos oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Petro foi o único a refletir o senso de urgência apontado pela ciência climática ao dizer que a vida da humanidade depende do abandono do petróleo.

Ele havia proposto que a Declaração de Belém, documento final do encontro, trouxesse o compromisso de que não mais houvesse atividade petroleira na Amazônia, o que não foi aceito pelos demais governantes. Seu duro discurso o opôs aos demais líderes, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anfitrião da cúpula.

O tema se tornou relevante no Brasil recentemente devido aos planos da Petrobras de perfurar poços de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, localizada no litoral do Pará e Amapá. Por outro lado, a exploração de óleo e gás já é realidade em outros países amazônicos como Peru, Equador e Colômbia.

A prática, porém, é apontada por cientistas como fator que pode piorar as mudanças climáticas e acelerar o chamado ponto de não retorno da floresta – ou seja, seu colapso.

Gustavo Petro criticou que os países continuem fazendo planos para usar petróleo, gás e carvão mesmo diante das evidências científicas de que o aquecimento do planeta é consequência das emissões de gases de efeito estufa derivadas da queima desses combustíveis.

“Cuidar da floresta não implica somente em pensar em desmatamento zero”, ressaltou. “Mesmo que conseguíssemos parar o desmatamento, o dano produzido e acumulado [pela queima de combustíveis fósseis ao longo do tempo] acabaria com a floresta de qualquer maneira, por processos, inclusive, naturais, como sua queima devido ao aquecimento global.”

O presidente colombiano questionou, ainda, o que chamou de “negacionismo progressista”, que, de acordo com ele, adia decisões “fundamentais para a vida”, como o fim da exploração de hidrocarbonetos na floresta, em nome do “desenvolvimento nacional”.

Das promessas de campanha para a realidade

Petro foi eleito em junho de 2022 com uma agenda fortemente marcada pelo combate à crise climática. Seu plano de governo propunha lançar as bases para a transição energética por meio do gradual desmonte “do modelo extrativista e da garantia da confiabilidade e estabilidade do sistema energético, das fontes de emprego e dos recursos econômicos do setor”, garantindo “um modelo de transição energética inclusivo e justo para as pessoas”. Exatamente um ano após assumir a presidência, seu discurso se mantém.

A Colômbia é largamente dependente de petróleo, gás e carvão, que representam mais de 50% de sua pauta de exportações. Na matriz energética, o peso da tríade fóssil chega a quase 75%. Para comparação, os três combustíveis respondem por 50% da energia ofertada no Brasil, nível mais baixo em relação ao resto do mundo.

A parte mais significativa da exploração de petróleo na Colômbia se dá na região leste do país, conhecida como Orinoquia. Em 2020, a atividade petroleira na Amazônia equivaleu a apenas 11% da produção total colombiana.

Nesse sentido, o abandono do petróleo no bioma, como propôs Petro em Belém, não seria uma medida com impacto tão grande para a economia do país. Porém, em janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial, na Suíça, seu governo se comprometeu a não firmar novos contratos de petróleo e gás em todo o território colombiano.

Internamente, Petro tem implementado políticas avançadas em relação ao abandono dos combustíveis fósseis. Mas os especialistas entrevistados pela Pública indicam pontos de atenção.

Giovanni Pabón, diretor da área de energia da ONG colombiana Transforma, aponta que a decisão de não abrir novos campos de petróleo e gás na Colômbia não é “uma política escrita, mas verbal”, uma vez que depende apenas de o governo conceder ou não novas licenças de pesquisa de petróleo e gás.

Isso pode deixar brechas para uma mudança de rumos no futuro, sobretudo diante das pressões políticas e econômicas que operam sobre o governo devido ao atual cenário energético colombiano. Os dados mais recentes da Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH) da Colômbia, divulgados em maio, indicam que as atuais reservas comprovadas no país asseguram a produção de gás e petróleo apenas pelos próximos 7 anos. E o governo ainda não apresentou um plano para fazer a transição energética.

Até julho, o Ministério de Minas e Energia era comandado pela filósofa e ativista ambiental Irene Vélez. Ela sustentava publicamente o compromisso do governo Petro de não iniciar novos contratos de gás e petróleo. Foi ela quem anunciou a decisão na Suíça em janeiro. Mas, no mês passado, Vélez renunciou ao cargo após acusações de abuso de poder.

Ela foi substituída pelo engenheiro elétrico Andrés Camacho, que já deu sinais de que é possível mudar as diretrizes da pasta. Em carta enviada recentemente à sua equipe, ele reforçou a “urgência de implementar estratégias que incorporem novas reservas” de hidrocarbonetos e ao mesmo tempo promover “uma matriz energética diversificada com a inclusão de mais atores na produção”, como revelou a revista Forbes.

“Se não encontrarmos nada de novo [nos campos já em exploração], talvez passemos a depender de importações para suprir a demanda interna do país. O atual contexto dos hidrocarbonetos coloca o governo um pouco na mira”, assinala Pabón. Descobertas recentes de gás offshore no Caribe colombiano podem minorar esse quadro, mas ainda há incerteza em relação aos custos e ao tempo que levará até que a exploração se viabilize.

O cenário aumenta a urgência da transição energética defendida por Gustavo Petro desde a campanha. No entanto, faltam definições fundamentais de como se dará o processo: cronograma, metas, estratégias e valores. “O governo deveria estabelecer um plano mais concreto para trazer uma solução que seja justa e equitativa, que pense na inclusão dos cidadãos e na reconversão econômica das regiões mais dependentes da indústria [fóssil] no país”, afirma Alex Rafalowicz, diretor da iniciativa Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.

Na Conferência da Clima da ONU (COP27) em novembro do ano passado, a então ministra Irene Veléz anunciou que o plano para a transição energética na Colômbia seria apresentado em maio deste ano, o que não ocorreu. O novo prazo estabelecido pelo governo é fevereiro de 2024, quando Petro completará um ano e meio na presidência.

Embora planejar a transição de um país inteiro para uma economia de baixo carbono seja uma tarefa complexa, é também urgente no caso colombiano. Um relatório lançado no começo do mês pelo Centro Regional de Finanças Sustentáveis ​​da Universidade dos Andes e pela empresa Willis Towers Watson (WTW), multinacional da área de seguros, identificou que, caso realize a transição energética de modo mais lento, a Colômbia pode ficar suscetível a graves riscos socioeconômicos.

A volatilidade associada ao declínio do comércio global de combustíveis fósseis, que dominam a pauta de exportações colombiana, pode fazer com que o país enfrente uma perda da produção econômica de US$ 88 bilhões – 27% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 – de agora até 2050.

O documento assinala que deve haver um equilíbrio entre o abandono do petróleo, gás e carvão e o fortalecimento do setor de energias renováveis e outras fontes de renda para ocupar a lacuna deixada pelos combustíveis fósseis tanto no mercado interno quanto nas exportações. Se essa intrincada equação não for administrada de maneira adequada pelo governo, o país corre o risco de ver sua economia desestabilizada e de perder o apoio social à transição energética.

Para isso, a gestão de Gustavo Petro deve, de acordo com o estudo, diversificar sua cesta de exportações – um dos produtos com maior potencial nesse sentido é o cobre, considerado essencial à transição energética global. Precisa também acelerar a transição interna para a indústria e o setor de transportes e fornecer suporte financeiro a comunidades, trabalhadores e governos locais mais vulneráveis à mudança do modelo econômico colombiano.

“Temos a possibilidade de fazer a transição de forma organizada ou de forma desorganizada. Se esperarmos que o mercado quebre, que os impostos trabalhistas se percam e a economia entre em colapso, não teremos tempo de repor [os danos], o que gerará uma grande crise social em poucos anos”, destaca Giovanni Pabón.

Esta reportagem faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.

Declaração de Belém, assinada por líderes de países amazônicos, não incluiu o fim da exploração de petróleo na floresta, como propôs Gustavo Petro (Ricardo Stuckert/PR)

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