MPF debate caminhos para regularização fundiária da comunidade do Horto, na cidade do Rio de Janeiro (RJ)

Em audiência pública realizada nessa segunda-feira (2), órgão reuniu representantes de órgãos federais, estaduais e municipais, além de moradores da comunidade centenária

Procuradoria da República no Rio de Janeiro

Com o objetivo de debater novos caminhos para a regularização fundiária da comunidade do Horto, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro, promoveu nessa segunda-feira (2) audiência pública com autoridades federais, estaduais e municipais, acadêmicos e representantes de movimentos sociais, além de moradores da ocupação centenária. Ações de reintegração de posse para remover 621 famílias que vivem nos limites do parque Jardim Botânico, na zona sul da cidade, estão em julgamento na Justiça.

Durante a audiência pública, o procurador da República Julio Araujo destacou a importância do evento: “É com muita satisfação que chegamos a este momento, reunindo instituições de várias esferas e a comunidade do Horto, para uma discussão propositiva e reflexiva”. A história da comunidade do Horto é tão antiga quanto a do Jardim Botânico, começando no início da ocupação da cidade, com a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808.

Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão Adjunto, é possível criar um modelo alternativo à remoção de famílias, observando o art. 8º da Resolução nº 510/2023 do Conselho Nacional de Justiça. “É necessário discutir, de forma participativa, um modelo de regularização fundiária que respeita a existência e a historicidade da comunidade, sem deixar de fixar regras rígidas quanto à proteção socioambiental”, defendeu. A audiência pública subsidia inquérito civil que visa a conciliar os direitos à moradia, meio ambiente e patrimônio público no processo de regularização fundiária.

“O MPF entende a necessidade das instituições, mas também olha para o vínculo que a comunidade centenária tem com aquele lugar. Não é uma tentativa de empurrar o problema, mas de resolver de uma forma que seja boa para todos, a fim de efetivamente acabar com esse impasse e construir uma nova história”, afirmou o Julio Araujo.

Ao final da audiência pública, o procurador reiterou que o MPF está satisfeito com todos os subsídios trazidos durante o evento e informou que o órgão vai reunir todas as sugestões apresentadas em um documento. “Se acreditamos que a comunidade é importante para a defesa do Horto, temos que lutar por sua manutenção. Mas isso não significa que não vamos estabelecer regras rígidas de convivência”, reforçou o procurador da República. O evento foi transmitido no Canal do MPF e acompanhado presencialmente por deputados estaduais e vereadores.

Comunidades tradicionais – A secretária de Meio Ambiente do município do Rio de Janeiro, Tainá de Paula, enfatizou que o caso da comunidade do Horto envolve também a discussão sobre as comunidades tradicionais da cidade. “É muito importante termos uma nova unidade de preservação que contemple a necessidade de preservarmos o meio ambiente sem implicar na remoção de comunidades que o integram”, afirmou.

Para Tainá de Paula, a interpretaçãodo Código Florestal sobre a necessidade de se remover as comunidades do Horto foi fincada na discussão do risco geotécnico e geofísico, que estão sendo desconstruídos nas últimas décadas. “O que nos dará a resposta da geotecnia que precisamos naquela comunidade é o estabelecimento da regularização fundiária e o investimento público que garanta a segurança física às moradias”, sustentou.

A secretária também falou sobre uma preocupação com a expansão da ocupação, o que já foi afastado. “Nos últimos 30 anos houve uma estagnação, no ponto de vista horizontal, da ocupação da comunidade do Horto, que era uma grande preocupação”, acrescentou Tainá de Paula.

“Eventualmente, assim como em outros territórios da cidade, pode haver casas que estejam em conflito com as regras básicas do ponto de vista de convivência, mas isso não inviabilizaria a permanência da comunidade do Horto”, concluiu a secretária.

Para o presidente do Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico (JBRJ), Sérgio Besserman Vianna, é possível uma solução jurídica que preserve a história da comunidade e garanta sua permanência, protegendo tanto a comunidade como o Jardim Botânico de invasões. “Vamos encontrar uma solução que garanta que a comunidade possa continuar sendo o que ela é. A convivência com o Jardim Botânico poderá ser um exemplo para o mundo”, defendeu.

Grupo de Trabalho – Após pedido do MPF, o governo federal criou, em maio, um Grupo de Trabalho (GT) responsável por realizar estudos técnicos com o objetivo de encontrar solução conciliatória com os moradores. As atividades do GT se encerrarão em 18 de outubro, com apresentação de relatório final. “Esse é um relatório muito importante, porque vai representar os pontos de consenso entre as diversas instituições. E eventos como a audiência pública criam condições para conseguirmos o máximo de consenso possível, reunindo todos que podem contribuir de alguma forma, dentro de suas atribuições, e possibilitando a concretização do processo de maneira célere”, pontuou Julio Araujo.

Na audiência pública, Renê Esteban Rojo, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República, que conduz o GT, explicou que o interesse do Grupo de Trabalho é que as famílias permaneçam na região, mas mantendo a integridade do meio ambiente e do patrimônio público. Ele ressaltou ainda que a solução do impasse deve ser amparada no contexto histórico da comunidade. “Desde 1808 temos registros de convites para que as pessoas fossem ocupar a região. Estamos levando todas essas questões em consideração”, afirmou.

Renê destacou ainda a necessidade de que a solução seja definitiva: “Não podemos criar impasses que possam ser lembrados futuramente. Precisamos pacificar o caso de forma duradoura, para que futuramente, em outros contextos, a comunidade não venha a sofrer. Não há nada mais difícil do que se viver em uma situação de insegurança”.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também participou da audiência pública. O diretor da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), Silvio Caracas, informou que o órgão aguarda o encaminhamento do relatório final para ter uma melhor visão sobre o problema. “O caso do Horto já está há mais de 15 anos no TCU. Sabemos da importância de uma solução adequada”, pontuou. O auditor federal de controle externo Gustavo Andrioli complementou que o grande objetivo da secretaria é dialogar com todos os autores que podem resolver questões complexas.

O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Horto (Amahor), Fábio Dutra, enalteceu a iniciativa do MPF ao envolver a comunidade no debate. “A comunidade não tem o interesse de crescer, os moradores querem continuar na região que tradicionalmente sempre ocuparam. Até pelo grau de envolvimento que temos com o meio ambiente, queremos fazer projetos sustentáveis com órgãos públicos”, sustentou.

O morador da comunidade reforçou ainda a importância de que a regulamentação seja feita de forma definitiva, sem deixar insegurança jurídica à comunidade: “São muitas famílias que vêm sofrendo há muito tempo e não vemos a hora disso acabar. Estamos dispostos a cumprir regras, mas isso deve ser feito de forma compactuada”.

Comissão – A juíza federal Andrea Daquer Barsotti, representante da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região (TRF2), afirmou que o objetivo da comissão é fazer uma mediação entre todas as partes. “O nosso papel é de intermediação, para chegarmos a uma solução que atenda todas as partes”, ressaltou.

Na ocasião, Andrea anunciou que, no dia 17 de outubro, o desembargador federal Ricardo Perlingeiro, presidente da comissão, fará uma visita técnica à comunidade do Horto. A comissão foi instituída após Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atendendo a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, para que fossem criadas comissões em todos os tribunais estaduais e federais do país.

Inquérito Civil Público 1.30.001.002377/2021-31

Vídeo do evento:

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