Professor se acidenta em trilha para lecionar no Quilombo Bombas, em São Paulo

Pedro Ernesto Santos e seus colegas levam até cinco horas para chegar a escolas; Justiça determinou construção de estrada em 2015

por Taynara Borges, em ISA
Vídeo gravado no dia 30 de setembro mostra o professor Pedro Ernesto Santos, geógrafo, caído numa trilha lamacenta no caminho de volta da escola em que leciona, no município paulista de Iporanga, na região do Vale do Ribeira. Ele está aos prantos. Pedro é professor da rede estadual de ensino e dá aulas de Geografia para crianças e adolescentes em dois núcleos de uma escola rural mista.

Os núcleos se encontram nos territórios de Remanescentes dos Quilombos Bombas de Baixo e Bombas de Cima, onde só se chega a pé, caminhando por uma trilha de subidas e descidas íngremes que percorrem trechos de Mata Atlântica densa, com solo encharcado e escorregadio, atravessando riachos e pontes precárias.

Para chegar até Bombas de Baixo, Pedro, os demais professores, os moradores do Quilombo, agentes de saúde e qualquer pessoa que queira ir à comunidade têm de caminhar seis quilômetros que, nas condições normais para a região, levam cerca de três horas para serem finalizados. Já até Bombas de Cima são mais quatro quilômetros, ou seja, mais duas horas de uma dura caminhada.

Felizmente, Pedro não sofreu um grave acidente. Depois da queda, ele retornou à trilha para lecionar para as crianças já na terça-feira (03/10), mesmo com dores.

“Bati o joelho lá com força. Senti muita dor. Inchou bastante. No fim de semana tomei uma injeção e medicação forte para ajudar. E vou subir mesmo com um pouco de dor ainda. A gente precisa voltar. Não dá para deixar as crianças sem o ensino, sem a matéria”, relatou ao ISA.

Em razão da dificuldade do trajeto, Pedro passa vários dias na comunidade, pernoitando na escola, de onde retorna na sexta-feira à noite ou aos sábados, a depender da situação do tempo, e sempre na companhia de outros colegas. “Não dá para andar sozinho neste caminho, principalmente fora de horário. Sem contar os riscos que sempre encontramos de cobras e o cansaço da trilha solitária”, desabafa.

A estrada que liga os territórios ao acesso à Rodovia Antônio Honório da Silva é causa ganha na Justiça, mas nunca saiu do papel. “É uma situação crítica essa da estrada. A Fundação tem ganhado a comunidade na canseira para não sair essa estrada”, reclama o professor sobre decisão judicial proferida em 2015 determinando à Fundação para a Conservação e a Produção Florestal, jurisdicionada à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil), sua construção.

Você pode acompanhar o histórico do processo que envolve a construção desta estrada na série “O Caminho pro Quilombo”, que apresenta uma linha do tempo das tramitações burocráticas e relatos dos membros das comunidades, como o de Edmilson Furquim de Andrade, coordenador da Associação de Remanescentes do Quilombo Bombas, que relata a sensação de descaso do poder público com o bem viver dos quilombolas.

Recentemente, no mês de julho, a titular da Semil, Natália Resende, esteve na trilha para conhecer de perto a realidade das comunidades e, na ocasião, firmou o compromisso de entrega da estrada. Desde então, a Fundação Florestal realizou uma primeira ação emergencial com o patrolamento de parte do caminho, o que, de acordo com o professor, em nada resolveu. “Fizeram uma melhoria, mas foi péssimo. Não dá para andar. Sem condição nenhuma. É muito barro.”

Depois disso, no último dia 22 de setembro, a entidade abriu licitação para contratação de prestadora de serviço para compactar e revestir com britas o primeiro trecho da estrada, Pregão Eletrônico que segue aberto até o dia 5 de outubro e cuja entrega está estimada ainda para o ano de 2023.

Quanto à construção de fato da estrada, conforme a recomendação judicial, a Fundação Florestal publicou, no início de agosto, Chamamento Público para doação de serviços de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima), necessários para obra de infraestrutura dentro de uma Unidade de Conservação, vez que o Quilombo Bombas teve seu território sobreposto ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), demarcado na década de 1980. Internamente, a garantia é de que o EIA/Rima já está em fase de elaboração.

À parte de todo este atraso e enrosco burocrático, sofre toda a comunidade, que precisa retirar seus doentes em lombos de burros para que consigam atendimento médico e que tem sua geração de renda dificultada com a falta de estrada para escoamento do alimento que produz em seus territórios e que poderia estar no prato da população.

“E os professores estão querendo desistir por conta dessa dificuldade de chegar até a escola. Muitos estão desanimados, procurando outra coisa para fazer. Na época chuvosa é sem condição de fazer essa trilha. Vira um lamaçal danado”, ressalta o professor Pedro Ernesto, deixando claro que a falta de cuidado do Estado pode colocar em xeque o bem viver da nova geração de famílias que resistem e protegem a Mata Atlântica há cerca de 400 anos.

Professor Pedro Ernesto caiu em prantos depois de sofrer um acidente no caminho de volta da escola em que trabalha. A trilha é o único acesso para chegar ao Quilombo Bombas 📷 Reprodução de vídeo

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