MPF discute políticas de segurança pública no RJ e papel da União

Audiência pública promovida pelo órgão reuniu representantes do Poder Público federal e estadual na capital fluminense, além de organizações da sociedade civil para debater políticas públicas na área

“Por se tratar de um tema que atinge a vida de muitas pessoas, a segurança pública enquanto direito e política pública merece prioridade e deve ser abordada sob diversos enfoques”. Foi com esse posicionamento que o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, o procurador da República Julio Araujo, abriu a audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) nessa quarta-feira (8). Com o tema ‘Superação de políticas ineficazes federais e estaduais na segurança pública do Rio de Janeiro – Papel da União e implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp)’, o evento reuniu representantes do Poder Público federal e estadual, além de organizações da sociedade civil. Cerca de 30 representações – especialistas, professores, movimentos sociais e órgãos do Estado, entre outros – participaram do debate, que também foi transmitido ao vivo pelo canal do MPF no Youtube.

Organizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio de Janeiro, a audiência teve o objetivo de ampliar a discussão sobre o tema da segurança pública. A legislação determina que a política de segurança pública deve ser feita de forma transparente e com participação social. Contudo, não é o que o MPF tem acompanhado: denúncias apresentadas à instituição apontam marcante falta de diálogo dos Governos Federal e Estadual com a sociedade civil, além de dificuldades na prestação de informações sobre o cumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) relativas ao tema.

“O MPF vem tentando buscar esse diálogo, reunindo todos os atores institucionais e sociais envolvidos nessa temática. Temos dois procedimentos que abrangem essa discussão”, explicou Julio Araujo. Para o procurador da República, medidas recentes do Governo Federal reforçaram a necessidade de discussão e monitoramento das políticas de segurança pública: “O foco do MPF é pensar a política de segurança pública especificamente a partir do papel da União. Atuações do Governo Federal nos colocam, mais do que nunca, a necessidade de ouvir e de coletar elementos para fomentar a discussão”.

Representando a Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, Felipe Sampaio falou sobre os desafios enfrentados pelo Governo Federal desde o início do ano, quando a atual gestão do ministério assumiu. “Estamos participando de todos os diálogos sobre segurança pública no País, porque entendemos que o ponto de partida do problema da violência é a desigualdade social. Entendemos que todas as instituições devem trabalhar juntas”, afirmou, pontuando que um dos desafios é restabelecer o ambiente democrático nas discussões que tratam da temática.

Cooperação – A importância da atuação integrada entre o Poder Público e a sociedade civil foi destacada pela chefe de gabinete do secretário de Polícia Civil, Ana Paula Faria. “A palavra de ênfase é cooperação. Para atuarmos de forma integrada, com os demais atores da segurança pública, nacionais ou estaduais, precisamos estar abertos ao diálogo”, disse. No Rio de Janeiro, ela destacou o trabalho desenvolvido pela Subsecretaria de Inteligência. “É uma atuação forte, estruturada e que exige um planejamento muito preciso para que as medidas sejam eficazes a médio e longo prazo”, pontuou. Ela lembrou também a criação do Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos (Cifra) nesta quarta-feira (8), resultado parceria entre os Governos Federal e Estadual. O grupo vai atuar no combate à lavagem de dinheiro para impedir o financiamento do crime organizado.

Julio Araujo enfatizou a importância de se debater políticas públicas sobre segurança pública de forma transparente, reflexiva e com intuito propositivo. Para ele, esse é um dos temas em que mais prevalece a lógica do segredo, o que impede discussões ou críticas sob a alegação de necessidade do sigilo. “Existe um espaço para o sigilo, para investigações estratégicas e de inteligência, que demandam atuação cautelosa e que não podem ser expostas publicamente. Mas isso não quer dizer que a política de segurança pública não deva ser transparente, construída e pensada em conjunto, assim como outras políticas públicas”, sustenta o procurador da República.

Carlos Nhanga, representante do Fórum Popular de Segurança Pública do Rio de Janeiro, reiterou a necessidade de transparência para efetivação de políticas públicas de segurança. “Ter essas informações é um ponto importante no debate, porque as medidas precisam ter sua eficácia e cumprimento monitoradas a partir de indicadores que sirvam de controle e de observação, tanto por parte da sociedade civil quanto do Poder Público”.

Ele citou também levantamento realizado pelo Fórum mostrando que 85% das operações que resultaram em tiroteios na região metropolitana no entorno de unidades escolares não foram avisadas previamente à Secretaria de Educação, como determinou o STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635. “Os dados demonstram a falta de compromisso do estado em cumprir determinações federais”, pontuou, destacando que a determinação judicial visa a mitigar e reduzir o impacto da violência no estado, sobretudo em relação a grupos mais vulneráveis, como as comunidades escolares e de saúde.

O defensor público André Castro lembrou a importância de se combater práticas como tortura e violência institucional. De acordo com ele, o tema da segurança pública ganha contornos próprios no país em razão da desigualdade social. “O Brasíl é o décimo país mais desigual do mundo e o mais desigual da América do Sul. E essa desigualdade é racializada, pois atinge de maneira extremamente desproporcional a população negra e parda”, apontou o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nunedh) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. “Entendo que as estratégias que vêm sendo adotadas há décadas e com poucas mudanças, centralizadas nas comunidades mais pobres, não estão dando certo”, alertou.

Ações governamentais – A decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro também foi debatida durante a audiência pública. Em vigência deste segunda-feira (6), a operação do Governo Federal permite a atuação das Forças Armadas no combate ao crime organizado em portos e aeroportos. Felipe Sampaio, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, explicou que a medida vem reforçar a atuação da Polícia Federal e da Receita Federal. “Não é isso que vai resolver, mas é uma medida imediata” ponderou.

A GLO foi criticada por representantes da sociedade civil que participaram da audiência. Cecilia Oliveira, diretora executiva da Fogo Cruzado, organização sem fins lucrativos que produz dados sobre violência armada, reforçou a necessidade de que os planejamentos tenham maior abrangência. “Precisamos que o Governo Federal nos explique qual a diferença das ações em relação ao que já foi feito e que não surgiu efeito após a decretação de medidas semelhantes no passado”, afirmou. “Esses planos que têm sido apresentados precisam ser conectados com algo maior. Os problemas de segurança pública não serão resolvidos com responsabilidades quebradas, até porque o tráfico de drogas e de armas são também um problema internacional”, acrescentou a diretora.

Participação social – Apontando a falta de participação social nas decisões e políticas que envolvem a segurança pública, Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), elogiou a iniciativa do MPF de abrir espaço para o debate público. “Esse momento é muito importante. A participação social é uma das diretrizes das políticas públicas de segurança. Muitas vezes, representantes governamentais dizem que as portas estão abertas, que o diálogo deve ser feito, mas eles mesmos não criam o momento para que possamos conversar”, ressaltou. O professor universitário reforçou ainda a necessidade de se fazer cumprir a legislação no tema e as determinações da Suprema Corte.

A audiência teve espaço para perguntas e manifestações de pessoas inscritas, muitas delas vinculadas a movimentos sociais. Algumas manifestações lembraram, por exemplo, a necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de controle externo da atividade policial e o sistema carcerário, para que a atuação estatal no combate ao crime esteja de acordo com os direitos humanos e não represente um agravamento do quadro de violência.

Ao final, Julio Araujo destacou que as audiências públicas propiciam troca de experiências, com o objetivo de pensar possibilidades e soluções para a superação de medidas consideradas de pouca eficácia na temática. “Se não revisitarmos alguns pontos naquilo que foi estratégia das políticas de segurança pública, acabaremos reproduzindo modelos que não deram certo. O diálogo sincero e transparente é a melhor forma de fazer um controle, dentro das nossas atribuições, e ajudar a promover o direito à segurança, garantindo qualidade de vida e dignidade às pessoas”, concluiu.

Veja a íntegra do debate:

Foto: Comunicação MPF

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