No Mapa de Conflitos da Fiocruz, pesquisa conta porque Maceió está afundando e o que a Braskem tem com isso

Durante 43 anos, sob as casas dos moradores de diversos bairros de Maceió, túneis foram cavados e crateras foram abertas, para que milhares de toneladas de sal-gema fossem explorados. Até que, a partir de 2018, rachaduras foram surgindo em casas e ruas, antes de, a princípio lentamente, elas começarem a afundar, a cair.

O texto abaixo está publicado no Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça e Saúde Ambiental no Brasil* e é a Síntese que abre uma detalhada pesquisa sobre esse caso revoltante: “Mineradora Braskem é responsável por uma série de prejuízos econômicos, emocionais e morais à população de Maceió, com dezenas de suicídios“. Um absurdo que só merece menções na chamada grande imprensa quando, como esta semana, chega-se ao ponto de outra tragédia iminente. Segundo a Defesa Civil, a ameaça é de que uma das 35 minas monitoradas simplesmente desmorone. (Tania Pacheco)

***

Síntese

“A capital de Alagoas, Maceió, enfrenta um dos maiores conflitos ambientais do país, envolvendo atividades de mineração e moradores de alguns bairros do município. Esses bairros ficam próximos a uma zona de exploração de sal-gema (cloreto de sódio), usado na produção de soda cáustica e de policloreto de polivinila (PVC). Essa exploração é realizada pela empresa petroquímica Braskem, que atua no Estado desde 1975, controlada pelo grupo baiano Odebrecht (agora “Grupo Novonor”).

Conforme dito popularmente, as “cavernas” criadas pela mineração da Braskem estão fazendo “desmoronar” os bairros Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro, em Maceió. Esses “buracos” têm dimensões maiores do que as de um campo de futebol. Em fevereiro de 2018, após fortes chuvas, rachaduras começaram a aparecer em dezenas de imóveis do bairro Pinheiro. Em março de 2018, foi registrado abalo sísmico no local, com tremor de intensidade alta, mais precisamente de 2,5 na Escala Richter (CPRM, 2019).

As análises preliminares realizadas por um Grupo de Trabalho composto por membros da Prefeitura Municipal de Maceió e instituições do governo federal, como o Serviço Geológico do Brasil (SGB, antiga Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM), a Agência Nacional de Mineração (ANM), o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apontaram que o fenômeno ocorrido em Maceió nunca havia sido registrado em área urbana de qualquer cidade no Brasil.

Diante da complexidade e da necessidade de dar respostas à população, a Prefeitura de Maceió decretou “Situação de Emergência” em dezembro de 2018. Em abril de 2019, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) divulgou relatório informando que a extração de sal-gema feita pela Braskem foi a principal causa para o surgimento de rachaduras, fissuras e tremores nos bairros de Maceió. A Braskem decidiu encerrar a exploração de sal-gema no município, mas não reconheceu a responsabilidade pelos danos, alegando “inconsistências de metodologias usadas na elaboração do Relatório da CPRM”.

Tendo o Ministério Público Federal (MPF) como apoiador em todo o caso, a Defesa Civil Municipal criou o Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil dos bairros Bebedouro, Mutange e Pinheiro, prevendo medidas de evacuação da população como forma de atenção à ampliação do desastre ambiental. Para orientar os moradores, em abril de 2019, a Prefeitura de Maceió e o governo do estado de Alagoas lançaram o “Guia para a população: Estado de Calamidade Bebedouro, Mutange e Pinheiro”.

A partir do grupo SOS Pinheiro, movimento que representa cerca de 53 mil moradores dos bairros mais afetados, cresceram as articulações com o MPF e outras instituições apoiadoras. Em julho de 2019, a Justiça Estadual autorizou a liberação de 15 milhões dos valores da Braskem que estavam bloqueados para pagamento do aluguel social de 2.500 famílias dos bairros afetados. No início de 2020, a Prefeitura de Maceió e a Braskem firmaram Termo de Acordo no qual ficou decretado que a empresa pagaria R$ 1,7 bilhão para realocar 17 mil pessoas dos bairros afetados e mais R$ 1 bilhão a serem utilizados para o fechamento de todos os poços de exploração de sal-gema em Maceió.

Embora tenha sido feito acordo em prol dos grupos atingidos, o movimento SOS Pinheiro reivindica a ampliação do “Mapa de Setorização de Danos” para que a empresa se responsabilize pela realocação e compensação financeira de um número muito maior de moradores. O grupo também exige a adoção de medidas para amenizar os danos sociais, morais e emocionais, considerando que as desocupações serão de forma definitiva, sem possibilidade de retorno dos moradores ou proprietários aos imóveis. Caso o solo continue cedendo nesses bairros, a região pode sucumbir e desaparecer. Uma live promovida pelo movimento SOS Pinheiro sobre o caso está disponível aqui.

Os trabalhos que envolvem a sociedade civil, órgãos municipais, estaduais e federais seguem em andamento. No entanto, apesar da existência de algumas conquistas por parte dos moradores locais, a resolução desse conflito não envolve apenas a reparação de danos materiais. Os impactos incluem drásticas rupturas das relações sociais, diante de uma série de prejuízos econômicos, emocionais e morais. Há registros de mais de dez casos de suicídios entre os moradores atingidos pela Braskem.

Para os moradores não há reparação que de fato encerre os impactos, sendo o prejuízo incalculável. Foram-se vidas, histórias, empregos e boa parte da memória afetiva e da riqueza histórico-cultural da cidade. A educação também foi substancialmente afetada na região, com fechamento e abandono de escolas nas áreas de risco. Mais de 60 mil famílias tiveram que deixar suas casas e ainda hoje lutam por uma indenização justa para recomeçar suas vidas.

Conforme relata uma moradora em 2023:

“Esses cinco anos afetaram a dinâmica do meu núcleo familiar. Afetaram as nossas vidas por completo. É emprego longe de casa, são parentes morando distantes. Enfim… havia um vínculo forte entre a comunidade que foi rompido, raízes e referências foram tiradas de nós”.

***

Imagem: Inscrição na parede de uma casa abandonada na área afetada pela Braskem, em Maceió (AL). Foto: Theo Sales.

*O  Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça e Saúde Ambiental no Brasil (Neepes/ENSP/Fiocruz) foi lançado em 2010, com 297 conflitos que eram considerados os mais graves do Brasil, na época. Desde então, monitora e atualiza os casos iniciais, enquanto pesquisa conflitos novos, num total de quase 640 conflitos, hoje.

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

19 − 5 =