A Saúde em 2023, segundo Lula e Nísia

Em conversa com o presidente, a ministra da Saúde faz um balanço de seus primeiros doze meses de trabalho na reconstrução do sistema público. Promete: depois de um ano de retomada de importantes programas, novos resultados aparecerão

por Gabriel Brito, em Outra Saúde

Como praxe nos dias que encerram o ano, a atividade política arrefece e é chegado o momento dos balanços. Em 2023, a Saúde apareceu entre os principais destaques de um governo que tem na “Reconstrução” um de seus principais motes. E foi sobre este ano rico em debates sobre políticas públicas que Lula e Nísia Trindade, conversaram, em programa em vídeo no canal do presidente.

“Deixamos muitas coisas organizadas que vão aparecer no próximo ano. Retomamos o Mais Médicos, que fecha o ano com 28 mil médicos contratados. Reorganizamos os estoques de vacinas básicas da infância, de doenças que voltaram a nos ameaçar, algo possível graças à emenda da transição [PEC aprovada antes da virada do ano que aumentou o orçamento para gastos importantes como a Saúde]. Retomamos índices anteriores e vacinas como de HPV tiveram aumento de 60% de adesão neste ano. Estamos organizando o sistema de informação, por isso criamos a Secretaria de Informação e Saúde Digital”, enumerou a ministra.

Antes de entrar numa análise das ações da nova gestão do Ministério, vale destacar que tanto Lula como Nísia foram taxativos em afirmar a herança nefasta deixada pelo governo Bolsonaro. A título de comparação, tal acidez não foi vista em temas onde o governo se deparou com o peso das reformas neoliberais, a exemplo do modelo macroeconômico ou das recentes políticas para Educação, como a reforma do Ensino Médio, alvo de fortes críticas de movimentos do setor.

Ou seja, é possível fazer distinção entre políticas equivocadas, que não se mostraram eficientes, de ações criminosas. Mais uma vez, tanto Lula como Nísia voltaram a dar recados a respeito da necessidade de se punir os crimes contra a saúde pública cometidos no período pandêmico por Bolsonaro e seus acólitos.

“O Brasil criou sua cultura de vacinação a partir dos anos 1960, com a vacina contra a varíola. Era a ditadura, mas havia médicos e sanitaristas por trás disso. Hoje temos fenômenos novos. Movimentos antivacina existem há anos, mas agora há estratégias deliberadas de espalhar mentiras. Por isso criamos o Saúde Com Ciência em parceria com a Secretaria de Comunicação, AGU, CGU, para investigar tais casos. É um trabalho conjunto que precisa ser feito. E espero que órgãos como Conselho Federal de Medicina (CFM), com quem temos trabalhado, tomem atitudes, pois tais discursos ferem a ética médica e apavoram a população. Mas isso está mudando, associações estão se unindo em favor da vacinação”, afirmou Nísia, que aqui não se furtou de chamar os conselhos de medicina a assumirem suas responsabilidades sociais.

“É necessário criminalizar quem conta mentiras, sobretudo em relação à vacinação de crianças. Não tem saída para lidar com negacionistas. Vi pessoas serem contra vacinas até perderem a mãe, um filho…”, completou Lula.

Apesar de polida em suas maneiras e gestos, Nísia não perde a chance em afirmar a ação destrutiva dos governos anteriores. Reverter o cenário de terra arrasada foi a tarefa número 1. “Achei um ministério que não só deixou de cuidar das pessoas como fez um péssimo trabalho na pandemia, de maneira que não dá nem pra comparar com os ministérios anteriores. Houve perda de confiança na capacidade de coordenação, isso num país de dimensões continentais. Peguei quadros desmotivados, muitos se aposentaram por não ver condições, o Programa Nacional de Imunização (PNI) foi desmontado, estruturamos um departamento de Saúde Mental e estamos colocando Centros de Atenção Psicossocial por todo o Brasil, tanto novos como através de apoio aos que não tinham. Sucedemos um governo omisso, que não cumpria sua obrigação de coordenar o sistema de saúde”, criticou.

Saúde como carro-chefe

Para além do discurso oficial, 2023 realmente fica marcado como um ano em que o setor da saúde ocupou papel central na elaboração de políticas públicas geradoras de bem estar social.

Talvez a mais midiática das iniciativas, o Mais Médicos superou as expectativas e preencheu em menos de um ano as vagas previstas até o fim do mandato de Lula, de modo que foi ampliado. Trata-se de um importante esforço de organização da Atenção Primária em Saúde também no sentido de formar até 100 mil médicos de Família e Comunidade, conforme defendido pelo secretário de atenção primária, Nésio Fernandes.

Associam-se ao Mais Médicos a retomada do Farmácia Popular, o programa Brasil Sorridente, que visa ampliar os serviços odontológicos, e a reformulação das Equipes de Saúde da Família através das Equipes Multiprofissionais, além da liberação de abertura de novos cursos de medicina, com preferência para áreas de menor oferta de profissionais. Dessa forma, é possível compreender que há uma estratégia coordenada de aprofundamento do SUS por todo o território nacional.

“Saúde está na boca da população. Por mais médicos e programas que a gente providencie, sempre vai se pedir mais. O SUS precisa de mais recursos, para que depois do atendimento básico a pessoa consiga chegar no especialista ou onde precisa”, afirmou Lula, amparado por pesquisa do DataFolha na qual a Saúde, ineditamente, apareceu como principal tópico de preocupação dos brasileiros. Agora é preciso que seja escutado por sua equipe econômica, que continua a fazer a defesa do fim do piso constitucional para a área.

O que esperar de 2024

Como afirmado por Nísia, o ano que se encerra foi de reorganização. Segundo a ministra, resultados melhores e reflexos visíveis das iniciativas do ministério devem ser mais sentidos a partir do ano que vem. Até porque pela primeira vez o governo federal colocou o setor como importante ator econômico e produtivo, para além de um direito básico em si.

“Incorporamos vários medicamentos ao SUS neste ano, para HIV, doenças raras, ampliamos a atenção farmacêutica. O Farmácia Popular é parte desta assistência. Falando nisso, o Brasil gasta muito com importações, temos um déficit comercial de 25 bilhões de dólares. Agora iniciamos um processo de criação de autonomia na produção de remédios, unindo setor público e privado, para ter medicamentos, vacinas e equipamentos produzidos no Brasil. Isso é fundamental para a sustentabilidade do SUS”, falou Nísia, em clara referência aos investimentos no setor produtivo nacional inseridos no Novo PAC, que preveem até R$ 42 bilhões em investimentos só na área da saúde.

A retomada da Hemobrás, em momento onde um estranho lobby de mercantilização dos bancos de sangue avança, é o primeiro ato deste esforço de transformar o setor – e seus 25 milhões de empregos diretos e indiretos – em um ente estratégico na geração de emprego, renda e inclusão social. A afirmação do Piso Nacional da Enfermagem e reconhecimento da profissão de sanitarista e agentes comunitários de saúde, ponta menos visível do sistema, convergem na mesma direção.

No entanto, Nísia deixa claro que há muito mais a fazer. E mostra-se atenta aos setores da população que mais sofreram com os anos de doutrina do choque neoliberal e sua política de Estado mínimo para as massas.

“Fizemos coisas importantes para a saúde da mulher, a exemplo dos medicamentos incluídos no Farmácia Popular. Estamos para lançar uma revisão sobre saúde materna. Nos últimos anos tivemos altos índices de mortalidade materna, coisa que vamos trabalhar mais, do pré-natal à atenção hospitalar. Precisamos de políticas de acolhimento, de saúde reprodutiva, mental, para mulheres, pois sofrem mais violência”, atentou a ministra.

Ela foi além, em relação ao sofrimento psíquico das populações: “Nossa sociedade é muito marcada por individualismo, competição, pressão material. Precisamos de promoção de saúde mental que integre todo o governo, dentro da linha do cuidado. Estamos fortalecendo a Rede de Atenção Psicossocial, que foi totalmente abandonada no governo anterior. Estamos investindo recursos e no novo PAC em saúde mental, tema que foi, proporcionalmente, a maior demanda dos municípios…”, elencou a ministra.

Por fim, Nísia sinalizou com a integração do sistema de informações do SUS e a digitalização da saúde, ferramenta importante para o cumprimento de outro desafio central de sua pasta: a redução a níveis satisfatórios da fila de exames e cirurgias. Até setembro, cerca de 200 mil procedimentos represados tinham sido registrados pelo governo, aumento de 19% frente ao mesmo período do ano anterior.

“Temos 1 bilhão de procedimentos registrados no sistema, uma média de 5 por habitante, mas nem sempre de forma efetiva, tem muita repetição e procedimento desnecessário. Por isso precisamos integrar todos os dados, para acompanhar cada passo do usuário, com o apoio da telessaúde e outros recursos tecnológicos que temos à disposição hoje em dia para melhorar o cuidado”, concluiu.

Foto: Cláudio Kbene/PR

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