Quantos dias mais de impunidade e violência no campo?

CPT

No próximo dia 26 de janeiro, completam-se três anos do assassinato de Fernando Araújo dos Santos, trabalhador rural. São três anos sem Fernando. Três anos de dor e saudade. Neste ano, também fazemos memória a tantas outras lutadoras e lutadores vítimas da violência no campo.

Na noite do dia 26 de janeiro de 2021, Fernando foi assassinado nos fundos de sua residência enquanto arrumava seus pertences para se mudar do local. Ele residia na Fazenda Santa Lúcia, mesma área onde havia presenciado a execução covarde, cruel e sem nenhuma chance de defesa de 10 trabalhadores (nove homens e uma mulher), por policiais civis e militares do Estado do Pará. Este episódio ficou conhecido como Massacre de Pau D’arco, ocorrido em 24 de maio de 2017.

Em seus depoimentos, narrava de forma detalhada a execução de seus companheiros e seu namorado pelos policiais. Além de sobrevivente, Fernando tornou-se uma das principais testemunhas do ocorrido naquele dia.

Em 20 de setembro de 2020, Fernando foi vítima de uma tentativa de assassinato, tornando-se, assim, duas vezes sobrevivente. Passados onze meses de sua morte, as investigações foram encerradas, tendo sido identificado pela Polícia Civil apenas o executor do crime, Oziel Ferreira dos Santos, denunciado pelo Ministério Público em dezembro de 2021.

Ocorre que, mesmo identificando o autor do assassinato, a investigação não foi capaz de constatar a existência de mandantes e os motivos. O inquérito, além de não apresentar as respostas esperadas, desconsiderou o fato de Fernando ser um sobrevivente e testemunha de uma chacina, a tentativa de homicídio que ele havia sofrido a poucos meses e os seus relatos de ameaça.

A requerimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), um novo procedimento para tentar sanar estas dúvidas foi reaberto pela polícia civil do Estado do Pará em 2022, a pedido do Ministério Público Estadual, mas ainda não foi concluído.

No ano seguinte ao assassinato de Fernando, em 29 de abril de 2022, mais um mártir da terra foi feito pela violência no campo. Edvaldo Pereira Rocha era líder quilombola da comunidade de Jacarezinho, na zona rural de São João do Soter, no Maranhão. Ele lutava pela titulação do território, contra a exploração ilegal de madeira no quilombo e contra a expansão da soja no Matopiba, fronteira agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Alvo de ameaças proferidas por latifundiários, foi covardemente assassinado a tiros.

Dias após o assassinato, um suspeito foi preso, mas foi solto pouco tempo depois. O inquérito que apurava a morte de Edvaldo foi concluído e enviado para apreciação da Justiça. Com isso, a quase dois anos do crime, nenhum executor ou mandante foi responsabilizado. A comunidade de Jacarezinho vive sob o medo e a angústia em razão das ameaças que se intensificaram após a morte de Edvaldo.

A violência continua sendo uma chaga no campo brasileiro. Em 2022, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, registrou um total de 1596 ocorrências de conflitos por terra. O Maranhão foi o segundo estado brasileiro com maior número de ocorrências (179), ficando atrás apenas da Bahia, com 184 ocorrências.

Estes são os dois estados com o maior número de assassinato de lideranças quilombolas registrados pela CPT. Dos 50 homicídios identificados pela Pastoral entre 2005 a 2023, 20 aconteceram no Maranhão, e 16 na Bahia.

No ano passado, mais um caso de violência extrema chocou o Brasil, ocorrido justamente no Estado da Bahia. No dia 17 de agosto de 2023, a líder quilombola e ialorixá Bernadete Pacífico foi executada a tiros no Quilombo de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, sendo considerado por pesquisadores um dos principais crimes políticos da história recente do país.

A ialorixá atuava na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e passou a fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) após o assassinato do filho, conhecido como Binho do Quilombo, em 2017, também alvejado por vários tiros, dentro do território. O caso ainda é investigado pela Polícia Federal e, mais de seis anos depois, a morte de seu filho segue impune.

Segundo a Conaq, lideranças das comunidades quilombolas e terreiros de Simões Filho são ameaçadas permanentemente por grupos ligados à especulação imobiliária, interessados em ocupar os territórios, provocando o medo e intimidando as famílias.

Três meses após a execução, a investigação realizada pela Polícia Civil apontou o tráfico de drogas na região como principal responsável pelo crime, oferecendo denúncia contra cinco suspeitos. A família e a comunidade de Pitanga dos Palmares, porém, rejeitam a linha de investigação, reafirmando o histórico de conflitos e a atuação de Mãe Bernadete em defesa do território quilombola.

Os casos aqui apresentados pela Campanha Nacional Contra a Violência no Campo possuem muitas características em comum, sendo a impunidade a principal delas. Diante da frágil resposta apresentada pelo Estado, com investigações precárias, morosas e, muitas vezes, parciais, estes e centenas de outros crimes no campo seguem impunes.

Foi no ano em que mataram Fernando que iniciou-se a mobilização para a criação da Campanha Contra a Violência no Campo, um instrumento de organização popular e denuncia frente ao contexto de agravamento dos conflitos.

Caminhando para o segundo ano da Campanha, hoje fazemos memória à luta de três mártires da violência no campo, ao mesmo tempo em que exigimos do Estado brasileiro a adoção de ações contundentes direcionadas à proteção dos territórios e das vidas humanas ameaçadas.

Mãe Bernadete Pacífico, PRESENTE!

Edvaldo Pereira, PRESENTE!

Fernando dos Santos, PRESENTE!

 

A Campanha Contra a Violência no Campo realizará atividade virtual, na sexta-feira (26), às 15h, com transmissão ao vivo pelo canal do youtube da Comissão Pastoral da Terra, para o lançamento do cartaz oficial da campanha, que presta uma homenagem às lutadoras e lutadores martirizados pela violência no campo, ao mesmo tempo em que denuncia o agravamento dos conflitos e a impunidade à esses crimes. A atividade fará memória à vida e luta Fernando dos Santos, Edvaldo Pereira e Mãe Bernadete Pacífico, mártires da violência no campo, a partir de testemunhos e reflexões acerca dos conflitos por terra no Brasil.

Acompanhe a atividade: Em Memória aos Mártires da Terra – Lançamento do cartaz oficial da Campanha Contra a Violência no Campo

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