Doença, cujo avanço vem sendo agravado pelas mudanças climáticas, afeta todas as classes sociais, mas as suas consequências são piores para as comunidades historicamente marginalizadas.
Nenhuma pessoa, de qualquer idade, gênero, raça ou classe social, está imune à dengue. A arbovirose já contaminou mais de 1 milhão de brasileiros, e subindo. Com o recorde atingido bem antes de abril, considerado o mês de pico da doença, a preocupação aumenta. Mas esse avanço acelerado, além de reforçar o elo entre a doença e as mudanças climáticas, escancara o racismo ambiental.
Ainda que o mosquito Aedes aegypti possa picar qualquer pessoa e contaminá-la com dengue ou chikungunya, o risco é sensivelmente maior para a população preta e pobre – assim como ocorre em eventos climáticos extremos, como ondas de calor e temporais. A precariedade da infraestrutura básica e a dificuldade de acesso à saúde pública, que historicamente afetam essas populações marginalizadas, são agravantes para o contágio da doença.
A proliferação do mosquito encontra terreno fértil em regiões urbanas com poucos recursos. O infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda salienta problemas como a ausência de saneamento básico, recolhimento de lixo, falta de rede de esgoto e de acesso à água potável e instalação de aterros sanitários, destaca O Globo.
Essa segregação urbana contribui diretamente para a vulnerabilidade dessas populações, expondo-as de maneira desproporcional à dengue. “Nas regiões mais pobres, principalmente nas comunidades carentes, o controle vetorial é mais difícil, por conta do adensamento populacional, dificuldade de água encanada regular e coleta de lixo. Por conta dessas condições de saneamento básico, a tendência é que as pessoas acumulem mais água em recipientes não apropriados, o que favorece a multiplicação do mosquito”, explicou Croda.
O médico infectologista José Davi Urbaez é outro que afirma que as condições sociais são causas do avanço da dengue, detalha a Agência Brasil, em matéria reproduzida por IstoÉ, IstoÉ Dinheiro e Correio da Bahia. “É claríssimo que, no caso da dengue e, habitualmente, todas as doenças infecciosas, são grandes marcadores dessa vulnerabilidade, porque ela é construída”, avalia.
É o caso da auxiliar de serviços gerais Juliana Pereira, 28 anos, cujo filho Vitor, de 3 anos, foi contaminado pela dengue. Eles moram numa casa na Cidade Estrutural, na periferia do Distrito Federal, “cercada de mato, lixo, água parada e falta de estrutura”, contou ela, que também teve a doença em fevereiro. O outro morador da casa, Jeferson Muniz, de 25 anos, irmão de Juliana, também não podia ir trabalhar havia 5 dias por causa dos sintomas da doença.
“O que mais me apavorou foi a possibilidade da dengue ficar mais grave. A gente é pobre e tem muito medo”, disse Juliana, que tem medo de todos em sua casa adoecerem ao mesmo tempo. Afinal, ela viu vizinhos ficarem mal nas últimas semanas.
O avanço da doença nas grandes cidades é motivo de alerta para o médico Carlos Starling, vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia. Ele ainda chama atenção para o efeito das mudanças climáticas na lógica da doença. Com temperaturas mais altas e mais chuvas, o período sazonal da dengue, que costuma ir até abril, pode se estender até junho, mês em que tradicionalmente o número de casos cai de forma drástica.
Em tempo: Além do estrago na saúde pública, a dengue pode reduzir o PIB brasileiro em mais de R$ 12 bilhões, mostra um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Segundo o levantamento, o Brasil corre o risco de uma queda de até R$ 7 bilhões no PIB devido à redução da produtividade causada pelos efeitos da doença, já que seis a cada 10 infectados são trabalhadores. Além disso, os custos relacionados ao tratamento podem atingir R$ 5,2 bilhões. O impacto econômico pode resultar na perda de mais de 129 mil postos de trabalho, comprometendo a geração de cerca de R$ 2,1 bilhões em massa salarial, informa a IstoÉ Dinheiro.
–
Marcello Casal Jr. / Agência Brasil