Jamil Chade: ‘Caso Hungria’ é ponta de iceberg de cooperação global da extrema direita

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A presença de Jair Bolsonaro numa embaixada de um país liderado por Viktor Orbán é apenas a ponta do iceberg de uma coordenação global do movimento de extrema-direita no mundo.

Com reuniões secretas, encontros virtuais e uma cooperação real, grupos extremistas no Brasil, Europa e EUA adotam posições similares em debates internacionais, copiam slogans, métodos de atuação e apoios recíprocos.

No caso húngaro, a relação entre Bolsonaro e Orbán foi construída ao longo dos quatro anos em que o brasileiro esteve no poder. Foi em seu governo que, pela primeira vez, houve uma visita de um chanceler do país para a Hungria. Foram estabelecidas posições comuns sobre temas como imigração, aborto, religião e votos na ONU. O governo de extrema-direita da Hungria de Viktor Orbán pediu ainda uma parceria com Jair Bolsonaro para financiar a ajuda comunidades de cristãos no Oriente Médio.

Mas o então chanceler Ernesto Araújo não foi o único a fazer suas peregrinações para Budapeste. No total, foram seis visitas de alto escalão entre os dois países, inclusive de Eduardo Bolsonaro e Damares Alves, em menos de doze meses.

Outro personagem central na relação era Angela Gandra, secretária de Família no Ministério de Direitos Humanos.

Durante seu mandato, Bolsonaro visitou o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. A viagem foi usada como uma espécie de reconhecimento internacional ao projeto mais avançado da extrema-direita para impor seu modelo.

Insignificante para o comércio brasileiro, marginal no debate geopolítico, pária dentro da Europa e com um peso irrisório no palco internacional, a Hungria foi uma parada na turnê europeia de Bolsonaro que apenas atendeu aos interesses do movimento de extrema-direita.

A tríade entre Donald Trump, Jair Bolsonaro e Viktor Orbán também era evidente na diplomacia. Quando o americano foi derrotado nas urnas, ele passou para o Brasil a liderança de uma aliança ultraconservadora e que tinha como objetivo redefinir a agenda internacional na questão de direitos humanos.

Quando Bolsonaro foi derrotado nas urnas, essa liderança foi repassada do Brasil para a Hungria.

Aliado da Hungria em temas como a defesa de um modelo único de família, usando o cristianismo como instrumento de exclusão e resistente a qualquer direito ao movimento LGBT, o grupo mais radical do bolsonarismo jamais deixou de elogiar o que acadêmicos chamam de o “autocrata mais sofisticado do Ocidente”. Em doze anos, o governo abandonou alguns dos princípios básicos do estado de direito e criou uma nova realidade política.

Hub e campo de testes

Com espaço e apoio estatal, o movimento de extrema-direita mundial passou a ter em Orbán uma espécie de hub e campo de testes para políticas ultraconservadoras.

Orbán assumiu o poder em 2010, depois de um governo corrupto de esquerda e que admitiu que enganou a população ao adotar medidas de austeridade para lidar com a crise de 2008. Ganhou o voto de jovens, da elite urbana, da classe média e até de parte dos intelectuais. Sua guinada autoritária, porém, afastou muitos desses grupos da base de Orbán. Nos últimos anos, o húngaro conseguiu controlar a Corte Constitucional, o Ministério Público e dois terços do Parlamento. Dias depois de perder as eleições municipais em Budapeste, ele aprovou uma nova lei reduzindo as competências das prefeituras.

Uma das estratégias da extrema-direita húngara foi a de controlar rádios, televisões e jornais. Em 2018, donos de 400 meios de comunicação na Hungria decidiram doar seus impérios para uma obscura fundação. Uma semana depois, Orbán assinou um decreto isentando essa fusão de qualquer controle externo.

A coordenação entre jornais regionais, revistas, rádios e TVs passou a ser completo e, para sustentar a máquina de imprensa, o orçamento vem do estado, por meio de publicidade e compra de espaço nesses jornais para campanhas de conscientização. Já as empresas que fazem publicidade nos poucos jornais contrários ao governo temem perder contratos públicos, enquanto regiões inteiras do país passaram a depender apenas de noticias oficiais.

O governo húngaro ainda se lançou numa operação para excluir a sociedade civil de consultas ou formação de políticas públicas.

Movimento global da extrema-direita

A relação com a Hungria é apenas parte de uma teia maior e sólida. Na Espanha, o partido ultranacionalistas e herdeiro do franquismo, o Vox, mantém uma estreita relação com os filhos do ex-presidente. Em Portugal, o Chega tem parte de seu trabalho inspirado na extrema-direita brasileira.

Com os EUA, a aproximação envolveu até mesmo o uso das mesmas palavras e termos nos discursos feitos por Bolsonaro e por Trump, em 2019, na abertura da Assembleia Geral da ONU.

Quando o capitólio foi invadido, em 6 de janeiro de 2021, bolsonaristas minimizaram os ataques, causando a indignação de políticos americanos.

A derrota do americano contra Biden ainda foi seguida por declarações por parte de Bolsonaro que confirmavam a narrativa do movimento de apoio a Trump de que a eleição havia sido fraudada.

A cooperação também envolve a preparação de eleições e campanhas de desinformação. Fernando Cerimedo, que trabalhou na campanha eleitoral de Javier Milei na Argentina, foi apontado nos documentos da Política Federal como parte da operação que supostamente teria orquestrado uma proliferação de desinformação para abrir caminho a um golpe de Estado no Brasil.

As informações estavam na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou prisões e buscas contra ex-ministros e integrantes do núcleo duro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao longo da campanha do vencedor da eleição na Argentina, Cerimedo atraiu a atenção da imprensa argentina, justamente por conta de suas polêmicas no Brasil.

Agora, a PF apontou que ele fazia parte do que foi chamado de “Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral” durante as investigações. O grupo composto ainda por nomes como Mauro Cid e Anderson Torres tinha como função a “produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado, conforme exposto no tópico ‘Das Medidas para Desacreditar o Processo Eleitoral’ constante na presente representação”.

Imagem: Pieter Paul Rubens, Cabeça de Medusa (1616-17)

 

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