Com o “Pacote do Veneno” aprovado, a luta contra os agrotóxicos se torna ainda mais acirrada

No país que mais utiliza pesticidas no mundo, o contraponto é lutar por políticas públicas de redução dos químicos, proteção das comunidades e promoção da agroecologia

Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional), com informações da CPT Regional Maranhão e Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama)

Mesmo com os vetos do presidente Lula, entrou em vigor a Lei nº 14.785, conhecida como “Pacote do Veneno”. A lei, aprovada em meio a um grande acordo no Congresso, vem facilitar o processo de liberação de agrotóxicos, com prazos curtos para o registro de novos produtos, aumentando uma contaminação já abusiva. Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2021, o país já usava mais veneno em suas lavouras do que a China e os Estados Unidos juntos.

Durante o governo Bolsonaro, foram aprovados 2.182 pesticidas. Em seu primeiro ano, o governo Lula aprovou 555 produtos, ainda assim uma quantidade muito alta de químicos disponibilizados para produção de alimentos e ultraprocessados.

“Mudamos de governo, mas não mudamos a velha política de agricultura vigente no país, de commodities, agrotóxicos e sementes transgênicas. E isto nos preocupa, porque é a manutenção do mesmo modelo centrado nos interesses de latifundiários e na influência de multinacionais do setor químico,” afirma Fran Paula, pesquisadora e integrante da coordenação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que completa 13 anos de atuação e mobilização, da qual a CPT faz parte.

O Brasil caminha numa direção contrária a outros países em transição agroecológica. Com o alinhamento político dos governos recentes e a atuação danosa da bancada ruralista, aumenta a pressão por legislações ainda mais permissivas, inclusive nos estados, com leis que favorecem o uso de pulverização aérea com aviões agrícolas.

Um dos estados onde as comunidades tradicionais sofrem uma verdadeira guerra química é o Maranhão. No último dia 03 de abril, o Conselho Estadual de Direitos Humanos realizou uma inspeção in loco em comunidades na zona rural do município de Timbiras: São José, Baixa Nova, Morada Nova, Buriti, Capinal, Santa Vitória, Passa Mal e Maresia, atendendo denúncias de pulverização aérea de agrotóxicos formulada por organizações como a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (FETAEMA).

Também participaram da ação a CPT Regional Maranhão e diversas organizações parceiras que atuam junto a comunidades rurais a partir da Articulação Agro é Fogo. De acordo com levantamento feito pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Timbiras, os(as) agricultores(as) tiveram uma perda entre 50 e 70% da produção agrícola do ano de 2024. Árvores frutíferas, babaçuais e igarapés também foram atingidos pela pulverização de veneno, representando grande risco para a segurança alimentar, acesso à água e prejuízos financeiros a pelo menos 120 famílias. 

Há ainda prejuízos à saúde, com casos de feridas, coceiras, tontura, dores de cabeça, vômito, cansaço e adoecimento psíquico, por conta de toda a ansiedade e medo vivenciados. As organizações se reuniram com a vereadora Carmem Frazão, fazendo a entrega de uma proposta de lei para a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos no município de Timbiras.

Outras denúncias também foram levantadas sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos por parte de grandes fazendeiros e empresas no Maranhão, que o utilizam como arma, numa verdadeira guerra química, que visa a expulsão das comunidades de seus territórios.

Já no dia 06 de abril, em São Benedito do Rio Preto, um avião, a serviço do agronegócio, lançou agrotóxicos sobre a comunidade tradicional Piçarra, sendo esta a 12ª comunidade a sofrer ataque químico nos últimos 30 dias no estado.

“As ocorrências estão presentes em todos os âmbitos da violência no campo: conflitos pela terra e água, conflitos trabalhistas, violência contra as pessoas e mortes violentas no campo, tudo é ‘borrifado’ pelos agrotóxicos, nos diversos biomas”, analisa a documentalista do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc), Muria Carrijo Viana. Órgãos como o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também alertam para os danos à saúde.

Na contramão do Pacote do Veneno, as comunidades e movimentos da sociedade civil têm muita luta pela frente. Além da pauta nos estados, outra mobilização é pela efetivação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA), promovendo a agroecologia como caminho para a soberania alimentar, com o uso de repelentes naturais.

“Temos convocado toda a população a seguir mobilizada, pressionando, dialogando nos municípios, dos estados. Teremos eleições municipais, que também são importantes para a mudança nessa estrutura política agrária vigente no Brasil, em busca de garantia de direitos à alimentação saudável e adequada”, acrescenta Fran Paula.

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