Na contramão dos países desenvolvidos, Brasil mantém novos projetos de usinas a carvão

Relatório do Global Energy Monitor destaca a posição estratégica do país e seu potencial de liderar a América Latina na eliminação do uso desse combustível.

Por Juliana Zambelo, no ClimaInfo

Apesar de ser um dos países com maior potencial de crescimento de geração de energia limpa do mundo, o Brasil ainda resiste à urgência de abandonar novos projetos de exploração e queima de combustíveis fósseis. No último dia 11/04, um novo relatório sobre o panorama da exploração de carvão no mundo chama a atenção para o Brasil, destacando que o país está indo na contramão da tendência mundial ao ser um dos poucos que ainda tem novos projetos autorizados pela agência reguladora, e que por isso ainda podem entrar em construção nos próximos anos.

relatório anual “Boom and Bust Coal”, do Global Energy Monitor (GEM) sobre o cenário global de carvão mostra também que o Brasil e a Argentina são os últimos países da América Latina que ainda possuem novas usinas de carvão autorizadas ou em fase de construção.

Apenas 1,4 gigawatts (GW) de capacidade de carvão permaneceram em “pré-construção” e construção em toda a América Latina até o final de 2023, representando uma queda de 19% em relação a 2022 e uma diminuição de 86% em relação aos 10,2 GW de capacidade de carvão em desenvolvimento em 2015, de acordo com a pesquisa. As duas novas usinas a carvão autorizadas pela agência reguladora no Brasil e a única unidade a carvão em construção na Argentina são tudo o que resta dos projetos propostos na América Latina, os quais, se cancelados, eliminariam qualquer plano para ampliar o uso de carvão no continente.

No Brasil, as usinas de energia aprovadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) são as plantas de Nova Seival e Pedras Altas (ou Ouro Negro), que tinham previsão de iniciar suas operações entre 2026 e 2027. Após enfrentarem obstáculos financeiros e judiciais nas fases de desenvolvimento, nenhum dos projetos avançou em 2023, no entanto ainda não foram oficialmente cancelados.

O impacto do carvão nas emissões brasileiras não pode ser menosprezado. As termelétricas a carvão fóssil instaladas na Região Sul lideraram as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 2022 na geração elétrica no Brasil, respondendo por 35% do total emitido por térmicas a combustíveis fósseis, mostra o 3º Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

“Instalar novas usinas a carvão em um mundo que mensalmente bate recordes de temperatura é negar a ciência e virar as costas para toda a agenda de clima. Não se trata apenas de utilizar energia poluente e perpetuar as fontes fósseis, mas de alimentar a crise climática deliberadamente e condenar milhões de pessoas à própria sorte”, diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

Ilan Zugman, Diretor da organização 350.org na América latina, defende que proibir novos projetos de carvão e incentivar a Argentina a fazer o mesmo é uma das medidas mais eficientes que o Brasil pode adotar para fortalecer sua credibilidade como líder climático no G20 e no caminho para a COP30. “A Colômbia já iniciou uma política para substituir o carvão, inclusive em regiões de mineração bem estabelecidas. A adesão da América Latina, como bloco, ao fim do carvão seria um compromisso poderoso com o bem-estar das pessoas e uma demanda incisiva por mais ação climática por parte dos países ricos”.

Lobby do carvão no Congresso

No final de 2023, a Agência Internacional de Energia divulgou uma análise que aponta que a demanda global por petróleo, gás natural e carvão atingirá seu pico em 2030, com o carvão passando a ser o combustível fóssil com maior queda de demanda a partir da próxima década, por isso tornando anacrônico qualquer investimento em novos projetos.

Mas, além de manter a operação e a aprovação das duas novas usinas, o Brasil está também prestes a ampliar benefícios financeiros para usinas a carvão instaladas no país. A geração elétrica dessas plantas, além de suja, já é a mais cara entre todas as fontes, e ainda mais em comparação com as fontes renováveis, como eólica e solar. E pode custar ainda mais se esses subsídios forem aprovados.

No final de 2023, o projeto de lei das eólicas offshore (PL nº 11.247/18) foi aprovado na Câmara dos Deputados com jabutis que beneficiam combustíveis fósseis. Um deles obriga a recontratação de térmicas a carvão até 2050. Além de mais emissões de gases de efeito estufa, os jabutis, que incluem também geração a gás, podem criar custos de R$ 28 bilhões anuais para todos os consumidores de energia elétrica, calcula a ABRACE. Na última semana, o PL voltou a tramitar no Senado e o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) trocou a relatoria, passando a Weverton Rocha (PDT-MA), e sinalizou que deverá manter as emendas que incluem incentivos para a geração de energia a carvão.

Outro exemplo de atuação do lobby do carvão no Congresso é o Projeto de Lei nº 4.653/2023, que propõe prorrogar subsídios à indústria do carvão no Rio Grande do Sul. O projeto é dos senadores gaúchos Paulo Paim (PT), Hamilton Mourão (Republicanos) e Carlos Heinze (PP) e recebeu emenda do senador Sérgio Moro (União Brasil/PR), a fim de estender os benefícios ao Paraná. Atualmente, aguarda parecer do relator, senador Esperidião Amin (PP/SC).

Em 2022, Amin foi o autor do projeto original da Lei nº 14.299/2022, que criou o “Programa de Transição Energética Justa” para beneficiar a indústria carbonífera de Santa Catarina. Usando como desculpa a “preservação” dos empregos de trabalhadores e trabalhadoras, a lei estendeu até 2040 os subsídios à queima de carvão no Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), que queima carvão fóssil para produzir energia elétrica.

China impulsiona aumento global

Dados do Global Coal Plant Tracker mostram que 69,5 GW de capacidade de energia a carvão entraram em operação em todo o mundo, enquanto 21,1 GW foram desativados em 2023, resultando em um aumento líquido anual de 48,4 GW para o ano e uma capacidade total global de 2.130 GW. Este é o maior aumento líquido na capacidade de carvão em operação desde 2016.

Uma onda de novas usinas de carvão entrando em operação na China impulsionou esse aumento – 47,4 GW, ou aproximadamente dois terços das adições globais. Nos Estados Unidos e na Europa, no entanto, a tendência é de desativações. Com 9,7 GW, os Estados Unidos contribuíram com quase metade da capacidade desativada em 2023, enquanto Estados membros da União Europeia e o Reino Unido representaram aproximadamente um quarto das desativações.

“É essencial para a descarbonização das economias que acabemos com o carvão novo; portanto, é uma boa notícia ver que esse setor vem perdendo terreno em muitos países no ano passado. No entanto, sabemos que há um enorme lobby do carvão no Brasil que tem sido influente na extensão de subsídios e contratos públicos para concessões de usinas de carvão e na flexibilização de leis para aumentar a produção de energia em usinas de combustíveis fósseis durante emergências climáticas. O Presidente Lula tem uma oportunidade única de transformar o Brasil em um líder climático que cumpre o que fala, anunciando que não haverá novos projetos de carvão antes da próxima COP”, diz Nicole Figueiredo de Oliveira, Diretora Executiva do Instituto Internacional Arayara.

O relatório também mostra que o G20 é responsável por 92% da capacidade de carvão em operação no mundo (1.968 GW) e 88% da capacidade de carvão em pré-construção (336 GW).

O Global Energy Monitor desenvolve e compartilha informações em apoio ao movimento mundial pela energia limpa. Ao estudar a evolução do cenário energético internacional, criar bancos de dados, relatórios e ferramentas interativas que aprimoram o entendimento, o GEM busca construir um guia aberto para o sistema energético mundial. O Global Coal Plant Tracker fornece informações sobre unidades geradoras de energia a carvão de todo o mundo, com capacidade de 30 megawatts ou mais.

Além do Global Energy Monitor, os coautores do relatório são o Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo, E3G, Reclaim Finance, Sierra Club, Solutions for Our Climate, Kiko Network, Grupos de Bangladesh, Trend Asia, Aliança pela Justiça Climática e Energia Limpa, Chile Sustentável, POLEN Transiciones Justas, Iniciativa Climática do México e Arayara.

*Revisão de Alexandre Gaspari.

Albert Hyseni / Unsplash

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