Encontro Nacional dos Fóruns de Povos e Comunidades Tradicionais cria aliança em defesa da Mata Atlântica

O evento reúne quatro dos principais fóruns de povos e comunidades tradicionais da Mata Atlântica e lança uma rede conjunta em defesa dos territórios dos povos que integram o bioma

Por Maiara Dourado, do Cimi

Durante a última semana, os fóruns de povos e comunidades tradicionais do bioma Mata Atlântica se reuniram na cidade de Registro, na região do Vale do Ribeira (SP), para realizar, pela primeira vez, o Encontro Nacional dos Fóruns de Comunidades Tradicionais.

O “Fórum dos Fóruns”, como as comunidades alcunharam o evento, foi organizado de forma conjunta pelo Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, pelo Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, Fórum de Comunidades Tradicionais de Sergipe e Fórum dos Pescadores em Defesa da Baía de Sepetiba.

O encontro, que ocorreu na semana do Meio Ambiente, buscou discutir e mobilizar a criação de uma rede conjunta em defesa dos territórios tradicionais da Mata Atlântica, alvo constante de esbulho territorial e remoção forçada de comunidades por parte da especulação de empreendimentos econômicos e da pressão por parte da iniciativa privada.

Segundo Adriana Lima, integrante do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira e da Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras, o Encontro é uma oportunidade para “juntar diferentes fóruns e diferentes lideranças que vêm articulando e construindo a mobilização em defesa dos territórios, para construírem juntos uma grande aliança entre os povos e comunidades tradicionais na defesa da Mata Atlântica”, considerou a liderança caiçara.

Ao longo da semana, mais de 80 representantes dos mais diversos segmentos de povos e comunidades tradicionais do país participaram de oficinas, conferências, mesas de discussões, visitas a territórios de comunidades da região e atos políticos e culturais. A ideia foi aliar ações pedagógicas, artísticas e culturais a um planejamento estratégico dos movimentos sociais, parceiros e aliados.

Além dos representantes das comunidades, o evento contou com a participação de membros de órgãos do governo, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).

Também participaram como apoiadores e parceiros a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Instituto Socioambiental (ISA), Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (EAACONE), Serviço Social do Comércio (Sesc), Programa de Educação Ambiental para Comunidades Costeiras (PEAC) e Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS).

A permanência dos povos em seus territórios foi tratada como medida essencial para garantir a conservação ambiental e o futuro das comunidades

Imersão comunitária

Nos dois primeiros dias de evento, entre os dias 4 e 5 de junho, os participantes do Encontro se dividiram em grupos para integrar as oficinas realizadas em três das várias comunidades da região do Vale do Ribeira. O grupo da oficina do Projeto Povos se deslocou até a Terra Indígena (TI) Ka’aguy, na cidade de Iguape (SP) para discutir o projeto Povos que busca caracterizar comunidades tradicionais afetadas pela exploração do pré-sal, por meio da metodologia da cartografia social.

Já o grupo da oficina “Roças tradicionais, manejo e produção sustentável” se deslocou até o quilombo Ivaporunduva para tratar dos casos de criminalização de roças tradicionais ocorrido em territórios tradicionais sobrepostos a unidades de conservação. No mesmo período, ocorreu a oficina “Pesca artesanal: automonitoramento da rede boieira” na Nova Enseada da Baleia, na Ilha do Cardoso, município de Cananeia. Na ocasião, o grupo dialogou sobre o automonitoramento da rede boieira da pesca artesanal, uma ferramenta de justiça socioambiental que busca coletar, armazenar e gerir, de forma equitativa, as informações compartilhadas por pescadores e pescadoras.

A demarcação de terras indígenas, a regularização fundiária de territórios tradicionais, bem como a discussão sobre justiça climática também foram temas centrais no Encontro dos Fóruns de Comunidades Tradicionais. No painel “Caminhos para a regularização fundiária e gestão dos territórios tradicionais”, a discussão girou em torno da construção de uma política de regularização fundiária em nível nacional que inclua os 28 segmentos de povos e comunidades tradicionais existentes no Brasil e reconhecidos pelo Estado.

Já na conferência “Povos e Comunidades Tradicionais na construção da justiça climática”, a permanência dos povos em seus territórios foi tratada como medida essencial para garantir a conservação ambiental e o futuro das comunidades, guardiãs dos territórios e de seus saberes.

“A gente vê que a luta que eu sinto na pele, os meus irmãos também sentem, pois acaba sendo a mesma demanda, a mesma problemática, o mesmo enfrentamento”

Momento histórico

Para Ataíde Vherá Mirim, do povo Guarani Mbya, ponto focal do segmento indígena do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, as ameaças das atividades econômicas promovidas pelos Juruá – não-indígenas – na região onde habita fazem desta aliança um momento histórico, pois une povos e comunidades tradicionais da Mata Atlântica na defesa comum de seus territórios.

“O encontro tem fortalecido a importância do cuidado e da proteção dos nossos territórios e, principalmente, sobre o que temos em comum em relação à natureza e ao que nos faz querer se aliar”, explicou a liderança Guarani Mbya, que participa desta articulação dos povos do Vale do Ribeira desde sua criação, em 2016. O Fórum, da região sul do estado de São Paulo, reúne representantes dos povos indígenas e comunidades quilombolas, caiçaras e caboclas do Vale do Ribeira.

A permanência de povos e comunidades tradicionais em seus territórios foi levantada no Encontro como principal medida para garantir a preservação da Mata Atlântica. “A gente já tem esse cuidado de estar dentro do nosso território e preservar a terra, a mata, a água, que são uma proteção para nós. E aí a gente vem fortalecer ainda mais a preservação da Mata Atlântica com essa aliança entre povos”, explicou Tânia Heloisa de Moraes, do quilombo Ostra, no município de Eldorado (SP) e também integrante do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, como ponto focal do segmento quilombola.

“A gente vê que a luta que eu sinto na pele, os meus irmãos também sentem, pois acaba sendo a mesma demanda, a mesma problemática, o mesmo enfrentamento. Nesse sentido, o Encontro nos fortalece e torna a nossa luta ainda mais resistente”, explicou a liderança.

“Nossos corpos e territórios tornaram-se as últimas barreiras contra a destruição desse bioma”

Aliança dos Povos

O encerramento do evento, realizado na última sexta-feira (7), foi marcado pelo lançamento da Aliança dos Povos e Comunidades Tradicionais da Mata Atlântica. Em carta-manifesto, as comunidades tornaram públicas suas demandas e reivindicações, com o intuito de dar maior visibilidade à luta que travam pela garantia e manutenção de seus territórios, bem como pela proteção do bioma que integram.

“Nossos corpos e territórios tornaram-se as últimas barreiras contra a destruição desse bioma, contra as forças da especulação imobiliária, grandes empreendimentos, mineração, barragens, rodovias, legislações e outras ameaças incessantes que expropriam e expulsam nosso povo e criminalizam suas práticas tradicionais”, denunciam em documento.

Para barrar a destruição que assola seus territórios, a Aliança estabeleceu ações que unem pautas em comum dos povos e comunidades tradicionais do bioma:

· Construção de marcos legais que garantam a regularização fundiária de nossos territórios;
· Incidência governamental para garantir políticas públicas específicas para povos e comunidades tradicionais;
· Ações de comunicação para chamar a atenção do mundo para a Mata Atlântica;
· Construção de fundos autogestionados para desenvolvimento de ações estruturantes nas comunidades;
· Elaboração de parcerias com instituições aliadas para potencializar nossas ações;
· Incidência internacional conjunta.

Confira aqui a carta-manifesto na íntegra.

Oficina “Projeto Povos”, segundo dia do Encontro Nacional dos Fóruns de Comunidades Tradicionais. Foto: Juliana Jejety

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