Organizações reivindicam a adoção de medidas de enfrentamento à violência política dirigidas à mulheres negras

Documento entregue para partidos políticos recomenda adoção de ações como apoio financeiro e de proteção e segurança às candidatas

Na Terra de Direitos

No dia 05 de agosto de 2024, no marco do prazo para os partidos deliberarem sobre a formação de coligações e sobre a escolha de candidata/os aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, diversos partidos receberam uma carta assinada por mais de 1.500 pessoas com reivindicações para o enfrentamento à violência política de gênero e raça nas eleições de 2024. A carta foi escrita pelo Instituto Marielle Franco, movimento Mulheres Negras Decidem, Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Eu voto em negra, Justiça Global, Terra de Direitos, Observatório de Favelas, Coalizão Negra por Direitos, Instituto Alziras e Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas.

Até hoje, crescem os números de denúncia de casos de violência política, e as mulheres negras seguem sub-representadas na política institucional: de acordo com dados das eleições de 2020, elas contabilizam apenas 6,3% nas câmaras legislativas e 5% nas prefeituras. Em 2021, foi aprovada a Lei de Violência Política no Brasil, a qual prevê a responsabilidade dos partidos políticos para prevenir a violência política de gênero e raça e proteger as mulheres na política. Contudo, a maioria dos partidos políticos continuam negligenciando a necessidade de criação de políticas internas de proteção e segurança efetivas para mulheres negras candidatas e parlamentares, e descumprindo a lei de violência política. A prevenção e combate à violência política de gênero e raça é fundamental para ampliar a participação de mulheres negras nos espaços de poder.

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As organizações defendem que precisamos de mais mulheres negras e periféricas defensoras dos direitos humanos no poder. E precisamos que elas não sejam interrompidas!Nestas eleições de 2024 temos a oportunidade de garantir que as Câmaras de Vereadores e as Prefeituras das nossas cidades tenham mais mulheres, pessoas negras e faveladas que defendem nossos direitos, para que os espaços de tomada de decisão tenham mais a cara do povo. Lígia Batista, diretora executiva do Instituto Marielle Franco, explica que “o envio da carta aos partidos é uma ação que faz parte da campanha Não Seremos Interrompidas realizada pelo Instituto Marielle Franco em parceria com diversas organizações da sociedade civil que tem como objetivo cobrar dos partidos políticos compromissos e parâmetros para implementação das resoluções do TSE e da Lei de Violência Política sobre mecanismos de prevenção, proteção e acolhimento de denúncias de violência política.”

Com o objetivo de incentivar o ingresso das mulheres na política brasileira e garantir-lhes um exercício de mandato livre de barreiras preconceituosas, em 4 de agosto de 2021, foi aprovada a primeira Lei sobre Violência Política: a Lei nº 14.192/2021, a qual define violência política contra a mulher como: “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.

A Lei de Violência Política determina que os partidos políticos deveriam adequar seus estatutos ao disposto nessa Lei no prazo de 120 dias, contado da data de publicação da nova Lei. Segundo a Lei, o Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher. Todos os partidos políticos foram alertados para esse prazo por meio de ofício expedido pela Procuradoria Geral Eleitoral.

Após a fim do prazo para adequação, a Procuradoria-Geral Eleitoral do Ministério Público Eleitoral, em 21/02/2022, emitiu uma Recomendação aos Diretórios Nacionais dos Partidos Políticos para que estes promovam as alterações necessárias no estatuto partidário em consonância com o disposto na Lei 14.192/2021, valendo-se, para tanto, das melhores orientações e práticas internacionais neste tema.

A implementação dessa política pública, de fomento de maior participação das mulheres na política, adotada pelo Estado brasileiro atende às recomendações e orientações de organismos internacionais e dos Tratados de que o Brasil é signatário, como, por exemplo, o “Protocolo Modelo para Partidos Políticos: Prevenir, Atender, Sancionar e Erradicar a Violência contra as Mulheres na Vida Política” (OEA, 2019), bem como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).

“A Lei ainda precisa ser aperfeiçoada, melhorada e aplicada, e, além da ampla disseminação das novas regras, é essencial o monitoramento e a responsabilização dos partidos políticos no combate a estas formas de violência. A eleição municipal se aproxima e precisamos pautar o debate sobre violência política de gênero e raça e o que ela significa para a vida de mulheres negras como Marielle, que tiveram sua vida atravessada pela violência”, explica Lígia Batista.

O crescimento do extremismo de direita na sociedade e em espaços de poder vem sendo observado não apenas no Brasil, mas em diversos países do mundo. Nesse contexto, os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e coletivos de mulheres negras transexuais, travestis e cis vêm protagonizando a resistência a uma série de ataques antidemocráticos e fundamentalistas aos nossos direitos a conquistas importantes, frutos de décadas de luta. Um desses retrocessos foi o avanço da PEC 09. A Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos, no dia 11 de julho deste ano, a Proposta de Emenda Constitucional número 09 de 2023, a PEC da Anistia, na qual perdoa os partidos políticos que descumpriram a Lei de Cotas de distribuição de recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda em Rádio e TV no processo eleitoral de 2022. Está PEC fragiliza a Justiça Eleitoral, reduz a integridade dos partidos, além de representar um aval para que os partidos sigam desconsiderando o racismo e a extrema desigualdade de gênero na representação de mulheres e pessoas negras na política.

Dessa forma, as organizações sociais e as pessoas que assinam esta carta, solicitam na carta que os partidos políticos implementem as seguintes recomendações:

1. Garantir um apoio financeiro adequado às pré-candidatas e candidatas vítimas de violência política, especialmente mulheres negras, trans, travestis e defensoras de direitos humanos, reconhecendo a desigualdade no acesso a redes de apoio e capacidade financeira para lidar com os impactos da violência política.

2. Distribuir de forma adequada o financiamento de campanhas como medida preventiva a episódios de VPGR e fornecer apoio financeiro para adoção de medidas de proteção e segurança.

3. Cumprir integralmente as seguintes recomendações do TSE:

a. Resolução nº 23.730/2024 (fundo eleitoral)
i. Sobre a gestão do fundo altera a Resolução 23.605/2019 – Após o recebimento dos recursos financeiros do FEFC, o diretório nacional do partido político deverá providenciar imediatamente a divulgação, em sua página de internet, do valor total do FEFC e os critérios de distribuição desses recursos aos seus candidatos.

b. Resolução nº 23.731/2024 (prestação de contas)
i. Sobre arrecadação e gastos dos recursos altera a Resolução 23.607/2019 –
§ 5º-A: A regularidade da aplicação mínima dos percentuais será apurada na prestação de contas do diretório nacional do partido político, que deverá abrir contas bancárias específicas para comprovar a regularidade da destinação dos recursos. Os recursos correspondentes aos percentuais previstos devem ser distribuídos pelos partidos até 30 de agosto no ano das eleições.

c. Resolução nº 23.729/2024 (registro de candidatura)
i. altera a Resolução 23.609/2019, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidatas e candidatos para as eleições. § 3º-A O partido ou a federação que disputar eleição proporcional deverá apresentar lista com ao menos uma candidatura feminina e uma masculina para cumprimento daobrigação legal do percentual mínimo de candidatura por gênero. Art. 2 0. (…) § 5º A conclusão, nas ações referidas no § 1º, pela utilização de candidaturas femininas fictícias, acarretará a anulação de todo o DRAP e a cassação de diplomas ou mandatos de todas as candidatas e de todos os candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de sua participação, ciência ou anuência, com a consequente retotalização dos resultados e, se a anulação atingir mais de 50% (cinquenta por cento) dos votos da eleição proporcional, a convocação de novas eleições. (Incluído pela Resolução nº 23.675/2021).

d. Resolução nº 23.732/2024 (propaganda eleitoral)
i. Altera a Resolução 23.610/2019. A regra continua sendo que mulheres devem receber parcela do tempo de TV na proporção equivalente à quantidade de candidatas, assegurado o mínimo de 30%, aferido na circunscrição. A lei não determina que o tempo seja distribuído igualmente entre todos os candidatos. Os partidos podem avaliar que é importante concentrar o tempo em um candidato, para aumentar suas chances. Não há garantia legal de distribuição de recursos em parcelas iguais (nem mesmo de parcela mínima), no que se refere aos recursos públicos. A lei define, corretamente, que um percentual mínimo de recursos públicos seja destinado às mulheres – mas não como estes recursos devem ser distribuídos entre as candidatas.
ii. Distribuição do tempo na programação – Os percentuais destinados a candidatos e candidatas deverão ser observados tanto globalmente, no conjunto do tempo, quanto separando o tempo no rádio e na televisão e, em cada um desses meios, nos blocos e nas inserções. A aferição do disposto no § 4º deste artigo será feita no período total de campanha e em cada ciclo semanal da propaganda.
iii. Penalidades – Comprovado o não atingimento dos percentuais destinados às candidaturas de mulheres e de pessoas negras em um ciclo semanal de propaganda eleitoral gratuita, o tempo faltante deverá ser compensado nas semanas seguintes, pelo período necessário para assegurar o cumprimento da proporcionalidade até o fim da campanha. As candidatas e os candidatos prejudicadas(os) pelo descumprimento dessas regras poderão requerer judicialmente a compensação do tempo de propaganda a que têm direito. não há previsão legal para o descumprimento em si da regra.
iv. Fiscalização – deve ficar a cargo dos partidos, candidatos e da própria sociedade civil essa fiscalização.

e. Resolução nº 23.734/2024 (sistemas eleitorais, totalização dos votos, proclamação dos resultados e diplomação)
i. altera a Resolução 23.677/2019, que dispõe sobre sistema eleitoral (distribuição das cadeiras), retotalização e as ações decorrentes do processo eleitoral nas eleições gerais e municipais.
ii. Caso ocorra a terceira fase (“sobra das sobras”), não se exige nem a votação nominal mínima dos candidatos (20% do QE), nem tampouco votação (80% do QE) mínima dos partidos (votos nominais e de legenda). Dessa forma, os partidos que na segunda fase (“sobras”) tinham sido impedidos de participar, voltarão a disputar cadeiras na terceira fase.

f. Resolução nº 23.735/2024 (ilícitos eleitorais)
i. Nova espécie de resolução – O Tribunal definiu elementos para caracterizar a fraude à cota de gênero, buscando positivar parâmetros para julgamentos destes casos. São suficientes para a caracterização da fraude a obtenção de votação zerada ou irrisória de candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha em benefício próprio.
ii. são necessários os três elementos citados para que a caracterização reste estabelecida, mas pode ser interpretado de outra forma, como se bastasse um dos elementos para que se configurasse o ilícito.
iii. penalidades – acarreta a cassação do diploma de todas as candidatas eleitas e de todos os candidatos eleitos, a invalidação da lista de candidaturas do partido ou da federação que dela tenha se valido e a anulação dos votos nominais e de legenda (§ 5º), o que pode acarretar inclusive a anulação da eleição, nos casos em que a lista invalidada tenha 50% ou mais dos votos
iv. A negligência do partido nos atos necessários ao registro de candidatas, ou da substituição de candidatas indeferidas, também configura o ilícito.

4. Cumprir integralmente a Recomendação PGE nº 1, de 14 dezembro de 2023, da Procuradoria-Geral Eleitoral: recomendação aos partidos políticos, em relação às Eleições Municipais de 2024, sobre distribuição de recursos do FEFC e distribuição do tempo de propaganda.

5. Adequar o estatuto partidário ao disposto na Lei 14.192/2021, definindo mecanismos para prevenção e enfrentamento a violência política no interior do partido, com especial atenção a violência política de gênero e raça cometida contra mulheres negras e LBTQIA+.

6. Realizar formação interna permanente e campanhas sobre Violência Política de Gênero e Raça, como medida preventiva e de enfrentamento, reiterando o compromisso inabalável com a pauta e considerando as dimensões do racismo e transfobia nesse ínterim;

7. Adotar medidas para prevenir represálias internas contra aquelas mulheres que apresentarem queixas de assédio ou violência política cometida por integrantes do partido.

8. Ofertar apoio jurídico, bem como apoio político necessário em casos de violência política

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