Ato em memória das vítimas relembra os 29 anos do Massacre de Corumbiara/RO

por Wilians Santana (FETAG-RO), em CPT Regional Rondônia / Comunicação CPT Nacional

Na manhã da última sexta-feira (09), um ato público em memória das vítimas do massacre na fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara/RO, marcou os 29 anos daquele dia cinzento, triste e sangrento, conhecido como “Massacre de Corumbiara”, o qual interrompeu o sonho de várias famílias que buscavam o seu pedacinho de chão.

O memorial construído está localizado na LH 02 do Assentamento Alzira Augusto Monteiro, antiga Fazenda Santa Elina, tendo sido inaugurado no ano passado, como homenagem do Conselho Regional de Psicologia da 24a. Região (CRP-24), a pedido das famílias do local (confira aqui a divulgação da inauguração).

O evento em memória das vítimas foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Corumbiara, em parceria com os demais sindicatos do Regional Cone Sul, bem como com as igrejas Católica e Adventista, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações civis, e contou com a participação de vários agricultores e agricultores familiares e lideranças locais para fazer memória de todas as vítimas que tombaram por terra naquela localidade. Participaram do ato: representantes dos STTRs de Corumbiara, Vilhena/Chupinguaia e Cerejeiras/Pimenteiras; membros da coordenação regional e agentes da CPT; o Bispo Diocesano de Guajará-Mirim, Dom Benedito Araújo; Padre Anilson Ferreira, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e Teófilo Santana, diretor de meio ambiente da FETAGRO.


Relato do Massacre | Texto: João Ribeiro de Amorim (CPT-RO) 

O cruel e sangrento Massacre de Santa Elina, também chamado de Massacre de Corumbiara, completa 29 anos neste 09 de agosto. O município era recém-emancipado, tinha apenas 03 anos de criação. Deixou cicatrizes profundas e tristes lembranças em toda a região do Cone Sul de Rondônia. Esse triste episódio é mais um subproduto da desigualdade social no Brasil, e que tem raízes históricas que remontam desde o colonialismo europeu, que consistia em invadir territórios alheios, escravizar pessoas e distribuir imensas áreas de terras aos chamados senhores de engenho. No Brasil, implantou-se as Capitanias Hereditárias, que eram grandes extensões de terras tomadas dos indígenas originários e distribuídas aos nobres de confiança do rei de Portugal.

De lá pra cá, ao longo dos séculos, pouca coisa mudou com a ocupação. A desigualdade na distribuição de terras continuou repetindo a mesma gênese de tantos outros massacres acontecidos contra os índios, camponeses e posseiros.

A distribuição desigual de terras e a grilagem na região de Corumbiara remonta ao período da ditadura militar nas décadas de 60/70/80, quando Rondônia ainda era Território Federal, através de Contrato de Alienação de Terras Públicas (CATPs), primeiro com a tomada de terra dos povos originários, dizimando suas aldeias, roubando suas madeiras e suas riquezas, como foram registrados os casos dos índios Omerê, Akuntsu e o Índio do Buraco, em Corumbiara, onde seus povos foram exterminados. As melhores terras foram entregues ao grande latifúndio. Aos pobres restou somente a ocupação que avançou palmo a palmo resultando nos assentamentos Verde Seringal, Vitória da União, Roncauto e Adriana, onde a maioria das vezes resultando em conflitos violentos.

O Massacre de Corumbiara foi um dia de tristeza e de agonia, que parecia uma eternidade para quem vivenciou aquele triste momento. A tragédia ficou gravada negativamente na história de Rondônia, e a notícia correu o mundo. O conflito envolvendo policiais militares, jagunços e centenas de famílias de sem-terra, resultou na morte e tortura de inúmeras pessoas. Notou-se o despreparo das forças de segurança no trato com a situação, pois, a função seria proteger e salvar vidas. Nos relatos consta que, por volta de 3h30 da madrugada, policiais militares e jagunços avançaram e cercaram o acampamento, grande parte deles usando máscaras ou com rostos pintados. O ataque iniciou na escuridão da madrugada com holofotes ligados, arremesso de bombas de gás lacrimogênio e rajadas de tiros que avançou até ao alvorecer do dia, e seguiu pela manhã. Depois de dominados, vários detidos passaram por sessões de espancamento e tortura. Na fuga pela mata, a pequenina e inocente Vanessa dos Santos, de apenas seis anos, quando fugia desesperadamente junto com sua família, teve o corpo trespassado nas costas por uma bala, jorrou seu sangue inocente pelo chão da Santa Elina.

Consta também nos relatos que as mulheres e crianças que não conseguiram fugir, sendo usadas como escudo humano pelos policiais e jagunços, e na sequência, várias execuções, e muitos posseiros fuzilados a queima roupa. Tombaram por terra os mártires: Nelci Ferreira, Enio Rocha Borges, José Marcondes da Silva, Ercílio Oliveira Campos, Odilon Feliciano, Ari Pinheiro Santos, Alcino Correia da Silva e Sérgio Rodrigues Gomes, que foi tirado vivo do local, executado depois, e seu corpo jogado no rio Tanaru, a 70 km do local. Além disso, vários desaparecidos jamais foram encontrados. É o caso do jovem Darli Martins, morador da linha 05, filho de pioneiros de Corumbiara, e seu corpo nunca mais localizado para um enterro digno.

Em janeiro de 2020, a Justiça de Rondônia finalmente declarou a morte presumida do mesmo. No confronto também morreram 02 policiais: Tenente Rubens Fidélis Miranda e Soldado Ronaldo de Souza. Em tratamento desumano, típico de campo de concentração, foram confinados no campinho de futebol do assentamento Adriana, depois de muitos espancamentos e hematomas pelo corpo, como animais, foram jogados em caminhões de carroceria. Cerca de 355 pessoas foram aprisionadas e levadas para o ginásio poliesportivo e delegacia de polícia de Colorado do Oeste, onde, sem se alimentar, sofreram as piores humilhações, fisicamente, moralmente e psicologicamente, tiveram que tirar as roupas e ficaram só de cueca.

Em função do conflito, alguns dias após, a região de Corumbiara voltou ao palco dos noticiários. Em dezembro daquele ano, foi assassinado covardemente o vereador Manoel Ribeiro, o Nelinho, que era muito querido por todos na região, e que apoiou moralmente os camponeses de Santa Elina. O massacre de Corumbiara levou Rondônia e o Brasil a responderem na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) por violação do direito à vida e dos direitos humanos.

Em 21 de agosto de 1998, proposto pelo então vereador Valdemar, popular Sapo (in memoriam) foi criada a Lei Municipal nº 137, que estabeleceu o dia 9 de agosto como feriado municipal em Corumbiara, onde o município para celebrar em memória às vítimas do Massacre de Corumbiara.

A luta e o sangue derramado não foi em vão. À custa de muito sangue derramado desses mártires, resultou em vários assentamentos, sendo em Corumbiara criado o Assentamento Guarajús, também denominado de Nova Vanessa, em memória a pequena Vanessa, e no município de Theobroma sendo criado os assentamentos Santa Catarina, Rio Branco e Lagoa Nova, e a consequente criação da Vila Palmares do Oeste.

Quinze anos após o massacre, houve novas ocupações, e com a tensão eminente, foi desapropriada parte da Fazenda Santa Elina, que compreende Água Viva e Maranatá, que foram subdivididas em denominações de vários assentamentos que levam o nome de Zé Bentão, Renato Natan, Alzira, etc, onde mais de 700 famílias de assentados produzem e alimentam seus filhos.  

“Meu Senhor, pelos Santos Inocentes, quero Vos rogar hoje por todos aqueles que são injustiçados, sofrem ameaças, são marginalizados e incompreendidos. Olhai pelos pequeninos, abandonados e assassinados pela estrutura de morte de nossa sociedade. Que convosco eles alcancem dignidade e paz. Amém.”

Foto: FETAG-RO / CPT-RO

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