‘Feirão da Terra Pública’ leva grilagem e conflitos para território Akroá-Gamella do Uruçuí

Nesta terça-feira (17), o MPF entrou com uma ação na Justiça Federal contra a União e a Funai dando um prazo de um ano para a conclusão da demarcação das terras Akroá-Gamella

Um grupo formado na cidade de Uruçuí, cerrado piauiense, têm grilado terras públicas retomadas pelo povo Akroá-Gamella com o objetivo de estabelecer nelas famílias de posseiros. A grilagem se intensificou nas últimas semanas por conta da campanha eleitoral. Pelo aplicativo WhatsApp, um verdadeiro ‘Feirão da Terra Pública’, contando com a condescendência das autoridades locais, promove corrida ao território indígena – em processo de demarcação desde 2018.

O grupo é formado por grileiros, correligionários e políticos locais. Carros de campanha eleitoral são flagrados nos momentos em que as famílias são levadas para as terras reivindicadas pelos Akroá-Gamella. Os líderes do processo de grilagem falam abertamente que sabem da reivindicação dos indígenas junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que iniciou o procedimento de identificação e delimitação, mas as áreas podem ser loteadas sem impedimento porque não há conclusão da demarcação.

Os grileiros alegam às famílias posseiras que as terras são da Prefeitura de Uruçuí, portanto “não estão entrando em terra de ninguém”

Entre a semana passada e esta semana, mais famílias de posseiros chegaram ao território indígena gerando tensão, ameaças e ataques aos Akroá-Gamella. Os grileiros alegam às famílias posseiras que as terras são da Prefeitura de Uruçuí, portanto “não estão entrando em terra de ninguém”. Os áudios circulam livremente por grupos de WhatsApp. Os Akroá-Gamella preferem não confirmar quem são os autores do áudio porque temem represálias.

“A gente tá vendo aqui num novo negócio e aí fazemos uma nova chamada no outro grupo (…) vamos nos preparar aqui e aí a gente chama todo mundo (…) lá na Ladeira da Carroça ainda tá em questão. Essa outra é lá no Toco Preto. Mas 80% das pessoas da Ladeira da Carroça já tão lá tá com uns dois meses. Tamo ajeitando pessoal nessa outra área aí (Toco Preto). Faltam 108 famílias para ir para lá. Muita gente mesmo”, diz um grileiro em uma série de áudios no WhatsApp.

“Aqui é Terra Indígena, do nosso povo. Vocês têm direito à terra também, mas não aqui as nossas”

Lideranças do povo alertam as autoridades e pessoas envolvidas que as terras não podem ser disponibilizadas porque são reivindicadas formalmente ao Estado. Os próprios posseiros também foram alertados. “Olhe, não venha para cá, não. Aqui é Terra Indígena, do nosso povo. Vocês têm direito à terra também, mas não aqui as nossas. Isso vai dar dor de cabeça. Não caia nisso daí deles (políticos) porque é grilagem”, alerta um indígena em áudio de WhatsApp.

“A maioria pra mim aí é índio fake. Quem é da etnia eu respeito. Mas eu lhe digo que estou baseado em documento. Ninguém tá entrando na área de ninguém. A área eu conheço, os limites. Tenho toda a documentação em mãos. Nós vamos continuar”, declarou o mesmo grileiro cujos áudios foram reproduzidos acima. A Polícia Militar foi acionada para ir às terras griladas diante da iminência de um conflito.

“Disseram que em Uruçuí não tem índio, mas tem sim. Somos filhos e filhas desta terra”

“Disseram que em Uruçuí não tem índio, mas tem sim. Somos filhos e filhas desta terra. Muitos mataram, muitos foram desterrados. Acontece que tem muito indígena do nosso povo espalhado. Estão em São Paulo, Brasília, Tocantins e Maranhão. Essa terra que a gente reivindica é para um retorno, então é uma terra tradicional, indígena”, explica a cacique Maria da Conceição de Souza, conhecida como Dam.

MPF pede na Justiça conclusão da demarcação

Uruçuí está a cerca de 453 km de Teresina, capital piauiense. São 88 famílias Akroá-Gamella que vivem no Vale do Uruçuí Preto, 35 famílias localizadas no Assentamento Santa Tereza, 21 famílias no Assentamento Flores, quatro famílias na comunidade Bananeira e 120 famílias no Sangue. Os números são do Cadastro de Famílias Indígenas mantido pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Há pelo menos 500 indígenas do Uruçuí em outras terras Akroá-Gamella no Piauí, que estão localizadas nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Currais, Bom Jesus, Uruçuí e Gilbués. No total, são 867 famílias Akroá-Gamella no Piauí totalizando 2.678 indígenas. O procedimento de identificação e delimitação das terras está travado desde 2018. Por conta disso, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação na Justiça Federal.

O MPF pede na ação que o processo de demarcação seja concluído no prazo de um ano

De acordo com o procurador da República André Batista e Silva, o MPF pede na ação que o processo de demarcação seja concluído no prazo de um ano, a partir da concessão da liminar, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Para o MPF, é injustificável a demora por parte da Funai, o que tem intensificado as ameaças contra os indígenas, a grilagem e a depredação ambiental das áreas tradicionais em estudo.

O Instituto de Terras do Piauí (Interpi) trabalha para a regularização de 18 áreas indígenas no estado. Dentre elas, oito são para comunidades Akroá-Gamella nos municípios de Uruçuí, Currais, Bom Jesus e Baixa Grande do Ribeiro. Isso ocorre porque desde 2019 há uma legislação vigente no Piauí determinando que o Interpi regularize a parte fundiária de áreas de comunidades tradicionais, entre elas os povos indígenas.

Famílias de posseiros, conduzidas por grileiros, chegam ao território indígena gerando tensão, ameaças e ataques aos Akroá-Gamella. Foto: Divulgação/Comunidade Akroá-Gamella

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