Marcelo Iunes pressiona por obras na hidrovia do Rio Paraguai, que enfrenta pior seca em 51 anos, e pela relicitação de ferrovia da Rumo Logística, responsável por incêndio que destruiu 17 mil hectares; licenciado do PSDB, ele apoia candidatura do secretário Luiz Antônio Pardal (PP)
Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas
Acostumados à vida perto da água, os moradores da comunidade de Barra do São Lourenço, no município de Corumbá (MS), observam o Rio Paraguai se afastar cada vez mais das casas. “Em 2018 ele chegou até aqui na barranca e desceu”, lembra a artesã Leonida Aires de Souza, moradora da comunidade. “Daí pra cá, nada mais”.
Ali vivem 22 famílias que se dedicam à pesca e ao cultivo de alimentos. “A gente só planta o que a gente quer comer: mandioca, banana, cebolinha, salsa, coentro”, conta Leonida. “Melancia hoje a gente nem tá conseguindo mais produzir, com a seca”.
De Barra do São Lourenço até a cidade de Corumbá são 205 quilômetros rio acima. O deslocamento pode levar de sete horas a três dias, a depender do tipo de embarcação. O caminho é feito pelos rios, principal via de deslocamento dos moradores da comunidade. Mas, com a seca, as viagens de barco ficaram mais arriscadas. Em vários trechos, a navegação se tornou inviável devido ao nível do Rio Paraguai — o menor em 51 anos.
A seca histórica não impediu que a qualificação do tramo norte da Hidrovia Paraguai/Paraná entrasse no Novo PAC. O projeto prevê a dragagem de 680 quilômetros no trecho que vai de Corumbá até Cáceres, no Mato Grosso, permitindo a navegação de navios de calado mais fundo, como já acontece no tramo sul da hidrovia, que desce até a foz do Rio Apa, suportando comboios de transporte de grãos e minérios.
As obras começaram neste ano: até agosto, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que foram removidos 110 mil metros cúbicos de sedimentos em sete dos 25 pontos críticos identificados. Nem as queimadas que assolam a região foram capazes de paralisar as máquinas.
O projeto impacta um trecho estratégico para conservação do Pantanal por ser um dos mais preservados do bioma. No caminho da hidrovia estão três unidades de conservação: o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, o Parque Estadual do Guirá e a Estação Ecológica de Taiamã, que possui a maior incidência de onças-pintadas do continente. Além delas, as obras afetam diretamente a Terra Indígena Guató.
O prefeito de Corumbá, Marcelo Iunes, é um dos principais defensores do projeto. “A Hidrovia do Paraguai não é apenas uma rota fluvial, é uma artéria vital para o desenvolvimento econômico, social e ambiental da nossa região”, afirmou durante encontro do Circuito Nacional dos Diálogos Hidroviáveis, em novembro de 2023. O evento foi sediado pelo Sindicato Rural de Corumbá.
O município é destaque no dossiê “Os Gigantes”, publicado em setembro pelo De Olho nos Ruralistas. Durante quatro meses, nosso núcleo de pesquisa analisou as políticas ambientais e climáticas nas prefeituras dos cem maiores municípios brasileiros. Juntos, eles compõem 37% do território nacional.
Na 11ª posição entre os Gigantes — o tamanho da Letônia — Corumbá é líder em queimadas em 2024. De janeiro a agosto, o município perdeu 617 mil hectares de vegetação pantaneira, segundo dados do MapBiomas. A área é quatro vezes maior que São Paulo. Maior que todo o Distrito Federal.
LISTADA NO NOVO PAC, FERROVIA CAUSOU INCÊNDIO EM 17 MIL HECTARES
O prefeito Marcelo Iunes é um aliado próximo do governador Eduardo Riedel (PSDB), de quem era colega de partido até poucos meses atrás. Ele se licenciou em abril para apoiar a eleição de seu sucessor, o secretário de governo Luiz Antônio Pardal, do PP, que aparece em segundo lugar nas pesquisas. Quem lidera é o candidato da oposição, Dr. Gabriel (PSB), que tem como vice a tucana Bia Cavassa, ex-deputada federal e membro importante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) durante seu período no Congresso.
Nos últimos meses de seu mandato, Iunes tenta desbloquear outro projeto listado no Novo PAC. Trata-se da relicitação e requalificação da Ferrovia Malha Oeste, que conecta o Mato Grosso do Sul ao Porto de Santos (SP). “Precisamos, o mais rápido possível, colocar em prática esse processo para que Corumbá deixe de ser o início ou o fim da linha ferroviária para tornar-se o meio da rota bioceânica”, defendeu o prefeito durante uma audiência pública realizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em Campo Grande.
A rota bioceânica à qual Iunes se refere é o Corredor de Capricórnio, um eixo rodoviário que liga Antofagasta, no Chile, até Paranaguá, no litoral brasileiro. No caminho estão regiões produtoras de grãos e carne bovina, como a província de Jujuy, no norte da Argentina, o Chaco paraguaio e o Mato Grosso do Sul. Uma das principais obras do corredor é uma ponte sobre o Rio Paraguai, ligando Porto Murtinho a Carmelo Peralta. O projeto está em construção e deve ser entregue em novembro de 2025.
Apesar do foco no modal rodoviário, existem estudos para criar uma segunda opção, conectando as ferrovias da Empresa Ferroviaria Oriental, na Bolívia, com a Malha Oeste, administrada pela Rumo Logística. A ligação se daria justamente na fronteira entre Corumbá e Puerto Quijarro, cujos centros urbanos estão separados por menos de 10 quilômetros.
Em agosto, a Rumo Logística foi multada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em R$ 57 milhões após uma faísca — gerada durante a manutenção dos trilhos — iniciar um incêndio florestal que consumiu 17,8 mil hectares do Pantanal. A queimada ocorreu precisamente em Corumbá. Segundo o órgão ambiental, a empresa descumpriu condicionantes do licenciamento ambiental e não possuía equipamento adequado para conter as chamas.
Principal operadora de modal ferroviário no Brasil, a Rumo pertence ao grupo sucroenergético Cosan, do bilionário Rubens Ometto — o maior doador individual de campanhas políticas nas últimas três eleições. Até julho, a operadora ferroviária era dirigida pelo executivo João Alberto Fernandez de Abreu, que deixou a Rumo para assumir o cargo de CEO da Suzano, dona de um megaprojeto de celulose no estado e uma das principais lobistas pela relicitação da Malha Oeste: “Os Gigantes: em Ribas do Rio Pardo (MS), Suzano participa até do ordenamento territorial“.
O trecho sul-mato-grossense da ferrovia está sob contrato de operação com a Rumo até 2025, mas a empresa solicitou à ANTT a devolução da concessão.
CONFIRA VÍDEO SOBRE “OS GIGANTES” EM NOSSO CANAL NO YOUTUBE
O território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais próximo do Canadá do que de Chuí, no extremo sul do país. Entre o litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa e Moscou.
Entre esses extremos existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto cujas proporções são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios do país. O maior deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que Portugal.
“É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.
Além do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.
O primeiro episódio está disponível em nosso canal no YouTube. Confira abaixo:
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Foto principal (Jocemir Antunes/Ecoa): Rio Paraguai enfrenta a pior seca em 51 anos enquanto prefeito pressiona por conclusão de hidrovia