Por Carlos Henrique Silva*, em CPT
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Amazonas marcou presença nos dias 02 e 03 de dezembro, no 1º Encontro dos Territórios de Uso Comum do Amazonas, junto ao Ministério Público Federal (MPF) e organizações parceiras, como o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), a Coordenação Estadual de Articulação de Quilombos do Amazonas (Conaq-Amazonas) e o Instituto de Educação do Brasil (IEB).
O encontro contou com representantes de territórios de povos e comunidades tradicionais dos municípios de Barreirinha, Urucurituba, Manicoré, Juruá, Carauari, Tefé, Alvarães, Apuí, Maués, Itacoatiara, Tapauá, Canutama e Manaus, que demandam seus direitos territoriais no Fórum Diálogo Amazonas (FDA), trazendo suas realidades e demandas fundiárias.
Em 2021, uma alteração na Lei de Terras do Amazonas (Lei 3.804/2012, com a atualização da Lei 5.536/2021) passou a permitir a concessão de Contrato de Direito Real de Uso Coletiva e por tempo indeterminado, visando a regularização de territórios de povos e comunidades tradicionais. Essa mudança criou condições para o desenvolvimento de uma política pública voltada a proteger e reconhecer esses territórios, denominados TUCs (Territórios de Uso Comum). Contudo, desde a aprovação da lei, apenas foi registrado o reconhecimento e proteção de um território tradicional pelo Estado do Amazonas: o Território de Uso Comum (TUC) do Rio Manicoré, em março de 2022.
De acordo com o pe. Manuel do Carmo, agente pastoral da CPT Amazonas, o momento foi de formação e informação jurídica, geográfica, antropológica, social, debates e trocas de experiências entre os participantes mediante aos desafios, propostas e encaminhamentos de soluções aos Povos da Floresta, criação de TUCs – Terras de Uso Comum, entre as melhores formas de proteção e guardiã das Terras das Florestas para os Povos da Floresta e sua biodiversidade. O primeiro dia do encontro foi reservado apenas para comunidades tradicionais. Já o segundo, aberto ao público.
Além da presença de lideranças comunitárias de territórios tradicionais, o evento teve a presença de representantes do poder público, como o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (Sect), Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Corregedoria Geral da Justiça (CGJ), Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (PGE) e Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE). Também estão convidadas organizações não governamentais (ONGs) envolvidas com questões ambientais e territoriais.
Direitos fundiários
A iniciativa é vinculada ao Fórum Diálogo Amazonas, criado em 2012, com articulação e apoio de instituições como a CPT, CNS, o IEB, o MPF e a PGE. Seu principal objetivo é promover a garantia de direitos fundiários e a regularização das terras ocupadas por povos e comunidades tradicionais no Amazonas. Ao longo destes anos, essa iniciativa possibilitou a regularização fundiária de 22 Unidades de Conservação de Uso Sustentável e, recentemente, de um Território de Uso Comum (TUC), somando quase 14 milhões de hectares de áreas públicas regularizadas destinadas e 8.656 mil famílias agroextrativistas beneficiadas no Amazonas.
Confira a Carta dos povos e comunidades tradicionais, publicada ao final do encontro:
Carta do 1º Encontro dos Territórios de Uso Comum do Amazonas
Nós, povos e comunidades tradicionais, cujos territórios estão localizados em áreas sob domínio do Estado do Amazonas, nos municípios de Manicoré, Apuí, Juruá, Carauari, Alvarães, Tefé, Tapauá, Maués e Presidente Figueiredo, somos demandantes de processos de regularização fundiária coletiva na Secretaria de Estado das Cidades e Território. Reunidos no 1º Encontro dos Territórios de Uso Comum, iniciativa vinculada ao Fórum Diálogo Amazonas, apresentamos nesta carta nossas propostas para a construção de uma politica púbica estadual de regularização fundiária voltada dos povos e comunidades tradicionais.
Os povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. A recente alteração da lei sobre a destinação das terras situadas em áreas públicas do estado do Amazonas trouxe a possibilidade da Concessão de Direito Real de Uso ser expedida na modalidade coletiva e com prazo indeterminado quando se destinar à regularização fundiária coletiva de povos e comunidades tradicionais.
Em março de 2022, o Estado do Amazonas reconheceu o Território de Uso Comum (TUC) do Rio Manicoré, uma conquista significativa. Contudo, mais de dois anos se passaram desde então, e nenhum avanço foi registrado, mesmo com novos pedidos protocolados junto ao estado e o constante acompanhamento do Grupo de Trabalho do Fórum Diálogo Amazonas. Essa inércia revela a ausência de uma politica pública consolidada para o reconhecimento e proteção de territórios tradicionais, apesar das mudanças legislativas e da experiência inicial com o TUC do Rio Manicoré.
Frente ao agravamento das mudanças climáticas, somado à grilagem de terras e a exploração predatória dos recursos naturais, é urgente que o Estado do Amazonas – detentor da maior cobertura florestal da Amazônia brasileira – elabore, com participação popular, uma política fundiária robusta. Essa política deve não apenas impedir o avanço da grilagem, do desmatamento e da degradação ambiental, mas também posicionar o Estado como um ator-chave no enfrentamento das mudanças climáticas no Brasil.
Recomendações estruturantes para a construção de uma política pública fundiária para povos e comunidades tradicionais do estado do Amazonas
- Publicação do Decreto que estabelece o procedimento para a expedição de concessões de Direito Real de Uso Coletivas nos Territórios de Uso Comum por parte do estado do Amazonas. Esta proposta normativa foi debatida em grupo de trabalho com representantes da sociedade civil e encontra-se na Casa Civil identificado pelo número de protocolo 01.01.011103.004343/2022-88.
- Criação de uma política pública de destinação de terras publicas estaduais do estado do Amazonas, com prioridade para regularização fundiaria coletiva de povos e comunidades tradicionais.
- Transparência sobre os procedimentos administrativos relacionados à emissão do DRU coletivo, com possiblidade de acompanhamento online por parte das associações concessionárias em relação a tramitação dos TUCs pela burocracia da SECT e do estado do Amazonas.
- Como parte da política de destinação de terras públicas estaduais do Amazonas, criar uma “Câmara de Técnica de Destinação e Regularização de Terras Públicas Estaduais” com representação paritária entre órgãos governamentais e sociedade civil do Amazonas.
- Inscrição dos TUCs na base cartográfica do estado. Colocar os limites geográficos dos TUCs decretados e em tramitação nas bases unificadas da SECT, SEMA e IPAAM e demais órgãos afeitos à temática territorial e ambiental.
- Expedição de Recomendação, por parte da Corregedoria Geral de Justiça do Amazonas – CGJ AM, voltada aos tabeliães e oficiais de cartórios de registro de imóveis no estado para que realizem a averbação, de forma gratuita, dos TUCs as matrículas dos imóveis estaduais.
- Definição dos papéis de cada uma das partes na gestão do território, mesmo nos casos de cogestão, o protagonismo deve ser das comunidades.
- O estado é competente pela fiscalização dos TUCs, ainda que a gestão territorial seja autônoma por parte da associação comunitária concessionária.
- Recepção, por parte do estado do Amazonas, de normativas federais que possam dar celeridade aos processos de regularização fundiária como a possibilidade de arrecadação sumária de terras e o uso de marcos geodésicos virtuais para áreas de difícil acesso e que não tenham confrontantes delimitados.
- Fortalecimento das associações-mães/concessionárias. Acesso a recursos financeiros para gestão, proteção e consolidação dos TUCs a partir de fundos e editais específicos.
- Garantia do direito à consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais que vivem nos TUCs sempre que medidas administrativas os afetarem, por meio dos protocolos de consulta.
- Inclusão dos TUCs nos Programas de Vigilância e Monitoramento Ambiental do estado e nos programas da reforma agrária.
- Emissão da CDRU coletiva e reconhecimento dos Territórios de Uso Comum do Rio Tefé, do Rio Bauana, do Baixo Juruá, do Riozinho, do Médio Juruá (Baixo Carauari), do Atininga, do Urupadi e Parauari, Comunidade da Barra do São Manuel e Comunidade Paiol.
Assinamos:
- Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) – Amazonas
- Comissão Pastoral da Terra – CPT
- Central das Associações Extrativistas do Rio Manicoré – CAARIM
- Associação de Moradores Agroextrativistas das Comunidades Terra Preta e São José do Lago do Atininga – AMATEPSJ
- Associação dos Trabalhadores Rurais do Juruá – ASTRUJ
- Associação dos Moradores do Baixo Riozinho – ASMOBRI
- Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo Médio Jurua – AMAB
- Associação dos Produtores Agroflorestais da Floresta Nacional de Tefé e Entorno – APAFE
*com informações da CPT Regional Amazonas e Ascom / Procuradoria da República no Amazonas – MPF