Recomendação denuncia a invisibilidade do povo originário em iniciativa de R$ 50 milhões e exige diálogo vinculante e reparação histórica imediata
Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul
O Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Sul (RS) expediu a Recomendação nº 128/2025 para que o Governo do Estado reavalie e reestruture o programa de celebração dos “400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis no Estado”. O objetivo é assegurar a participação efetiva e o protagonismo do Povo Guarani, transformando a iniciativa em um instrumento de reparação histórica. A medida é resultado de um inquérito civil que apurou a ausência das comunidades na formulação do programa.
A recomendação, elaborada pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, aponta uma profunda dissonância entre o discurso oficial, que posiciona o povo Guarani como central, e a estrutura prática do projeto, que prevê investimentos de mais de R$ 50 milhões em infraestrutura turística, mas destina apenas fração ínfima de R$ 330 mil reais (aproximadamente 0,6%) a uma única aldeia entre as 62 existentes no estado.
O MPF fundamentou sua posição em um diagnóstico da Emater/RS-Ascar – a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul e Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural – que revela a grave vulnerabilidade das comunidades, com problemas sistêmicos de moradia, insegurança hídrica, ausência de saneamento básico e precariedade educacional. A recomendação destaca que, em vez de atuar como reconhecimento e reparação, o programa, em seu formato atual, aprofunda o “ciclo de extrativismo histórico e cultural” ao utilizar o legado Guarani para impulsionar o turismo sem proporcionar melhorias substanciais nas condições de vida das comunidades.
De acordo com Ricardo Gralha Massia, um dos quatro Procuradores da República que assina a recomendação, é necessário o alinhamento entre o discurso e a prática, ressaltando a sub-representatividade deliberativa do povo Guarani na governança do programa. A Comissão Oficial, composta por mais de 36 entidades, confere uma representação minoritária e protocolar ao Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi), o que é insuficiente para garantir poder de decisão e influência real sobre os rumos de um projeto que se fundamenta na história e no legado do Povo Guarani.
“Não é possível celebrar um legado histórico tão significativo sem a participação ativa e decisória dos herdeiros diretos desse patrimônio, que são as comunidades Guarani”, afirmou Massia. “A recomendação do Ministério Público Federal busca assegurar que a celebração seja, de fato, um marco de justiça social e de reparação, com recursos substantivos e poder de decisão real transferidos para quem de direito”, concluiu o procurador.
A recomendação aponta a necessidade de que a reestruturação do programa inclua a criação de um comitê gestor com representação paritária ou majoritária de líderes indígenas Guarani e o redirecionamento de parte dos recursos para demandas emergenciais como moradia e saneamento. O Governo do Estado tem 15 dias úteis para informar ao MPF o acatamento da recomendação e o cronograma de providências, sob pena de adoção de medidas judiciais cabíveis para a proteção dos direitos violados.
Recomendação nº 128/2025
—
Arte: Secom/MPF
