Nos 5 anos da Campanha Despejo Zero, articulação nacional destaca crise habitacional sem precedentes e avanços conquistados pela organização popular
O Brasil contabiliza 2.098.948 milhões de pessoas afetadas por despejos e remoções forçadas desde 2020 e agosto de 2025, segundo novo levantamento da Campanha Despejo Zero, divulgado nesta segunda-feira (15). A divulgação coincide com a realização do seminário, em Brasília (DF), dos 5 anos da articulação nacional que reúne mais de 175 organizações, entidades e movimentos sociais em defesa da vida no campo e na cidade.
Acesse o Mapa de conflitos da Campanha Despejo Zero.
Com objetivo de subsidiar a construção de alternativas e políticas públicas para melhorar as condições de vida dos grupos vulnerabilizados no país e reunir evidências para contestar a prática das remoções, o levantamento tem apontado – a cada nova edição – o público mais diretamente afetado por despejos e remoções. De acordo com mapeamento presencial e online, mulheres e pessoas negras contabilizam 1,313 milhões e 1,391 milhão entre as pessoas atingidas, respectivamente. Apenas crianças contabilizam cerca de 415 mil afetadas.
Os dados apresentam convergência com o perfil da população brasileira que sofre com a violação do direito à moradia. De acordo com a Fundação Pinheiro 75% dos domicílios de um universo de mais de 6,2 milhões em situação de déficit habitacional são de baixa renda, 66% são de pessoas negras, 62% são chefiados por mulheres. Isso inclui famílias que precisam escolher se comem ou pagam aluguel no fim do mês e aquelas que moram de favor ou em condições extremamente precárias por não terem alternativa de moradia, entre outros fatores. Já no ambiente rural, ainda que a agricultura familiar responda pela maioria em quantidade de estabelecimentos, as maiores áreas são reservadas ao agronegócio e proprietários brancos.
“Terra e moradia são pilares fundamentais de uma vida digna; são porta de entrada para outros direitos como saúde e educação. Mas os levantamentos mais recentes da Campanha Despejo Zero mostram que pelo menos 2,1 milhões de pessoas já foram despejadas ou vivem sob ameaça de remoção forçada no Brasil. Isso se soma ao enorme déficit habitacional, aos desabrigados por desastres e às milhares de pessoas em situação de rua. Trata-se de uma crise habitacional sem precedentes, que requer uma atuação urgente do Estado. Afinal, sem-terra e moradia, não há soberania”, afirma Raquel Ludermir, gerente de Incidência em Políticas Públicas da Habitat para a Humanidade Brasil.
O estado de São Paulo é o que apresenta o maior número de famílias ameaçadas (160.092) e despejadas (17. 274), seguidos por Pernambuco, Amazonas, Pará e Rio de Janeiro. No último ano foram identificados 1.217 novos casos de conflitos fundiários. Isso significou aumento de 615.988 pessoas no total de pessoas impactadas.
Conquistas importantes
Os dados de despejos e ameaças de remoções poderiam ser mais elevados, especialmente no período que o “fique em casa” era determinante para proteção das vidas diante de intensa crise sanitária da Covid-19. Surgida em junho de 2020 a Campanha Despejo Zero teve papel direto na permanência de famílias nas casas.
Por meio do acolhimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as remoções coletivas foram suspensas até junho de 2022.
Diante de melhora dos números da pandemia, o ministro relator da ação, Luís Roberto Barroso, determinou na sequência a criação de comissões de mediação de conflitos fundiários nos tribunais de justiça estaduais e tribunais regionais federais. Inspirado na Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná, este colegiado tem como função realizar visitas técnicas nas áreas ocupadas e mediar audiência com as partes e órgãos do poder público, Ministério Público e Defensoria Pública. Foi o trabalho da Comissão que possibilitou, por exemplo, a construção de acordo na negociação sobre a Comunidade agroflorestal José Lutzemberger, em Antonina (PR), após 21 anos de reivindicação coletiva e resistência a ameaça de despejo.
A decisão do ministro ainda determinou “uma série de condicionantes a serem respeitadas em todas as medidas administrativas que pudessem culminar em remoções coletivas, como a devida notificação das famílias; determinação de prazo razoável para eventual desocupação voluntária; provisão de local digno de moradia para as famílias e a proibição de separação dos entes de uma mesma família”, aponta a Campanha Despejo Zero.
Poucos meses depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução 510/2023. A normativa regulamenta a criação da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias pelo Conselho Nacional de Justiça, e comissões regionais, nos Tribunais. Uma importante medida é que a Resolução estabelece protocolos para visita das comunidades e realização de sessões de mediação para ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis.
“A partir da atuação da Campanha Despejo Zero obtivemos vitórias importantes e significativas, de previsão de escuta das comunidades e de busca de soluções fundiárias, que são urgentes quando observamos a dimensão desse problema social, como evidenciado pelos dados do mapeamento da campanha. Nosso desafio é conseguir trazer efetividade a esses mecanismos, que dependem do Poder Público, sobretudo dos Municípios, para trazer soluções adequadas e que garantam de fato o direito à terra e moradia das famílias afetadas”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. Integrante da Campanha, a organização atuou diretamente na ADPF e na defesa da aprovação da Resolução.
Reivindicações
Diante do grave cenário de forte déficit habitacional e conflitos fundiários, a Campanha Despejo Zero aponta como urgente, no âmbito federal, a construção da Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários, com participação interministerial e articulação direta com Defensorias Públicas, Ministérios Públicos e movimentos populares. A política deve incluir ainda instâncias para mediação, monitoramento e mapeamento de conflitos urbanos, rurais e em territórios tradicionais. No Poder Judiciário, se defende o fortalecimento das Comissões de Soluções Fundiárias, com maior diálogo social e articulação com os órgãos públicos.
Para os governos estaduais, entre outras medidas, a Despejo Zero reivindica a criação ou fortalecimento de políticas públicas de regularização fundiária urbana e rural, com prioridade para territórios coletivos. Na medida a articulação destaca a importância do diálogo com as comunidades e o acompanhamento dos movimentos sociais.
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Imagem: Rovena Rosa/EBC
