Os dados climáticos apresentados nessa COP30 tornaram-se uma enxurrada de informações que Mark Fisher descrevia como estatísticas que nos dessensibilizam em vez de alertar. Mas há alternativa: o socialismo ecológico, substituindo acumulação por reciprocidade e a extração por regeneração. O futuro não será sustentável se não for, antes de tudo, ancestral e pós-capitalista.
Por Bräulio Rodrigues, na Jacobin
Esta inversão perversa do velho ditado de Fredric Jameson define nosso momento climático com precisão obscena. O que é a COP senão a ritualização desta incapacidade? Uma cerimônia onde celebramos nossa própria impotência, vestida com o jargão vazio da sustentabilidade e da economia verde. Tudo pode ser gerido, basta fazer um bunker no meio da Amazônia.
Entre infindáveis reuniões corporativas e rígidos protocolos de segurança para monarcas europeus, a Amazônia tornou-se aquilo que os gestores neoliberais chamam de “zona de sacrifício” — um eufemismo burocrático para o colapso ecológico em curso. Não prevenindo, mas gerindo. Sempre gerenciando. O realismo capitalista não nega mais a crise — ele a incorpora, a comercializa, a transforma em novo nicho de mercado. Créditos de carbono, biodiversidade como ativo, floresta em pé como oportunidade de investimento: eis a língua morta do neoliberalismo tentando falar sobre a vida.
Há um vazio no centro de todas estas discussões, uma ausência que não ousamos nomear. Sabemos que os números não fecham, que as promessas são ficções, que os compromissos são armadilhas sem saída. Mas continuamos fingindo. O realismo capitalista é precisamente isto: não uma crença genuína de que o sistema funciona, mas a sensação esmagadora de que não há alternativa, então por que não seguir com o ritual?
A tecnologia tornou-se nosso último fetiche. Enquanto a floresta queima, esperamos por milagres tecnológicos que nunca chegaram — ou que chegarão tarde demais, como um medicamento experimental para um paciente já morto. Esta espera não é ingênua; é sintoma do que Mark Fisher chamaria de futuro cancelado. Já desistimos de um futuro genuinamente diferente, contentando-nos com este presente perpétuo onde tudo muda para que tudo permaneça igual.
Os dados climáticos tornaram-se como a enxurrada de informações financeiras que Fisher descrevia assim: números que não significam mais nada, estatísticas que nos dessensibilizam em vez de alertar. Sabemos que estamos perdendo field goals por minuto, que as temperaturas sobem, que os tipping points se aproximam — mas o conhecimento não gera ação, apenas mais relatórios, mais reuniões, mais metas para daqui trinta anos.
Mas onde o sublime mais antigo se concentrava em fenômenos naturais locais, como o oceano ou erupções vulcânicas que poderiam subjugar e destruir o organismo individual ou cidades inteiras, o realismo especulativo contempla a extinção, não apenas do mundo humano, mas da vida e, de fato, da própria matéria. A perspectiva de uma catástrofe ecológica significa que a disjunção entre o tempo vivido pela experiência humana e as durações mais longas agora não é apenas uma questão de contemplação metafísica, mas uma questão urgente de preocupação política.
Gerindo o apocallipse
O mais deprimente não é a crise, mas a maneira como a aceitamos. Como um paciente terminal que aprende a conviver com a doença, normalizamos o colapso. A Amazônia está morrendo? Tragam os especialistas em morte ecológica, os consultores de extinção, os gestores de fim do mundo. Tudo pode ser gerido, até o apocalipse.
O capitalismo industrial não é simplesmente um sistema danoso ao meio ambiente — essa leitura é ingênua e insuficiente. O capitalismo é, em sua essência metabólica, um processo ativo de desecologização da cultura. Ele opera através da ruptura sistemática dos circuitos de reciprocidade, dos tempos não-lineares e das memórias encarnadas que constituem o que poderíamos chamar de uma “ecologia cultural”. Uma ecologia cultural pressupõe que o conhecimento, as práticas e as relações humanas estão entrelaçados com os ritmos específicos de um lugar — são ecotípicas, não genéricas.
O capitalismo, por outro lado, é a máquina de produzir genericidade, a grande equalizadora que reduz todas as relações a um denominador comum abstrato: o valor de troca. O que vemos nesta Amazônia transformada em campus party não é meramente ocorrência de um neo-extrativismo, mas a violência epistêmica de um sistema que não consegue reconhecer formas de conhecimento que não sejam redutíveis a dados ou propriedade intelectual. As ecologias culturais indígenas — esses complexos sistemas de conhecimento sobre plantas, ciclos sazonais, relações inter-espécies — representam tudo que o capitalismo precisa tornar disfuncional: são conhecimentos situados, não escaláveis, não facilmente comodificáveis.
A própria visualização da cultura como algo separado ou acessório para o funcionamento da natureza já é um sintoma da doença maquínica — uma cisão que as ecologias indígenas nunca reconheceram. Enquanto os delegados da COP 30 medem carbono em partes por milhão, as águas do rio Guamá medem outra química: o suor industrial derramado nos igarapés, o mercúrio que brilha nos olhos dos peixes, o ferro das serrarias que escorre como sangue seco nas margens. Esta é a Belém concreta — não a das metas e relatórios — mas a cidade onde o colapso já chegou e alugou um quarto no fundo de cada palafita.
Na oposição entre capital e ecologia, confrontamos o que são, na verdade, duas totalidades […] Ainda assim, da perspectiva não-humana de uma ecologia radical, o capital, por mais que possa queimar o meio ambiente humano e levar consigo grandes porções do mundo não humano, ainda é um episódio meramente local. A catástrofe ambiental oferece o que um inconsciente político totalmente colonizado pelo neoliberalismo não pode oferecer: uma imagem da vida após o capitalismo (Fisher, 2022, p. 274).
A título de exercício de localização pensemos nos caminhões carregados de toras que ainda chegam ao porto antes do amanhecer, suas cargas ilegais misturando-se ao cheiro de açaí e gasolina. As mesmas mãos que colhem frutos na várzea trabalham depois nas fábricas de processamento onde o valor agregado significa valor subtraído — da floresta, do corpo ribeirinho. Enquanto isso, nos shoppings de alumínio e vidro espelhado, manequins vestidos de verde sustentável posam para turistas que fotografam o fim do mundo entre um sorvete e outro.
A cidade real não é metáfora: é o suor escorrendo pelas paredes de concreto inacabado, é o grito do rádio evangelista competindo com o pagode na rua quente, é o ventilador de plástico soprando ar quente sobre crianças com febre. É o conhecimento ecológico tradicional sendo empacotado em patentes corporativas, as rezas dos orixás transformadas em atrações turísticas, as ervas medicinais vendidas em cápsulas para o mercado global de wellness. Esta Belém concreta respira o paradoxo terminal: de um lado, os guindastes erguendo torres de apartamentos para quem fugiu da seca no sertão; de outro, os urubus circulando sobre os lixões onde termina o sonho de consumo. Os outdoors prometem “natureza preservada” em condomínios fechados, enquanto as ruas abertas exalam o húmus podre de uma floresta que teima em não morrer.
Se ainda resta alguma esperança para uma cosmotécnica local esta talvez reste na materialidade crua do trabalho que conecta o tradicional e o urbano: as feiras livres onde camarões mortos brilham como jóias sobre o gelo derretendo, as bicicletas carregando galões de água potável através de ruas alagadas, as raízes das mangueiras quebrando calçadas como um inconsciente ecológico insistindo em voltar. Tudo aqui fala de dois mundos em colisão — o da mercadoria e o da vida — e ambos estão perdendo.
Socialismo ecológico contra o cancelamento do futuro
Enquanto a COP discute mecanismos de compensação, as marés sobem silenciosamente pelos esgotos abertos, trazendo de volta tudo que tentamos esquecer: o lixo, os mortos e os segredos. Esta é a Belém real — não a dos discursos — mas a cidade que já aprendeu a nadar na própria ruína, uma coreografia de sobrevivência dançada no limite entre o concreto e a floresta, entre o que ainda pode ser salvo e o que já se tornou sacrifício aceito.
As crises do capitalismo na esfera da natureza são menos crises dos recursos à disposição do capital e mais crises do que o capitalismo realiza com a natureza. Esse ponto de partida oferece não apenas uma perspectiva renovada — que inclui, de forma central, o trabalho das naturezas humanas — , mas também uma oportunidade para sintetizar duas grandes correntes do pensamento radical desde a década de 1970: a teoria da crise de acumulação e os estudos da crise ambiental (Moore, 2015, p. 45, tradução nossa).
O pensamento de Moore ilumina com precisão cirúrgica o cerne da desconexão que Fisher diagnostica em nosso imaginário político: a acumulação de capital não é um evento dentro da natureza, mas um processo que redefine violentamente o próprio metabolismo entre sociedade e mundo natural. O que Moore chama de “crises do que o capitalismo realiza com a natureza” parece dialogar diretamente com a expressão material da hauntologia fisheriana — o espectro de um futuro cancelado pela lógica expansionista do capital, que transforma a natureza em mero insumo e a vida em externalidade.
A chave para compreender a ruptura entre o equilíbrio dos recursos e a possibilidade de um socialismo ecológico está precisamente na dinâmica de concentração do capital. Esse processo não é apenas econômico, mas biocídico: ao concentrar riqueza e poder, ele acelera a extração, fragmenta ecossistemas e esvazia alternativas. O realismo capitalista que Fisher descreve é o sintoma cultural dessa armadilha — a sensação de que não há alternativa a um sistema que, como mostra Moore, organiza a natureza como um subsistema da acumulação.
O fim da floresta não pode ser traduzido como mera finalidade da produção capitalista, pois essa tradução já é, em si, a violência final. Aceitar essa equivalência — floresta extinta igual a falha de gestão, igual a externalidade, igual a prejuízo contábil — é ceder ao último estágio do realismo capitalista: a naturalização do desaparecimento. A floresta não está sendo “encerrada” como uma fábrica obsoleta ou um modelo de negócio superado. Ela está sendo assassinada — e o assassinato não é um acidente de percurso do capital, mas a expressão mais pura de sua lógica.
Um socialismo ecológico, nesse contexto, não seria simplesmente uma redistribuição de riqueza, mas uma reorganização radical das relações socio-ecológicas. Ele exige desfazer a separação entre natureza e sociedade que o capitalismo aprofundou e substituir a acumulação por reciprocidade, a extração por regeneração. Enquanto o capitalismo na esfera da natureza gera crises ao transformar a vida em commodity, o socialismo ecológico precisará ser, como Fisher sugeriria, a re-apropriação do futuro nas mãos de cada navegante do negativo — a capacidade de imaginar e construir um mundo onde a natureza não trabalhe para o capital, mas onde a sociedade trabalhe com a natureza, em equilíbrio não nostálgico, mas radicalmente novo. O futuro não será sustentável se não for, antes de tudo, ancestral e pós-capitalista.
Bräulio Rodrigues é doutor em direito e mestre em filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e ganhador do prêmio José Carlos Castro por melhor tese.
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Imagem: “Não queremos participar só como ouvintes, nós queremos construir a COP30”, afirmam lideranças indígenas. (Fotos de André Guajajara e Tiago Kirixi Munduruku.)
