Nós, servidores da Funai vimos externar à Diretoria deste órgão o nosso descontentamento e perplexidade com a forma como está sendo exposto perante a sociedade os trabalhos executados no âmbito das Coordenação Regional Vale do Javari e Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari. Vivenciamos mais um momento de grande tensão na região com os desdobramentos do sério conflito entre indígenas Matis e Korubo, porém percebemos consternados que um tema tão sério e delicado esteja sendo utilizado por alguns, com interesses escusos, como motivo para difamar a atuação de servidores comprometidos do órgão que atuam nessa região, a partir de ataques pessoais e informações caluniosas destinadas ao coordenador regional, Bruno Pereira. Este por sua vez não atuou e nem atua isoladamente, nem à revelia de sua equipe ou da própria diretoria a qual nos reportamos. A práxis indigenista deste servidor coaduna com o nosso olhar e fazer da política pública pensada para os povos indígenas e alia-se ao nosso esforço coletivo de fazer o máximo possível a partir das condições de funcionamento precário que o Estado brasileiro impôs a esta Fundação.
O cenário que hoje está colocado tem um histórico que esta diretoria é bem conhecedora, contudo é preciso traze-lo à discussão dando alguns destaques importante. Com a restruturação da Funai em 2010, chegaram a região pouco mais de 30 novos servidores que depararam-se com uma estrutura humana e material deficitária. Os que foram lotados na sede da coordenação regional, em Atalaia do Norte-AM, encontraram uma Funai praticamente inoperante e com poucos servidores, os quais se encontravam desestimulados e/ou doentes, cumprindo suas jornadas de trabalho com a perspectiva iminente de ver a Coordenação Regional ser transferida para Cruzeiro do Sul-AC. O prédio da sede da coordenação, em Atalaia do Norte-AM, era reflexo desse tempo. A estrutura precária desse ambiente sem banheiros, climatização e parcos computadores era compartilhados pelos servidores com ratos e baratas. Os trabalhos de campo estavam quase que restritos à boa vontade e aos recursos dos próprios chefes das coordenações técnicas locais e dos indígenas.
A entrada desses servidores trouxeram novo ânimo e ideias, e diante de um cenário nacional cada vez mais anti-índigena e um órgão sucateado, uniram-se a alguns servidores mais experientes (do quadro efetivo ou não) e iniciaram mudanças com o compromisso de fortalecer a atuação do órgão indigenista junto as instituições governamentais, da sociedade civil e aos indígenas para a proteção e promoção dos direitos conquistados por eles e seus aliados. Essa nova conjuntura indigenista regional imputou administrativamente a necessidade de mudança no perfil das indicações para cargos técnicos. As combalidas coordenações técnicas e o serviço de gestão ambiental, tão necessários à implementação dos direitos indígenas foram, em nossas conversas e reuniões, pautas de discussões e reivindicações e, tiveram enfim um começo de estrutura física. Nossas participações em reuniões internas e externas à nossa instituição enfrentaram estruturas de poderes locais que aviltavam os direitos indígenas ou negociavam em prol de interesses individuais e;ou político eleitorais em detrimento da coletividade.
Acreditando que o indigenismo tem que ser feito no diálogo com os índios e suas aldeias e considerando a tipicidade das terras indígenas a nos jurisdicionadas serem bastante distantes e de difícil acesso, sempre colocamos que era preciso infraestrutura aos servidores para se chegar às mais longínquas comunidades. Desta maneira, mesmo à sorte em que nos encontrávamos, contribuímos com muito trabalho, sob a égide das leis da administração pública, para a aquisição de bens e serviços como viaturas, botes e lanchas, motores náuticos, rádios, GPS, EPIs de campo, computadores, notebooks, armários, mesas, ar condicionados, etc. Contribuímos também na elaboração e efetivação de contratos para o fornecimento de combustível, internet, gêneros alimentícios e alimentação pronta, frete de aeronaves, segurança predial, motorista, serviços terceirizados administrativos, dentre outros. Com isso, conseguimos que a Coordenação Regional Vale do Javari deixasse de ser uma das piores execuções financeiras da Funai, por anos a fio, o que pode ser facilmente comprovado no Portal da Transparência do Governo Federal.
No âmbito das mobilizações indígenas, estas sempre tiveram o nosso apoio, tanto institucional colocadas sempre como prioridade no atendimento ao pleito, quanto pessoal no envolvimento de auxílio na organização e execução das mesmas, tanto mobilizações das 3 associações indígenas quanto reuniões e assembleias no interior das terras indígenas. Atuamos também junto aos indígenas contribuindo nos temas complexos e ações de maior vulto dentro do nosso órgão indigenista como, na grande mobilização de toda terra indígena contra a exploração do petróleo nos limites do Vale do Javari, nos diálogos com a Justiça Eleitoral para que os indígenas pudessem exercer o direito de votar dentro da terra indígena em 2014.
Grande parte de nós servidores corroborou para que se concretiza-se as seções eleitorais mais ermas de todo país. Trabalhamos firme e constante na articulação com diversas instituições – tais como universidades, INSS, TRE, Justiça Federal, MDS, MPF´s, Prefeituras, ONGS, Associações Indígenas entre outras– para a realização dos oito Seminários de Direitos Sociais do Vale do Javari e Médio Juruá além dos seminários específicos sobre a educação indígena no Vale do Javari.
Encampamos também: a ampliação dos debates contra o preconceito aos indígenas no Vale do Juruá e sobre adoção de crianças indígenas; a construção e operacionalização da Base de Proteção Etnoambiental do rio Curuçá; a atuação sincronizada das Coordenação Regional e Frente de Proteção Etnoambinetal, superando um histórico de ações de “duas Funais” na região, a criação da Coordenação Técnica Local do Médios Javari e Curuçá, a articulação de instituições para criação do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Educação Escolar Indígena do Vale do Javari, a conquista de representatividade do órgão e dos indígenas nos conselhos municipais (saúde e assistência social) e CONDISI, o combate aos crimes cometidos contra os indígenas dentro dos municípios de Atalaia do Norte e Eirunepé-AM e, as ações de infratores que exploram os recursos naturais da terra indígena. É importante destacar que essas atuações só foram possíveis devido aos esforços individuais e coletivo de servidores comprometidos à causa indígena, como também contou com o empenho, abertura e diálogo do atual Coordenador Regional, Bruno Pereira.
Enfatizamos aqui a reivindicação do movimento indígena de instauração do Comitê Regional. No entanto, destacamos à esta Direção que por diversas vezes a encaminhamos a solicitação de instauração do referido comitê e não fomos atendidos, com a justificativa constante de falta de orçamento. Acreditamos e defendemos que este espaço tem que ser implementado, todavia cremos que não é o único espaço de fiscalização, monitoramento e 4 participação de servidores e indígenas no processo de proposição e execução das ações indigenistas. Defendemos que atuação de ambos os sujeitos extrapolam as ações burocráticas.
Apesar da sensação que avançamos em alguns temas e ações, sabemos que estamos muito aquém de nossa missão institucional. Somos testemunhas do sucateamento do órgão indigenista promovido pelo próprio Governo, refém de setores retrógrados que dominam o cenário político e econômico nacional. Temos a convicção que fizemos o que estava ao nosso alcance a partir das condições dispensadas pelo Governo para nossa atuação. Citamos alguns exemplos claros das deficiências de nosso órgão: um quadro irrisório de servidores em exercício, estrutura físicas deterioradas -não apropriadas ou inexistentes-, um orçamento anual aquém para o cumprimento de nossa missão, a não ação diante de ameaças contra a integridade física de servidores, uma política tacanha de gestão de recursos humanos sem incentivos para formação indigenista e burocrática, a falta de plano de cargos e salários, falta compensações pelo trabalhos penosos e insalubres em locais ermos, falta também uma política clara de remoção e/ou fixação de servidores em locais difíceis. Estamos sempre sendo feridos em nossos direitos como servidores públicos e mesmo assim insistimos em lutar por um órgão mais fortalecido junto aos indígenas.
Somos cobrados pelos indígenas localmente, e pelo restante da sociedade brasileira, por uma atuação mais condizente e digna com as demandas dos povos com os quais trabalhamos. Aceitamos o desafio e nos empenhamos para aprimorar nossa atuação no fazer diário, na labuta cotidiana, sabendo que muitas das vezes não temos condições nem meios para solucionar tantos problemas. Recebemos a crítica honesta e construtiva e também acreditamos na resposta com as “mãos na massa” para corrigir caminhos e melhorarmos nossa atividade. Porém não nos furtaremos em enfrentar os oportunistas e agitadores de plantão que difamam o nosso comprometimento com o serviço público e o bem estar das comunidades indígenas nas quais atuamos. Para esses, impera a visão do “quanto pior, melhor”!
A grande maioria de nós reside nessa região de fronteira. Trouxemos nossas famílias ou as constituímos aqui, sendo alguns de nós filhos da própria localidade. Desta forma 5 acompanhamos diuturnamente as dificuldades e relações vividas pelos indígenas e a ineficiência do aparato do Estado para dirimir tantos problemas. Mas não nos furtamos de tentar amenizar algumas dessas mazelas e buscar soluções a partir da tentativa de inserção dessas visões diferentes de mundos indígenas em nossa sociedade. Ficamos prostrados, sentindo-nos impotentes por não poder ir além. Daqueles trinta e poucos servidores que chegaram após a restruturação, não mais que 13 concursados ainda estão trabalhando na região, tendo alguns desses suas saídas iminentes. Os demais desistiram da Funai, pediram para serem transferidos ou estão afastados por motivo de saúde.
E é nesse cenário que estamos diante de um dos maiores desafios de nosso trabalho na região: a resolução do conflito Korubo e Matis que ocasionou mortes de ambos os lados. Reconhecemos como legítima a forma de manifestação dos Matis ao ocupar o prédio da coordenação regional em busca da solução de seus problemas. Ruídos nas comunicações e informações de má fé de alguns irresponsáveis tem apenas elevado o tensionamento da relação dos indígenas com a Funai. Não estamos aqui apenas fazendo um trabalho de campo ou em busca de um furo jornalístico. Sempre optamos pelo caminho do diálogo mas sem sermos omissos em nossas atribuições legais de resguardar a integridade física tanto dos Matis quanto dos Korubo. Acreditamos que ambas as partes devem ter voz na questão e que a seriedade das grandes lideranças indígenas de todo Vale do Javari nos ajudarão na construção desse diálogo e dos caminhos a serem seguidos para o distensionamento desse conflito. Somos servidores públicos e estamos sujeitos a erros em nossas decisões, as quais serão julgadas pela sociedade e às leis nacionais. É um direito da sociedade que se traga clareza aos fatos, que se apresentem as versões e relatórios sobre toda essa situação e, que uma plano de ação factível seja acordado tanto com os Matis quanto com os Korubo. Só assim, sem a pressa dos “achismos” e “superficialidades” dos que estão distantes e nem a má fé de alguns oportunistas, poderemos encaminhar uma solução pacifica para a questão.
Destacamos também que sem poder adentrar às dependências da Coordenação Regional, nossos serviços ficam impraticáveis e não só os Matis ficam prejudicados no alcance de seus direitos, mas todos os outros sete povos indígenas para os quais desenvolvemos nossas atividades laborais. Diante do exposto ressaltamos nosso repúdio a forma difamatória como nosso trabalho tem sido exposto à sociedade e solicitamos dessa diretoria uma resposta de nosso órgão e do Governo a altura da complexidade do caso. Sentimo-nos preparados para a discussão indigenista local e nacional e nos posicionamos como atores fundamentais, junto aos indígenas, em qualquer debate sobre o modo de atuação da Funai no Vale do Javari e Médio Juruá.
Atalaia do Norte, 1 de fevereiro de 2016.
Atenciosamente,
Servidores da Coordenação Regional Vale do Javari e da Frente de Proteção Etno Ambiental Vale do Javari abaixo assinados:
- Danielle Moreira Brasileiro
- Manoel de Nazaré Ribeiro da Cruz Júnior
- Eunice Marques da Silva Coutinho
- Gustavo Sena
- Arquimimo do Amaral Silva
- Jorge Wsten Pereira
- Michelangelo Rodrigues Neves
- Diego Graça Sandouval
- Iltercley Rodrigues
- Irison Rodrigues Neves
- José Moisés da Rocha
- Eriverto da Silva Vargas
- Ivan Soler
- Antônio Marques Junior
- Vitor Roger David
- Idnilda Obando
- Valdercy Jaste Cardoso
- Gutemberg Castilho
- Eumar Vasques
- Antônio de Lima Saldanha
- Leopoldo Barbosa Dias
- José Wanderly Venâncio Vieira
- Bernardo Natividade Vargas da Silva
- Maxciel Santos Pereira
- Leandro Fonseca
- João Candido Curina
- Vitor Cerqueira Gois
Isso mesmo! Vcs são heróis. Pouquíssima gente conseguiu deixar um legado positivo pros indígenas do Vale do Javari. Quem conhece sabe a panela de pressão e boataria. PS: Talvez seja a hora de mandar os lixos pra reciclagem…