Páginas do Facebook alimentam nostalgia pelo Rio Antigo

Retratos da cidade no passado proliferam nas redes sociais. Álbuns virtuais chegam a reunir centenas de milhares de fãs e dão nova cara a um antigo fenômeno

Por Saulo Pereira Guimarães, no Vozerio

Tudo começou em 2012, quando Paulo Senna ainda trabalhava no jornal O Globo. Nessa época, o repórter criou uma página no Facebook para colecionar fotos do Rio Antigo, como hobby. “Nem divulguei”, lembra ele, que batizou a página de “Quem te viu, quem te vê”. Quatro anos depois, Paulo trabalha diariamente no seu álbum virtual, agora chamado de Rio de Janeiro Memórias & Fotos, com uma coleção de mais de 7 mil imagens e uma audiência de 130 mil pessoas.

Febre na internet, o troca-troca de fotos antigas parece que chegou para ficar. O próprio Paulo segue páginas comoCopacabana Demolida e Madureira: Ontem & Hoje, especializadas em retratar o passado dos bairros que carregam no nome. Grupos como Duque de Caxias Que Passou, Niterói Antigamente e Ônibus Antigos do Rio de Janeiro mobilizam milhares de pessoas seguindo a receita do conteúdo segmentado e antigo sobre diversos temas. Para se ter uma ideia, só a página Zona Sul Memórias tem mais de 50 mil curtidas. As imagens são um prato cheio para quem viveu o tempo que passou e para quem não viveu, mas morre de vontade de saber mais sobre o passado.

É claro que alguns assuntos fazem mais sucesso do que outros. “O povo adora fotos com bondes”, afirma Paulo, que também destaca o carinho especial dos seguidores por registros da Praia de Copacabana, da Cinelândia e de outros cartões-postais da cidade. “As pessoas gostam muito daquilo que gera a sensação de que nada mudou ou de que tudo mudou radicalmente”, explica o jornalista Tiago Bandeira, que administra as páginas Memórias do Subúrbio Carioca, Jornais Antigos do Rio de Janeiro e Memórias do Futebol Carioca.

ARQUEÓLOGOS VISUAIS

Manter páginas como essas atualizadas dá trabalho. Paulo conta que, às vezes, fica até às quatro horas da madrugada procurando imagens na internet. A rede é a principal origem do conteúdo, mas não a única. Além dela, o repórter conta com a ajuda dos próprios seguidores, que chegam a lhe mandar 15 fotos por semana. Ele seleciona o material e o divulga de acordo com a importância. Os arquivos on-line da Biblioteca Nacional, do Jornal do Brasil e até do IBGEsão outras fontes buscadas por esses arqueólogos visuais.

Os colecionadores se orgulham de suas descobertas, que guardam com ciúme. “Tenho um concorrente que rouba as coisas que eu posto e publica 30 minutos depois”, reclama Paulo, que visita a página do rival todas as noites, para saber que imagens suas foram pirateadas naquele dia. O jornalista jura que não sente raiva pelas fotos, apenas pelas informações, também copiadas pelo adversário. Mas já deu o troco. “Uma vez, roubei uma foto dele”, confessa Paulo, que não é a única vítima dos ladrões virtuais.

A insatisfação com o roubo dos dados das imagens faz sentido. Paulo e outros donos de páginas de fotos antigas fazem questão de fornecer a data e o local em que foram feitos os registros que publicam. “É uma questão de ética”, defende André Mansur, jornalista e autor de livros sobre a memória carioca, que toca os grupos Fragmentos do Rio Antigo e Marechal Hermes Antigo. Muitos realizam um verdadeiro trabalho de investigador para descobrir a época aproximada de um determinado retrato, observando detalhes como as roupas usadas e os meios de transporte presentes no quadro.

Outra preocupação é identificar os autores dos registros, na medida do possível. O cuidado está em sintonia com o artigo 24 da lei 9.610, que rege os direitos autorais no Brasil. O texto determina que o fotógrafo pode reivindicar, a qualquer tempo, a autoria de uma obra sua e tem o direito de ter seu nome anunciado como autor. A mesma lei informa que a divulgação de uma foto depende de autorização prévia e expressa do fotógrafo. A exceção são as imagens publicadas há mais de 70 anos e que, por isso, já se encontram em domínio público.

Estação de embarque do bondinho do Corcovado - 1947/48. Fonte: Rio de Janeiro Memória&Fotos
Estação de embarque do bondinho do Corcovado – 1947/48. Fonte: Rio de Janeiro Memória&Fotos

HISTÓRIA

“O prazer de trocar imagens não é um fenômeno novo”, afirma Joaquim Marçal de Andrade, pesquisador da divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional. De acordo com ele, desde a invenção da fotografia pelo francês Nicéphore Nièpce, em 1826, o hobby vai e vem por meio de diferentes formatos.

Segundo Joaquim, um exemplo disso são os estereogramas, que se tornaram febre nas décadas de 1850 e 1860. Basicamente, eles consistem em imagens tridimensionais formadas pela sobreposição de duas fotos comuns. “Nos anos 1970, era comum que as pessoas se reunissem para projetar diapositivos coloridos”, recorda o especialista. Hoje, tudo isso migrou para a internet.

Joaquim lembra ainda que certos retratos do Rio são mais raros do que outros. Historicamente, os fotógrafos que clicaram a cidade se concentraram no registro das belas paisagens e da vida da elite. “É difícil ver uma foto do mundo do samba do começo do século XX, por exemplo”, conta o pesquisador. Imagens antigas de hospitais, delegacias, prisões, escolas e mesmo de bairros mais afastados do centro também valem ouro.

Um dos trabalhos em desenvolvimento hoje na Biblioteca Nacional vai abordar imagens de cariocas tatuados do passado. “A análise de notícias de crime é um dos caminhos que existem para localizar este tipo de material”, revela Joaquim, que enxerga com bons olhos o boom de nostalgia na internet. “Esse hobby pode despertar a consciência das pessoas sobre os rumos que a nossa cidade tem tomado ao longo dos tempos e explicar como chegamos até aqui”, afirma.

Foto: Arquitetura perdida/Facebook.

 

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