No blog do Sakamoto
Passei a considerar já faz um tempo que existe um plano de Temer para nos levar de volta a algum momento entre o final dos anos 80 e o início dos 90. O que preocupa, pois não tenho roupa para viver naquela época. E nem quero ter.
Em discurso nesta segunda (26), Michel Temer afirmou que conversou com ”soviéticos” em viagem oficial na semana passada. Não, não foi força de expressão. Muitos menos paranoia anticomunista. Ele realmente disse isso. Duas vezes:
”Estive agora recentemente em Moscou, na Rússia, e depois na Noruega, e verifiquei o interesse extraordinário dos empreendimentos soviéticos, o deputado Perondi lá esteve em nossa comitiva, e nós pudemos verificar o interesse extraordinário de empresários soviéticos e noruegueses, no nosso país, pelo que está acontecendo no país”.
Só há um problema. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas deixou de existir em 1991. Poder-se-ia (para usar diletantemente uma mesóclise) afirmar que foi uma gafe isolada. Mas o próprio Palácio do Planalto havia divulgado, em sua agenda, uma visita oficial à ”República Socialista Federativa Soviética da Rússia”.
Outra evidência: em janeiro deste ano, no Rio Grande do Sul, durante uma cerimônia de entrega de ambulâncias, Temer – referindo-se ao ministro da Saúde – afirmou:
”Em pouquíssimo tempo, ele anunciou a economia de 800 milhões de cruzeiros, que significam novas UPAs, novas UBSs e também novas ambulâncias.”
O cruzeiro, moeda corrente em vários momentos da história do país, foi substituída definitivamente pelo cruzeiro real e, daí, para o real no início da década de 90.
Uma terceira prova: Temer se esforça para parecer cada vez mais com Collor. Ambos, por exemplo, atingiram baixa popularidade – pesquisa Datafolha, divulgada neste sábado (24), aponta que Temer conta com avaliação 7% de ótimo e bom, menor que o pior índice de Collor (9%).
Além disso, nesta segunda, Temer repetiu um recado aos grandes empresários brasileiros e ao mercado financeiro: o de que não há outro nome, além do dele, capaz de levar a cabo as reformas. ”Não há plano B, há que se seguir adiante. Portanto, nada nos destruirá. Nem a mim nem a nossos ministros.” Na verdade, não há consenso sobre quem colocar caso ele caia, mas isso é um detalhe. O apelo é uma versão atualizada de ”Não me deixem só!”, frase que se tornou icônica a partir de pronunciamento na TV do então presidente Fernando Collor de Mello, em 21 de junho de 1992, quando negou relação com o esquema de PC Farias.
Sem contar que, quando assumir como primeiro presidente eleito após a ditadura, em março de 1990, o ”Caçador de Marajás” anunciou um pacote de medidas econômicas, incluindo o confisco dos depósitos bancários e das cadernetas de poupança. Com inveja de Collor, Michel Temer estuda confiscar temporariamente parte do FGTS dos trabalhadores demitidos sem justa causa e atrasar a concessão de seguros-desemprego para ajudar a fechar as contas de seu governo.
Ao mesmo tempo, o governo faz de tudo para acelerar a votação da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. O texto proposto dificultará a aposentadoria dos mais pobres, empurrando-os para a fila da assistência social. Ao mesmo tempo, implantada a contribuição obrigatória de 15 anos para aposentadoria de trabalhadores rurais da economia familiar ao invés de 15 anos de comprovação de trabalho como é hoje, milhões vão encarar novamente a penúria pela qual os mais idosos passavam antes da Constituição de 1988.
Quando conseguiu a aprovação da PEC do Teto, que impede o aumento real em gastos públicos, como saúde e educação, pelas próximas duas décadas, Temer afirmou que essa era a medida legislativa mais séria e responsável desde a Constituição Federal de 1988. A declaração foi dada, na época, a empresários em visita ao Japão ao ser cobrado por uma redução dos custos para negócios no país.
Ele poderia ter enumerado projetos que foram aprovados desde 1988 e contribuíram com a distribuição de renda, a redução da injustiça social, a estabilização econômica ou o combate à fome. Mas preferiu exaltar sua proposta que, em nome do pagamento de juros da dívida pública, vai impactar a qualidade de vida dos mais pobres por uma geração, preservando os mais ricos.
Uma das maiores razões para acreditar nisso é o machismo explícito que ele pratica – da montagem inicial de um ministério só de homens e brancos, passando por afirmar que a grande participação da mulher na economia é através da administração do lar até dizer que governos precisam de ”marido” para não quebrarem.
Se assim for, a verdade é que ele não está sozinho. Há muita gente congelada no tempo que canta com saudosismo a ditadura civil-militar e, consequentemente, sua violência e sua censura. E outros tantos que, por inocência ou má fé, acreditam que isso é música para seus ouvidos.