No MAB
Após muitas lutas, a Norte Energia, concessionária de Belo Monte, aceitou fazer o cadastro socioeconômico das famílias da lagoa do bairro Independente 1, em Altamira (PA). As famílias, que vivem em área permanentemente alagada após a formação do reservatório de Belo Monte, lutam para serem reconhecidas como atingidas pela hidrelétrica e reassentadas em outro local.
A Secretaria de Governo da Presidência da República informou através de ofício que o cadastramento foi “acordado entre a Norte Energia e o Ibama”. O Ibama já havia obrigado a empresa a realizar o cadastramento, no entanto, a Norte Energia vinha se recusando com a justificativa de que isso geraria uma falsa expectativa nas famílias de que iriam ser removidas.
Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o cadastro socioeconômico é um primeiro passo para o reconhecimento da comunidade como atingida por Belo Monte. “Sem dúvida essa é uma vitória possível após um intenso processo de lutas e negociações, pois a Norte Energia sempre se mostrava avessa ao diálogo e chegou a afirmar que recorreria judicialmente contra a obrigação de cadastrar”, afirma Izan Passos, da coordenação do MAB e morador do local.
O coordenador faz uma ressalva: “Essa não é a vitória final, pois nossa reivindicação continua sendo o reassentamento e a indenização para todas as famílias”.
Ainda de acordo com o ofício, o cadastramento será importante para “o conhecimento da realidade socioeconômica das famílias que habitam no local (…) para a proposição de soluções de habitação digna, em terreno adequado, para o universo dessas famílias”.
A coordenação da comunidade cobrou uma reunião com a empresa, Ibama e representação do governo federal para que seja explicado como será feito o cadastramento antes que ele comece.
Um intenso processo de lutas
Vivem na área chamada “Lagoa do Bairro Independente 1” mais de 500 famílias, a maior parte em casas de palafita (alagação perene) e outras no entorno, em áreas aterradas por particulares ou pela prefeitura. O adensamento da região se deu após o início da construção da hidrelétrica de Belo Monte, conforme relatórios da própria Norte Energia. A lagoa ficou sendo o local de habitação mais precário de Altamira após a construção de Belo Monte.
Pelas características do local, os moradores de início imaginaram que se tratava de área abaixo da cota 100 (sujeita a remoção devido ao reservatório de Belo Monte). A Norte Energia afirmou que se tratava de cota 102, portanto não sujeita à interferência do reservatório. Com reivindicação dos moradores, técnicos da Agência Nacional de Águas mediram o local no ano de 2016 e afirmaram em laudo estar acima da cota 100.
Após o laudo da ANA, a Norte Energia fez novo estudo sobre o local e passou a afirmar tratar-se de um “aquífero suspenso”, portanto sem conexão com o reservatório da hidrelétrica. No entanto, após o fechamento do reservatório, passou a ocorrer um fenômeno que não se verificava antes no local. Casa no entorno da lagoa começaram a apresentar minadouros de água e os poços chegaram ao nível do chao.
Os impactos de Belo Monte sobre os moradores da lagoa não se restringem, no entanto, à interferência do lago da hidrelétrica. Eles alegam que foram levados a ocupar a área insalubre devido ao aumento dos aluguéis causados pela obra. Sobre isso, o MPF realizou audiência pública com a presença do Conselho Nacional de Direitos Humanos no dia 10 de outubro de 2016.
O escritório regional do Ibama em Altamira fez um estudo (Parecer 02543.000005/2016-04) buscando estabelecer a ligação entre as altas dos aluguéis na cidade por Belo Monte e a ocupação. Também levantou a hipótese da lagoa ser um grande poluidor na área de interferência da hidrelétrica. Cabe lembrar que as famílias estão excluídas do sistema de fornecimento de água e tratamento de esgoto, condicionante da Norte Energia para a área urbana de Altamira.
Em 5 de dezembro de 2016, o Ibama expediu determinação para que a Norte Energia realizasse um cadastramento socioeconômico dos moradores para “identificar a temporalidade do afluxo populacional para a região da lagoa do Independente 1 (…) contendo no mínimo as seguintes informações: identificação dos ocupantes, tempo de residência no local, origem dos ocupantes, motivos que levaram a residir na área e descrição da moradia (palafita ou outros)”. O cadastramento deveria ser feito entre 20 e 60 dias.
A Norte Energia expediu um ofício (CE 0594/2016-DS) ao Ibama dizendo que não faria o cadastro para não gerar expectativa na população de que eles seriam atendidos e pediu para substituir o cadastro por um estudo feito por ela chamado “Caracterização dos Moradores do Jardim Independente 1”. O Ibama negou o recurso e manteve a necessidade do cadastro, sujeitando a empresa a pagamento de multa pelo descumprimento. A Norte Energia ameaçou recorrer judicialmente contra o órgão licenciador.
A partir de janeiro desse ano, a comunidade iniciou intenso processo de lutas, tendo como alvos o escritório da Norte Energia em Altamira, a sede do Ibama e da Casa de Governo. Com essas lutas, já houve três rodadas de negociações em Brasília coordenadas pela Casa Civil com a coordenação do MAB. Os órgãos responsáveis ficaram de apresentar um estudo “definitivo” sobre os possíveis impactos de Belo Monte na Lagoa do Independente 1. A versão final do estudo deverá ser apresentada em outubro, mas uma versão “preliminar” deveria ser publicada em agosto.
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Imagem: Comunidade Independente 1 sofre com alagamentos por conta da barragem de Belo Monte / O Xingu/ Reprodução