Zoraide Vilasboas, Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
Não falamos deste mês e sua azarada (?) sexta-feira, 13. Tampouco do mês de desgosto, como popularmente agosto é considerado. Falamos de setembro, que foi bem amargo para o Programa Nuclear Brasileiro. Vários episódios, como debates, reportagens, revelações inéditas e documentos de denúncias compuseram o caldo indigesto de setembro. Destacamos aqui um dos fatos que tiveram grande repercussão junto à opinião pública. Fatos que evidenciaram a insegurança técnico-operacional e o desrespeito às normas de segurança em radioproteção pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão que formula, decide, executa e também fiscaliza a política nuclear brasileira.
Durante o mês de setembro vários eventos realizados por órgãos públicos e movimentos sociais denunciaram o desamparo das vitimas do Césio-137, 30 anos depois da tragédia de Goiânia, palco do maior acidente nuclear do mundo em área urbana, que matou e contaminou pessoas e o meio ambiente. Seus efeitos duram até hoje.
No último dia do Evento Internacional sobre o Césio-137 (29/09), promovido pela Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica, representantes da Associação das Vítimas do Césio-137, Associações de Contaminados, Irradiados e Expostos ao Césio e Associação de Militares Vítimas do Césio-137 entregaram ao diretor da Associação Internacional de Energia Nuclear (AIEA) Peter Johnston uma carta, denunciando as omissões e falhas da CNEN no licenciamento e fiscalização das atividades nucleares no Brasil.
A AIEA fiscaliza a atividade nuclear nos 50 países do mundo que têm programas atômicos e acordos com a ONU. As vítimas alegaram a necessidade de comunicar à comunidade científica internacional a falta de respeito do Estado brasileiro que não tem políticas públicas capazes de devolver a dignidade aos cidadãos, que padecem devido à falhas na fiscalização da CNEN e à falta de assistência, a que têm direito. No documento, criticam a falta de uma política séria de licenciamento, gestão e fiscalização da indústria nuclear e apontam exemplos da imprudência reinante no setor:
- Sobre a exploração de urânio em Caetité (BA) – Em 2008, relatório do Greenpeace, “Ciclo do Perigo”, denunciou contaminação por urânio em amostras de águas na região da mineração; em 2011, Relatório “Missão Caetité”, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais afirma que a CNEN “recusa-se sistematicamente a dar informações sobre o funcionamento da INB e de outras atividades sob sua jurisdição, proibindo seus fiscais de publicizar o resultado das investigações”.
Em 2015, pesquisa do laboratório francês da Comissão de Pesquisa e Informação Independente sobre Radiatividade anota que as informações que a INB fornece sobre os efeitos da exploração do urânio têm “graves deficiências e que sem os resultados de um programa de monitoramento amplo, é impossível avaliar corretamente os impactos reais das atividades da empresa sobre o ambiente e a população local”. Exemplo: amostras de água subterrânea só são analisados o uranio, radio 226 e o chumbo 210. Mas as cadeias de decaimento do urânio-238 e urânio-235 contêm mais de 20 elementos radioativos, mais nocivos que o próprio urânio. Também não analisa o tório 232 e os produtos do seu decaimento.
- Os polêmicos licenciamentos das usinas nucleares 1, 2 e 3 (inconclusa) de Angra dos Reis (RJ) – A CNEN burlou o Termo de Ajustamento de Conduta, assinado com o Ministério Público Federal, fornecendo e renovando seguidas Autorizações para Operação Inicial de Angra 2. O licenciamento de Angra 3 rejeitou um parecer de segurança nuclear desfavorável ao licenciamento devido a obsolescência do projeto e desprezou os graves problemas de segurança e do plano de emergência da usina, apontadas pelo Prof. Dr. Célio Bermann (IEE/USP).
- Más condições de armazenagem de rejeitos radioativos – A situação da antiga mineração de urânio em Poços de Caldas (MG), de propriedade da INB, prova o descalabro relativo à segurança dos trabalhadores e população; o laboratório do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares na Cidade Universitária de São Paulo, local densamente povoado, foi embargado pela Justiça do Trabalho em 2008; há depósitos precários e não definitivos de rejeitos radioativos em diversos locais vinculados a CNEN. O lixo das duas usinas nucleares não tem destinação final e permanece nos reatores; há rejeitos de média e baixa intensidade, da antiga Nuclemon, no bairro de Interlagos (SP), em Poços de Caldas (MG) e Itu (SP).
Foi a primeira vez que a sociedade civil fez contato direto com a AIEA. Sempre assistiram de camarote as conflituosas inspeções feitas pela Agência no Programa Nuclear Brasileiro. Depois viam o setor nuclear, apregoar os “elogios” recebidos da AEIA. Mesmo assim, @s goian@s pediram à Agência para apoiar um monitoramento independente nos locais contaminados por radioatividade, nos depósitos de rejeitos radioativos e também um acompanhamento da saúde das vítimas de exposição à radiação. “Tal monitoramento, de suma importância, não deve ser feito por entidade também responsável por promover e incentivar a atividade nuclear no Brasil, como é o caso da CNEN.”
No dia 11 deste outubro foi empossada a nova diretoria executiva da INB. Pena que a dança das cadeiras não significa uma postura de enfrentamento dos problemas, visando o avanço da cultura administrativa da empresa, conhecida pela violação de Direitos Humanos e trabalhistas e pelas deficiências técnico-gerenciais. É apenas mais um lance do loteamento dos órgãos nucleares no jogo de pressões por interesses políticos, que movem o governo desastrado de Temer.
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Imagem: Vítimas do Césio-137 denunciaram o Programa Nuclear à Agência da Organização das Nações Unidas.