Época de caça às bruxas: a bancada conservadora promove uma nova era medieval

Por Alanna Aléssia Rodrigues Pereira, no Justificando

Em tempos de dados alarmantes de feminicídio e de violência contra a mulher, a nossa bancada do atraso – vulgo bancada conservadora, religiosa, ruralista… – promove mais um retrocesso dentre tantos que estamos vivendo, ampliaram as dificuldades para a prática do aborto, inclusive, quando se é estuprada.

Quem é o Estado – em suas várias formas, legislativo, executivo – para impor sobre o meu corpo uma vontade que não é minha? Ora, aprovaram, sem pudor algum, uma violação ao corpo, a integridade física e psíquica, não basta a violência do estupro, temos uma violência legislativa, política.

Romantizaram a maternidade ao ponto de ser considerada obrigação da mulher querer ter filhos, e colocar a vontade de ser mãe acima de qualquer outra realização. Vedaram nossos olhos e taparam nossas bocas para os nossos direitos sexuais e reprodutivos.

Somos tabu ao falar de sexo. Somos escravas ao falar em maternidade.

Simone de Beauvoir disse “No dia que for possível a mulher amar em sua força e não em sua fraqueza, não para fugir de si mesma, mas para se encontrar, não para se renunciar, mas para se afirmar, nesse dia o amor tornar-se-á para ela, como para o homem, fonte de vida e não perigo mortal”.

Corremos perigo do momento que saímos de casa ao momento que nos relacionamos com alguém, é incrivelmente fácil e conveniente para o homem da prática do ato sexual a negativa de ser pai. O aborto masculino é legalizado, temos crianças sem o nome do pai no registro de nascimento, temos mulheres abandonadas tão logo descobrem que estão grávidas.

A nós é imposto desde muito novas vontades que não são nossas, caminhos que não queremos, máscaras que não nos servem, e mesmo assim, seguimos, porque já somos extremamente violentadas, porque lutar é cansativo, porque talvez, só talvez, se ficarmos quietinhas, eles nem nos notem, e nos deixem finalmente em paz, certo? Errado.

Na época medieval as mulheres que se impunham eram consideradas bruxas. As cientistas, pensadoras, estudiosas. Nos era privado o direito ao intelecto, ao conhecimento. Como assim? Uma mulher consegue pensar? Impossível! Possibilidades? Nos arrancaram elas desde o berço. Queimaram nossas antecessoras, mas esqueceram que nós, as filhas das bruxas não queimadas, permanecemos de pé, lutando por tudo que eles querem que não tenhamos.

Quando homens decidem sobre o nosso corpo, é que percebemos que tem algo enraizado e extremamente errado. Como podem decidir por mim se não precisam trocar a bermuda pela calça, se não tem que andar de cabeça baixa com medo de chamar atenção, se não trocam de calçada pra desviar de um grupo de pessoas do sexo oposto pra evitar comentários maldosos, se não tem seu corpo violado?

Como podem decidir por mim, se insistem em legislar a favor deles?

Djamila, no livro “O que é Lugar de Fala” faz um comentário interessante e irreverente sobre a necessidade dos brancos quererem falar pelos negros, em uma afirmação de não haver racismo, nem diferenças. Querem falar pela coletividade, mas esquecem que ao insistirem em falar por todos, falam apenas por si. Podemos usar em analogia ao que aqui vem sendo dito, insistem em falar por nós mulheres, acham que sabem o que dizem quando o quesito é violência, mas nessa tentativa de se acharem universais, falam por si, esquecem de nós e seguem nos jogando em fogueiras.

Mais uma vez não perguntaram nossa opinião, não pediram nossa permissão para legislar sobre o nosso corpo, não pensaram em como a violência de um estupro deixa sequelas e marcas profundas não só fisicamente, mas em nossa mente também.

Decidiram por nós, como se não fôssemos capazes de decidir. Pensaram que iam nos calar, que não íamos nos manifestar, que não ia haver luta. Mas como dito por Lélia Gonzales, e relembrado por Djamila Ribeiro, “o lixo vai falar, e numa boa”, e dessa vez, nenhuma fogueira vai nos parar.

Alanna Aléssia Rodrigues Pereira é acadêmica de Direito. Pesquisadora e extensionista – Direitos Humanos. Estagiária da Defensoria Pública da União.

Foto: Agência Brasil

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