Na Folha
O governo está criando a solução absoluta para o problema da criminalidade, até aqui indomável. O objetivo real da medida em elaboração é mais concentrado, destinando-se a evitar que Michel Temer, Henrique Meirelles e alguns mais respondam por crime de responsabilidade.
Por equivalência, todo crime, cometido ou a ocorrer, só por ser crime já se enquadra na pré-condição para esta fórmula milagrosa, que o isenta de punição: não se eliminando o crime, elimine-se a ordem legal que o proíbe e pune. Extinta a proibição, não há o crime que a justificava.
Disso se trata no projeto de eliminar na Constituição a proibição, ao governo, de fazer endividamento maior que o gasto com investimentos. Em mais quatro meses, o governo de Temer e Meirelles completará dois anos. O problema que agora os assusta não é recente, embora agravado por medidas e falta de medidas de ambos.
Em 2017, o BNDES foi apressado a devolver ao Tesouro Nacional R$ 50 bilhões de empréstimos, salvando o governo. Para este ano, com o problema muito aumentado pela vigência da Lei do Teto de gastos, criada por Meirelles, o governo quer R$ 130 bilhões do BNDES. Mais do que improváveis, porém.
A elaboração do projeto está com o deputado Pedro Paulo (MDB), o principal assessor do então prefeito Eduardo Paes que viveu dias de constrangimentos públicos. Para tornar a aberração mais disfarçável, a ideia é suspender a vigência da proibição constitucional por uns nove anos, até 2026, quando expira a Lei do Teto.
Exigiria uma segunda fórmula milagrosa, para submeter o texto da Constituição às oscilações bailarinas entre validade e exclusão, crime e falsa inocentação, e outra vez crime.
Já apoiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em seu afã de aparentar-se decisivo, a solução de derrubar um preceito profilático da Constituição, preventivo de desvarios do endividamento, é mais um capítulo da imoralidade administrativa vigente. E bem aceita pelos setores dominantes do país.
Michel Temer sabe que o crime compensa, mas se o apagar na lei, como Geddel e Beira-Mar também gostariam, será seguro.
UM EQUÍVOCO
Juiz da Lava Jato no Rio, aos poucos Marcelo Bretas deixa o seu estilo discreto e fica menos distante do estrelismo de Sergio Moro. Com os riscos inerentes. Uma opinião recente, por exemplo, faz de Bretas um representante de algo deformador do Judiciário e do Ministério Público: “A Justiça tem que ser temida. É necessário que haja esse temor.”
Esse conceito é comum a muitos juízes e, com a evidência extremada da Lava Jato de Curitiba, também ou sobretudo a inúmeros procuradores. Falar em Justiça temida implica falar em juízes temidos.
Mas Justiça e juízes temidos são próprios de ditaduras e de outras formas de regimes prepotentes. Justiça e juízes de país com Constituição democrática devem ser respeitados, isso sim. Nem mais, nem menos do que tudo e todos que mereçam respeito. A falta dessa noção tem feito muito mal. Inclusive porque, entre outras decorrências, leva a modos e situações que impedem o respeito.
A Lava Jato paga muito por isso.