Brasileiros se veem menos tolerantes e mais divididos que há dez anos, diz pesquisa

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Os brasileiros se veem mais divididos e menos tolerantes que há dez anos. E veem as divergências políticas como o principal foco de tensão polarizadora no país. O Brasil, contudo, segue uma tendência mundial. É o que aponta uma pesquisa da Ipsos Mori feita para a BBC em 27 países com 19.428 mil pessoas.

Questionados se as pessoas estão mais ou menos tolerantes em relação a pessoas com diferentes origens, culturas e pontos de vista se comparado com a década passada, 45% dos participantes brasileiros disseram estar menos tolerantes e 29% mais (ainda havia opções como “igual como era antes” e “não sei”). A média global foi 39% e 30% respectivamente.

O porcentual de brasileiros, 62%, que acreditam que o país esteja mais polarizado hoje do que há 10 anos também é superior ao de pessoas no mundo, 58%, que acham que o planeta está mais dividido.

Apenas 16% dos brasileiros acham que o país está menos dividido – o mesmo percentual de pessoas no mundo que veem uma divisão menor na sociedade hoje do que há 10 anos.

Os entrevistados tinham ainda como opção, além de “mais dividido…” ou “menos dividido…”, as resposta “o mesmo que há dez anos” e “não sei”.

A região com a maior percepção de divisão nos países hoje (66%) é a Europa. A América Latina (59%) aparece em segundo – além do Brasil, foram ouvidas pessoas no México, Argentina, Chile e Peru.

Assim como no Brasil, a política é apontada como principal foco de tensão no mundo. Dos mais de 19 mil entrevistados, 44% apontaram visões conflitantes na política como maior foco de tensão em seus países. Esse item é também citado como o principal foco de tensão na América Latina.

No Brasil, foi citado por 54% dos entrevistados. Na Argentina, por sua vez, essa porcentagem chega a 70%.

“É uma porcentagem muito, muito alta”, disse Gottfried. “Com exceção da Malásia (74%), essa pesquisa coloca a Argentina no topo em termos de ver diferenças políticas como principal problema”, explica Glenn Gottfried, da empresa responsável pela pesquisa e que monitorou o trabalho de coleta de dados.

Na Europa, além de divergências políticas, muitos entrevistados optaram pelo item imigração (tensão entre imigrantes e pessoas nascidas no país) como foco de tensão polarizadora em seus países.

Mas, enquanto a tensão entre imigrantes e locais é citada como problema por 61% dos italianos, 50% dos britânicos e 46% dos alemães, apenas 8% dos brasileiros a veem como foco de tensão no país.

O terceiro item mais apontado no mundo como foco de inquietude é a tensão social entre ricos e pobres, escolhido por 65% dos russos e chineses que participaram da pesquisa. No Brasil, essa porcentagem é de 40%.

A pesquisa permitia mais de uma resposta para a pergunta sobre fontes de tensão. Além da tensão entre pessoas de visões políticas divergentes, entre ricos e pobres e entre imigrantes e locais, os entrevistados podiam escolher a tensão entre jovens e velhos, homens e mulheres, grupos religiosos e etnias diferentes.

Na Europa, foram coletados dados em 11 países: Bélgica, França, Alemanha, Hungria, Itália, Polônia, Rússia, Espanha, Suécia, Sérvia e Reino Unido.

“Toda a Europa mostra uma tendência muito similar, com pelo menos três entre quatro participantes dizendo que suas respectivas sociedades estão muito ou razoavelmente divididas”, diz Glenn Gottfried.

Para Gottfried, as divisões entre os europeus cresceram de forma mais proeminente. “Isso pode ser um reflexo do clima político e da guinada mais à direita que temos visto em algumas partes do continente; isso pode estar fazendo com que as pessoas sintam mais tensões. Os dois estão correlacionados”, explica.

Por isso, segundo ele, a questão da imigração aparece forte em países como Itália, França, Suécia e Reino Unido. Mas Gottfried diz que as percepções de divisões sociais mais tradicionais ainda persistem, como a entre ricos e pobres.

TENSÃO NA SOCIEDADE

Onde estão as maiores fontes de divisão no mundo, segundo entrevistados em 27 países

  • 44% acreditam que a maior fonte de tensão está entre quem difere politicamente; no Brasil são 54%
  • 36% dizem estar entre ricos e pobres; no Brasil são 40%
  • 30% acham que há tensão entre imigrantes e pessoas que nasceram no país; no Brasil são 8%
  • 27% acreditam que a maior divisão está entre diferentes grupos religiosos; no Brasil são 38%
  • 25% acham que estão entre diferentes etnias; no Brasil também
  • 11% vêem divisão entre idosos e jovens / homens e mulheres

“As tensões baseadas na classe social e na renda ainda existem. No Reino Unido, por exemplo, cerca de um terço dos entrevistados vê tensões entre ricos e pobres. Na Hungria mais pessoas veem tensões entre ricos e pobres que em relações a imigrantes”, observa.

Na América Latina, pelo menos três quartos dos participantes se veem divididos, a maioria por causa de questões políticas, mas também pela tensão entre ricos e pobres.

No Brasil, as diferenças religiosas também são apontadas como um grande problema por 38% dos entrevistados. Na Argentina, o tema é visto por apenas 8% como motivo de divisão da sociedade.

Os argentinos, contudo, têm uma alta percepção de que o país está dividido. Mais de 90% dos participantes disseram que a Argentina é um país muito ou relativamente dividido e 40% disse que a situação piorou nos últimos dez anos.


Análise: Política rachada na Argentina

O presidente da Argentina, Maurício Macri, fez campanha em 2015 prometendo acabar com “la grieta”, termo usado para descrever a polarização que cresceu no país durante os governos dos Kirchner (2003-2015).

No entanto, esse racha, que ainda faz parte da retórica argentina e é mencionado de forma recorrente pela mídia, está longe de acabar durante a gestão de Macri. Na verdade, ela pode ter se aprofundado, já que mais de 40% das pessoas sugeriram que seu país estava mais dividido agora do que há 10 anos.

Para o sociólogo Martin Gendler, da Universidade de Buenos Aires, é “interessante ver como as pessoas percebem esse racha como um fenômeno recente”.

“Na verdade, este país foi fundado com base numa série de dualidades e rivalidades que estão lá desde os primórdios da nação, e são ainda mais agudas do que em outros países. Elas foram reinterpretadas e ganharam novos significados ao longo dos anos, mas sempre giraram, em grande parte, em torno do confronto entre populismo versus antipopulismo”.


Um mundo muito menos tolerante?

Gottfied, contudo, é otimista. Ele diz que a pesquisa revela alguns indicadores e tendências positivos.

Dois terços dos participantes afirmam que as pessoas no mundo têm mais coisas em comum que diferenças.

“Apenas um pequeno número diz que misturar pessoas com diferentes origens, culturas e pontos de vista causa conflitos”, salienta Gottfried.

Além disso, um terço dos participantes disse que essas interações podem levar a mal-entendidos, mas que estes podem ser superados. Ainda segundo a pesquisa, 40% dos entrevistados acreditam ser possível alcançar um melhor entendimento e respeito mútuos.

O Canadá, por exemplo, aparece como um dos países com mais alta percepção de tolerância: 74% dos canadenses disseram que o país é muito ou razoavelmente tolerante com pessoas de diferentes origens ou pontos de vista, seguidos por 65% dos chineses e 64% dos malaios.

Gráficos: William Dahlgreen, BBC Jornalismo Visual.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

 

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