No GGN
O que nos espera, A TODOS, nos próximos quatro anos, é de uma destruição impensada.
Em primeiro lugar, viveremos dois meses de selvageria. Entre o dia de hoje e o primeiro de janeiro, Bolsonaro não tem qualquer responsabilidade com o país, e Temer quer apenas uma passagem para uma embaixada, para não ir para a Papuda. Isto será rapidamente arranjado pelo fascismo, que em pouco tempo vai mudar seu discurso “contra a corrupção” para aceitar toda a corrupção que apoiar o fascismo. Temer deve entregar o comando virtual do país, iniciando já a destruição proposta pelo fascista, em troca do salvo conduto dele, antes de deixar a faixa.
Nestes dois meses, estamos sem nenhuma lei. As instituições brasileiras desceram a tal ponto que aceitaram terem tutores. Hoje, existem generais no STF, generais no executivo e, até mesmo, generais comandando poderosas tropas no Twitter e no Whatsapp. Os Juízes serão os primeiros afetados. Ou terão que se adequar e esconder o que pensam ou serão limados pela noção de “lei em movimento”. A ordem será “calar”.
A esquerda, em qualquer lugar e fazendo qualquer coisa, não está segura. Assistiremos a quatro anos de manobras e abusos fascistas para “acabar” com toda a esquerda. Deixemos agora aqui, para que o leitor possa depois ver, que o termo “esquerda” vai paulatinamente designar TODA A OPOSIÇÃO ao fascismo. Não é à toa que, de repente, a rede Globo virou comunista, a ONU virou comunista e o Papa também. Algumas das pessoas que agora estão felizes vão compreender rapidamente que a moral fascista é fluida, e que de posse dos meios de Estado, sempre haverá um motivo ou uma brecha para impor violência a quem dele discorda. Esta feliz aliança que elegeu o fascista, em pouco tempo estará desfeita e aprenderá que o fascismo não aceita parceria para impingir violência, manter-se no poder e acobertar a própria corrupção.
Dado que Bolsonaro não tem – e nem a população lhe pediu – qualquer plano de governo, o que ele precisará apresentar para seus apoiadores, em seis meses, é o aumento desmesurado da violência contra “bandidos” e “vagabundos”, contra a “esquerda” e acompanhará também a venda de todo o patrimônio nacional. Depois dos dois meses iniciais (até janeiro) de insegurança suprema, virão seis meses de violência institucional e destruição de todo arcabouço social do país.
Foi assim nos lugares onde o fascismo se instaurou. E tudo o que estava como resistência foi removido.
Quanto mais as divergências sociais aparecerem, maior a violência de Estado, numa espiral que não é contida. A lógica de ver no que se opõe a mim um “inimigo”, é o cerne da visão de mundo fascista, e sempre existirão a quem se opor. Esta situação chega ao ápice levando ao fascista, paranoico e preso em sua visão de mundo, a provocar o aumento de seu poder, às expensas dos poderes de Estado. Marchas, golpes militares, rupturas constitucionais e tudo mais estarão no cardápio. Sem nenhuma contestação, pois a máquina política empossada pelo voto se acredita reserva moral da nação. O fascista, simplesmente, não pode acreditar-se errado, em nada.
É como um círculo que paulatinamente se fecha. Dentro do círculo os “bons”, os “honestos” e os “aliados”. Na medida em que as divergências surgirem, o círculo vai ficando menor, e mais grupos e pessoas vão sendo expostas às violências de Estado. A “pátria mãe gentil” vai rapidamente se tornar uma velha rabugenta, egoísta, paranoica e cruel. E tudo isto apoiado orgulhosamente por grupos que serão incitados a “incorporarem” as “novas diretrizes” do “Estado”.
O fascismo aumenta dramaticamente o custo social da resistência, cobrando a vida das pessoas, e diminui o custo para a aceitação. Num primeiro momento, para escapar do fascismo basta se tornar invisível. Os homossexuais se esconderem, ou como diz o fascista, “serem homossexuais apenas em sua vida privada”. As mulheres sentirão o mesmo, a esquerda, os índios e os negros … enfim, qualquer grupo dissidente, num primeiro momento, precisa apenas “saber o seu lugar”. Se comparado ao risco de morte que traz o ato de resistir, é uma exigência que parece pequena.
Contudo, a invisibilidade social e política não será suficiente. É necessário a anulação da crítica e de qualquer forma de oposição. Além disto, o saber é perigoso e as artes “concubinas da revolução”. Tudo isto será vigiado, domado, enquadrado, violentado e, por fim, submetido “às leis” que se farão surgir exatamente para tal fim. Nenhum professor ou artista está seguro. O crime de opinião e o delito da crítica, por sua capacidade de despertar a sociedade em torpor, será tido como inaceitável.
Invisíveis e mudos, precisaremos também nos tornar cegos e surdos. A ninguém com um mínimo de humanidade o fascismo é palatável. As violências impostas às pessoas que amamos, com quem convivemos ou, até aquelas que atacam nosso senso de justiça, imporão uma condição de impossibilidade de existência humana para aqueles que entendem minimamente o que é “empatia”.
Neste ponto, o custo da resistência já é alto. E a escolha é ficarmos cegos, surdos, mudos e invisíveis, esperando uma noite eterna passar … ou sermos alvo da fúria de Estado e dos medíocres que se sentirão empoderados e liberados para agir por ele. Este caminho leva a todos a se transformarem em meras máquinas de trabalho. A gerar valor para ser apropriado por uma elite “nacionalista”, em benefício de algo etéreo e sem qualquer sentido prático, chamada “pátria”. Não é à toa que na entrada dos campos de concentração alemães estava escrito “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”). O fascismo elevará o nível de apropriação capitalista da mais valia a níveis impensados. E, ou aceitamos nos tornar engrenagens mudas, surdas, cegas e invisíveis, ou seremos mortos.
A quem tem qualquer sentido de humanidade, é difícil, contudo, diferenciar o estado de invisibilidade e privação de qualquer atividade da morte efetiva.
Se eu acredito que chegaremos a este ponto? Sim, acredito. Há cinco anos não pensávamos que nosso judiciário prenderia líderes políticos sem provas. Há quatro anos não acreditávamos que pessoas pudessem vir à público incitar a morte de grupos inteiros. Há três anos acreditávamos que “tribunais superiores” desfariam os absurdos da “lei em movimento”. Há dois anos era inimaginável um político medíocre e com sérias restrições cognitivas vencer a máquina eleitoral liberal em SP ou no RS. Há um ano acreditávamos na constituição, nas leis e jamais imaginaríamos que militares estariam a “assessorar” ministros e autoridades. Nos últimos seis meses, não nos era crível que pessoas fossem esfaqueadas por divergências políticas ou que as universidades tivessem sua liberdade de pensamento tão abaixo da caneta de magistrados apedeutas …
E, no entanto, tudo isto aconteceu … bem debaixo da proteção das “instituições”.
Confesso que tenho medo de imaginar onde isto pode parar. E os exemplos históricos que temos são assustadoramente descritivos da monstruosidade que está entre nós. Segundo Dante, nas portas do inferno está escrito “Deixai toda a esperança, vós que entrais”. E seria bem realista hoje, trocar o que está na bandeira por este aviso.
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Arte Geledés.