Em MG, atingidos pela Samarco temem rompimento de hidrelétrica da Vale

“Como fugir de uma ilha? Vamos ter que dormir com bóias no pescoço?”, questiona atingido.

No Mab

No próximo dia 5 de agosto, o crime da Samarco (Vale\BHP Billiton) completa 45 meses. Neste período, acumulam-se violações de direitos, negações de reconhecimento, negligências, autoritarismos por parte daqueles que foram criados para executar o processo de reparação, irresponsabilidade ou silêncio dos governos que deveriam zelar pelos direitos da população, etc. Tudo isto provoca mais conflitos nas comunidades e piora os riscos de adoecimento, seja físico ou psicológico das populações.

A lista relacionada a este crime é extensa e já foi muitas vezes denunciada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB. Mas, além dos danos relacionados a este rompimento, comunidades atingidas na bacia do rio Doce convivem há gerações com outras formas de violação de direitos, violências e autoritarismos frutos da ação de empresas que antes do dia 5 novembro já transtornava a vida de milhares de pessoas.

A mineradora Vale, sem dúvida, é a protagonista deste histórico de violações seja por meio dos danos causados pela linha de ferro Vitória a Minas, seja pelas hidrelétricas instaladas no rio Doce, sobretudo em Minas Gerais.

Um destes exemplos é o da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista, ou Usina de Aimorés, inaugurada em 05 de maio de 2006. A usina abrange os municípios de Baixo Guandu (ES), Aimorés, Itueta e Resplendor (MG) e é um empreendimento da Vale (com 51% de participação), em associação com a Cemig (49%). Quem responde por este consórcio é a empresa Aliança Energia.

A obra gerou enormes danos sociais e ambientais como a realocação da cidade de Itueta (de 23 km da Estrada de Ferro Vitória a Minas, de 2 km da BR-259), o que fez a barragem ser um dos exemplos estudados para o relatório final da Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão então ligado ao Ministério da Justiça.

O documento aprovado no dia 22 de novembro, em Campo Grande (MS), na 202ª reunião extraordinária do Conselho concluiu “que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.

Além da dívida social já amplamente denunciada e não totalmente resolvida, os atingidos e atingidas agora convivem com o medo que a barragem rompa e cause uma nova tragédia. O barramento principal e os auxiliares da hidrelétrica ficam em Santo Antônio do Rio Doce, distrito de Aimorés, cidade com 25 mil habitantes onde boa parte da população urbana vive próximo ao rio Doce.

Depois do rompimento em Brumadinho, a Aliança Energia, sem consultar a população do distrito iniciou um processo formal de reuniões com as prefeituras e câmaras municipais de Aimorés e Baixo Guandu para preparar um plano de emergência obrigatório para o caso de ocorrer um rompimento.

“Ficamos sabendo disto por acaso, justamente quando fomos visitar o centro de educação ambiental do consórcio aqui na comunidade, acompanhados pela referencia do MAB, para saber informações sobre o problema. Na conversa informal, o responsável nos falou das reuniões e disse que a comunidade seria envolvida quando o plano estivesse avançado. Esta conversa aconteceu meses depois quando foi apresentado apenas para quatro lideranças como seria a destruição do nosso distrito e o que seria feito para preparar a população”, conta Elias Roberto, integrante da Associação de Pescadores e Pescadores do distrito de Santo Antônio do rio Doce.

Vários moradores relatam que, apesar de saberem que, a princípio, barramentos para geração de energia sejam mais seguros que barragens de rejeitos, visto que são feitos de concreto e não de terra, eles não confiam na Vale. Além disto, o grande temor dos moradores são os barramentos auxiliares feitos de terra e pedra que tem mais de 10 metros de altura e que estão construídos a poucos metros das casas.

Elias relembra que naquele mesmo dia da primeira visita na sede ambiental da empresa foi prometido que um grupo de atingidos entraria na usina para conhecer as estruturas. “Eles pegaram telefones, agendaram o dia e depois simplesmente desmarcaram. Ficamos meses sem contato”, relata.

Em reunião realizada pelo MAB na comunidade nesta segunda-feira (29) com a presença da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPEMG), apesar de o tema central ser a violação de direitos no contexto da lama da Samarco, este foi um assunto recorrente. Medo, insônia, insegurança, desconfiança: palavras repetidas a todo instante como síntese deste receio.

Durante a discussão, que misturava diferentes assuntos que afligiam a comunidade, Elias questionou: “Este tal plano de fuga é uma ficção. Me explica: como fugir de uma ilha? Vamos ter que dormir com bóias no pescoço?”, tendo como resposta o sorriso nervoso da maioria.

Sebastião Solário, assim como outros atingidos, lembrou da enchente de 2013 quando o distrito ficou ilhado e os estrondos próximos do barramento de pedra eram ouvidos à distância. Ele fez o resumo da pauta dos moradores: “nós queremos reparação deste dano da barragem. As casas que antes custava 100 mil, hoje custam menos de 50 mil. Queremos receber o que a Samarco nos deve, mas também discutir ou remoção ou indenização das casas. Nesta insegurança e neste prejuízo não dá para ficar”, completou.

O MAB em parceria com a Associação de Pescadores e Pescadoras e a Associação de Moradores do distrito de Santo Antônio do rio Doce continuam os esforços de pautar a Aliança Energia o tema da segurança da barragem, mas também envolver os poderes públicos e as instituições de Justiça para que atuem nesta região.

“O direito à informação segura e o reconhecimento dos danos materiais e imateriais desta insegurança de barragem são temas fundamentais para nossa luta nesta região. Este novo dano na vida destas pessoas agora somam-se as dívidas antigas da Vale. Portanto, a luta deve crescer, inclusive para que novos crimes não aconteçam”, afirma Guilherme Camponêz, membro do MAB.

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