Justiça Federal suspende despejo de comunidade rural de 200 famílias em Castro-PR

Acampamento Maria Rosa do Contestado existe desde 2015 e desenvolve produção 100% agroecológica

Por MST-PR, no Brasil de Fato

Em audiência realizada na tarde desta quarta-feira (25), na 2ª Vara Federal de Ponta Grossa, o juiz Antônio César Bochenek decidiu suspender por 60 dias a liminar de reintegração de posse contra cerca de 200 famílias do acampamento Maria Rosa do Contestado, localizado em Castro (PR). Os agricultores e agricultoras integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupam a fazenda Capão do Cipó, de aproximadamente 400 hectares, desde 2015. A decisão foi bem recebida pelas cerca de 50 pessoas da comunidade que participaram da audiência, por reabrir a esperança de assentamento para as famílias.

Apesar de pertencer à União, a área vinha sendo usada irregularmente desde 2000 pela Fundação ABC, entidade das cooperativas agrárias Castrolanda, Batavo e Capal-Arapoti. Em abril de 2014 houve a emissão de um pedido de reintegração de posse contra a Fundação ABC, com multa diária de R$ 20 mil reais. No entanto, o despejo não foi executado. Após a ocupação da área pelo MST no ano seguinte, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) declarou interesse social para fins de Reforma Agrária.

A reintegração de posse contra as famílias Sem Terra havia sido autorizada em julho deste ano, mas não avançou após audiência entre representantes da comunidade com a ministra da Agricultura Tereza Cristina, no dia 16 de julho, e posteriormente com o juiz do caso. Além da suspensão por 60 dias, a audiência resultou no agendamento de uma reunião no dia 29 de outubro, em que a União e o Estado do Paraná apresentarão propostas de efetivação do assentamento das famílias na área ou em outras terras da região.

O juiz Antônio César Bochenek conduziu a audiência de forma que as partes envolvidas pudessem dialogar e avançar para a conciliação. “Da minha parte, foi muito produtivo. É uma situação que não é fácil de se resolver, não é simples. Agradeço a cada um que veio aqui, representando os órgãos e seus interesses. Acho que foi possível constatar que, a partir de tudo aquilo que foi falado, há uma possibilidade de um entendimento, de um acordo”.

Célio Meira, coordenador do acampamento, enfatizou a disposição das famílias em dialogar com todas as partes envolvidas para encontrar uma solução: “A gente não esperava que sairia uma definição hoje, tanto pra um lado quanto pro outro. A nossa expectativa é sempre positiva. A gente sempre acredita que é possível seguir dialogando para achar uma solução pacífica e que contemple todas as partes”.

Carolina Balbinott Bunhak, Defensora Pública da União, recomendou o amplo diálogo: “Os conflitos fundiários normalmente são muito dramáticos […]. Além da propriedade em si, a gente está falando da moradia, da subsistência, da questão humana, do déficit habitacional do município, que às vezes acaba recebendo a demanda e não tem como arcar realmente […]. As soluções mediadas e conciliações são melhores para todos”. O procurador-geral de Castro, Julio Adriano Tonatto Philbert, informou que o município não tem estrutura para acolher as famílias, caso houvesse o despejo.

Nesses quatro anos de moradia e produção na área, as famílias conquistaram diversidade, qualidade e quantidade de alimentos: no último ano, foram colhidas 100 toneladas de milho crioulo, 650 toneladas de feijão de diferentes tipos, 1,2 toneladas de amendoim, 9 toneladas de arroz, e 150 toneladas de repolho. “A nossa produção é toda agroecológica. Nesses quatro anos, não usamos nenhum tipo de veneno. Também vendemos para as pessoas da cidade, e isso pra nós significa levar saúde pra cidade”, disse Rosane Mainardes, moradora da comunidade, ao público presente na audiência.

Saídas possíveis

Thais Diniz, advogada das famílias, relembrou a história da ocupação da região de Castro a partir de assentamentos, que geraram, inclusive, a formação da cooperativa Castrolanda. “Historicamente, tivemos nessa região assentamentos que foram muito exitosos, começando pelo holandeses. Temos a colônia aqui na região e que foi um projeto de assentamento. Há outras experiências de assentamento aqui na região. Tendo essas experiências, é muito importante que haja a construção de novos assentamentos”.

A reivindicação das famílias Sem Terra é de que haja regularização do assentamento na área já ocupada, ou de reassentamento em outras áreas da região, públicas ou privadas. No segundo dia de ocupação do MST, em 2015, as famílias e as partes envolvidas fizeram um acordo para a realização de uma permuta: as famílias sairiam do local e, em troca, seriam assentadas em outras três áreas: Fazenda Barra Bonita, Taboãozinho (ambas da Castrolanda) e Jeca Martins, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), todas localizadas na cidade de Castro.

Legalmente, a permuta é de caráter simples, em que o governo cederia a Fazenda Jeca Martins e a Castrolanda as outras duas áreas para o INCRA, assim começaria o processo de legalização dos futuros assentamentos. O acordo se baseia na equivalência de valor da fazenda Capão do Cipó em relação às demais e pela possibilidade de legalizar um maior número de famílias cadastradas para o assentamento.

Três anos se passaram e não houve avanço na efetivação do assentamento. Em dezembro de 2018, cerca de 150 famílias integrantes do MST ocuparam a fazenda Jeca Martins, como forma de pressionar o Poder Público para o cumprimento de acordos firmados em 2015. Conforme avaliação técnica do Incra, no entanto, o tamanho da área permite o assentamento de apenas 19 famílias.

Um dos argumentos utilizadas pelo Estado para o não assentamento das famílias na própria Fazenda Capão do Cipó é o avanço de um projeto de instalação de um campus do Instituto Federal do Paraná (IFPR) no local. Ao longo da audiência, o Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional – IFPR Paulo Tetuo Yamamoto confirmou ainda não haver autorização do Ministério da Educação para a criação da unidade, e que o projeto não indica local para a instalação do novo campus.

Os integrantes da comunidade sinalizaram a viabilidade de haver a implementação do IFPR ou de outra instituição pública de ensino de forma integrada à construção do assentamento, como ocorre com a Universidade Federal da Fronteira Sul, localizada em Laranjeiras, e a Escola Latino Americana de Agroecologia, da Lapa.

A comunidade Maria Rosa do Contestado também já está integrada a projetos e ações da  Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O Laboratório de Mecanização Agrícola da UEPG (Lama) oferece formação e capacitação técnica em produção agroecológica às famílias desde o início da ocupação. Da mesma forma, a Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL) realiza um projeto de fortalecimento das iniciativas da comunidade. A partir da parceria, o coletivo de mulheres iniciou a produção coletiva de panificados, para consumo interno e para comercialização. As famílias também passaram a expor a produção local na feira semanal da IESOL, em Ponta Grossa.

Edson Armando Silva, professor da UEPG que esteve na audiência, confirmou a compatibilidade entre o desenvolvimento de pesquisas com a presença do acampamento. “Naturalmente, muda a natureza da pesquisa. Uma coisa é você pesquisar transgenia, outra coisa é você pesquisar agroecologia. Se a pesquisa é na dinâmica da agroecologia, você ter famílias que estão aprendendo os experimentos é positivo. Do ponto de vista científico e da pesquisa, existe então uma compatibilidade de uma solução alternada, da presença das pesquisas e do avanço do conhecimento”.

CNBB apoia as famílias acampadas

Dom Sérgio Arthur Braschi, Bispo da Diocese de Ponta Grossa, foi o primeiro a se manifestar na audiência. O religioso reforçou a preocupação da Igreja Católica com a vida humana, em detrimento de outros interesses. “Nossa preocupação é de acompanhar a defesa da vida das pessoas e, concretamente, dos nossos acampados do Maria Rosa do Contestado”.

O Bispo leu a íntegra da nota publicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na última segunda-feira (23). No documento, os religiosos indicam “preocupação e solidariedade para com as famílias e comunidades, gente digna e laboriosa, que passam por sérias tensões e inseguranças, em função dos sucessivos mandados judiciais de reintegração de posse […]” nas áreas onde vivem.

É a segunda vez neste ano que os Bispos do Paraná se manifestam publicamente contra as reintegrações de posse. Desde maio deste ano, 457 famílias tiveram suas comunidades destruídas.

Presentes na audiência

Além dos integrantes da comunidade, a audiência contou com a participação de representante da Advocacia Geral da União, do Incra, da Polícia Militar do Paraná, do CTP, do IFPR, da UEPG, do Estado do Paraná, da prefeitura de Castro, da CNBB, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (SEAB), da Castrolanda, da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social (SUDIS), da Cáritas, e da Defensoria Pública da União. 

Edição: Lia Bianchini.

Imagem: Decisão foi bem recebida pelas pessoas da comunidade que participaram da audiência, por reabrir a esperança de assentamento para as famílias / Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

três + dois =