Registros de mortes chegam com até um mês de atraso. Não há informação sobre leitos disponíveis. Empresa contratada para sondar difusão do vírus está envolvida em “fake news”. Leia também: as novas descobertas sobre a covid-19
Por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde
NEM UM POUCO TRANSPARENTE
Até agora, 11 milhões de pessoas já receberam uma ligação da ‘Busca ativa’ do TeleSUS, com um robô do Ministério da Saúde que pergunta sobre seu estado geral e possíveis sintomas de covid-19. O objetivo, como anunciou o ainda ministro Luiz Henrique Mandetta um mês atrás, é chegar a 125 milhões de pessoas: ‘Esses disparos estão ligados em um grande data center, que irá nos ajudar a antecipar o nome das pessoas, onde elas estão, se são grupo de risco, com quem convivem. É como se fosse uma consulta, por meio de uma voz artificial, que vai fazer uma triagem”, disse ele, ao anunciar o software. Os casos suspeitos são monitorados.
Até aí, tudo bem. Mas o jornalista Diego Junqueira, da Repórter Brasil, puxou os fios dessa trama e desenrolou uma longa série de problemas, apurados em seguida também pela Folha. O mais objetivo é o passado recente da Talktelecom, empresa contratada por R$ 46,8 milhões – sem licitação – para operar o serviço. A companhia pertence aos sócios da operadora de telefonia Falkland/IPCorp, que foi investigada por por espalhar fake news em massa nas eleições fluminenses em 2012 e 2014, e ainda por explorar consumidores em quizzes de programas de TV. O grupo acumula oito multas na Anatel por falhas na prestação de serviços.
Por que o Ministério da Saúde fez essa escolha? Não sabemos, e é aí que está o pano de fundo da falta de transparência: a lei que estabelece as regras de contratação durante o estado de emergência só determina a divulgação dos acordos, e não dos motivos que levam a Pasta a optar por determinada empresa. Isso implica que o caso Talktelecom é provavelmente um entre muitos questionáveis. Já falamos aqui na newsletter sobre outro contrato – de valor mais modesto, R$ 700 mil – que beneficiou uma empresa doadora de campanha de Mandetta na compra de aventais hospitalares.
Ou seja: há um vácuo nas informações sobre o que é feito do dinheiro público e o que motiva esses gastos. Mesmo com a emergência e a necessidade (real) de fazer contratos rapidamente, é óbvio que deveriam ser fornecidos detalhes sobre as transações, para que os órgãos de controle pudessem fazer seu trabalho e avaliá-las, como lembra o diretor-executivo da Transparência Brasil na reportagem: “Não só porque pode ter corrupção, mas porque a empresa pode prestar um serviço ruim”, diz ele.
Não se sabe nem mesmo o valor total das compras sem licitação durante a pandemia porque não há uma base de dados única com todos os gastos do Ministério da Saúde. O painel de compras do governo federal informa gastos de R$ 219 milhões; o Ministério diz ter usado R$ 2,7 bilhões nesse tipo de compras; e o Tesouro Nacional aponta que a Pasta gastou mais de R$ 5,2 bilhões.
A propósito: no Rio, o Tribunal de Contas do Estado deu ontem um prazo de cinco dias para o governo explicar contratos que podem ter causado um prejuízo de R$ 70 milhões aos cofres públicos. Trata-se justo da contratação emergencial, sem licitação, da empresa Log Health para gerenciamento e fornecimento de estrutura para implantação de 240 leitos de UTI. Por seis meses, a empresa vai ganhar R$ 106 milhões. Nesse caso o problema apontado é que o termo de referência não detalha os custos dos serviços..
GESTÃO NO ESCURO
Uma das últimas ações de Mandetta no Ministério da Saúde foi estabelecer que hospitais privados que prestam serviços ao SUS informassem diariamente a taxa de ocupação dos seus leitos, com multas gordas em caso de descumprimento. A determinação foi tardia, com o coronavírus já espalhado no país e muito tempo depois da previsão de que o SUS entraria em colapso em um breve futuro. Quase 20 dias depois, em alguns estados esse futuro chegou. Mas, ainda assim, o governo federal ainda não tem ideia de quantos leitos de UTI estão disponíveis para os casos graves de covid-19.
As secretarias estaduais tampouco têm esses dados unificados. Quando os governadores informam suas taxas (e a gente noticia), sempre são dados fragmentados, tratando, por exemplo, só da rede estadual ou só dos leitos reservados para os pacientes com coronavírus. A reportagem do El País entrou em contato com os 26 estados e o Distrito Federal; só conseguiu respostas de 12, e ainda assim difusas. Mesmo os estados que admitem a possibilidade de requisitar leitos privados desconhecem a disponibilidade do setor, e em relação aos hospitais de campanha a situação também é nebulosa. É, no mínimo, muito difícil planejar e gerenciar qualquer coisa dessa maneira.
A essa altura, o governo federal poderia estar fazendo a gestão unificada dos leitos públicos, privados e dos hospitais de campanha, para evitar que morra gente na fila. “Tendo um estoque único, do SUS, do não SUS (setor privado) e da rede extraordinária (criada para a pandemia), você orienta a ocupação deles por critérios de gravidade, de chegada do paciente. Se você não regula isso urgentemente, vai ser regulado aos pedaços pela Justiça. E aí vamos ter um sistema mais desorganizado e com maior desigualdade”, alerta Mario Scheffer, da USP. Essa desorganização já está acontecendo: muitas famílias estão entrando na Justiça para conseguir leitos.
PLANOS E NÃO-LINEARIDADE
“Daqui pra frente vai ser uma coletiva técnica”, afirmou ontem o ministro da Saúde Nelson Teich à imprensa, lembrando o quase cacoete do antecessor. Apesar de estar no comando da Saúde há dez dias, foi apenas sua segunda aparição do tipo. Ele diz querer formatar um “plano de aplicação de testes” para covid-19 na população e pediu ajuda do IBGE para isso. Mas não foi apresentado nenhum prazo e não está claro o que será esse plano, nem se tem relação com (ou é a mesma coisa que) o estudo por amostragem coordenado pela Universidade Federal de Pelotas e baseado em testes com anticorpos. Só o objetivo ficou claro: “Ninguém vai incentivar medidas que restrinjam a contenção sem informação adequada”. A pergunta, retórica, é o que se faz enquanto não chegam os resultados de um plano que ainda nem existe. Segundo O Globo, o ministro planeja mudar a matriz usada pela gestão Mandetta para medir riscos e sugerir o tipo de distanciamento social a ser adotado. O conjunto de novas diretrizes deve chegar em uma semana.
Enquanto isso, o novo número dois da Pasta, o general Pazuello, afirmou que o isolamento “não deu tanto resultado” em alguns lugares. Não disse onde. Para ele, a palavra chave é a “não-linearidade”, e cada município ou estado deve adotar regras específicas para a sua realidade – mas isso não é nada novo. Ele disse ainda que “está sendo mais fácil para nós do que para quem começou”, pois já se sabe mais sobre o vírus…
Em tempo: o Senado aprovou um convite para que Nelson Teich fale amanhã sobre suas ações à frente do Ministério. Não está fácil encontrar o ministro… Agora, também o secretário estadual de saúde de São Paulo veio a público reclamar que Teich não deu retorno sobre um pedido de reunião feito dez dias atrás.
MAR DE INCERTEZAS
O atraso na notificação de óbitos por covid-19 é de até um mês, segundo o boletim epidemiológico divulgado ontem pelo Ministério. Uma das mortes registradas no último dia 25 tinha acontecido em 29 de março, por exemplo. E, como a própria Pasta já disse, a maior parte dos óbitos que apareceram na quinta passada era de dez dias antes. “Uma questão que sempre vem à tona e que estamos tentando mostrar, por orientação do ministro, é que esses óbitos estão sendo encerrados. São óbitos que ocorreram em momentos distintos e que concluíram as investigações. Não quer dizer que todos os 338 óbitos ocorreram no mesmo momento de ontem para hoje”, disse na coletiva o (ainda) secretário de vigilância em saúde, Wanderson Oliveira.
E há uma gritante diferença entre os achados do Ministério e os do Portal da Transparência do Registro Civil em relação à subnotificação brasileira. A Pasta considera que seus registros são próximos aos dos cartórios, pois estes últimos só registraram até agora 257 mortes por covid-19 a mais do que o governo. A grande questão é que o número considera só os casos confirmados, e abaixo deles deve haver muito mais. O Portal divulgou ontem um painel em que mostra uma alta de 47% no registro dos cartórios de mortes por causa indeterminada desde o início da pandemia. Entre 26 de fevereiro e 17 de abril, foram 1.329 óbitos do tipo, contra 925 no mesmo período do ano passado. Isso pode indicar que pessoas com coronavírus estejam morrendo sem ter avaliação médica – mas pode ser também que pessoas com outras doenças não estejam conseguindo atendimento no meio da pandemia. Além disso, no período analisado, houve um aumento de 680% nas mortes por Síndrome Aguda Respiratória Grave. Os óbitos saltaram de 156 em 2019 para 1.257 este ano.
Patinando em dados escorregadios, o Ministério prevê que o pico de transmissibilidade do coronavírus deve acontecer em algum momento entre as próximas duas e nove semanas. Sim, é uma baita diferença. De todo modo, ainda está ‘longe’, já que nessa pandemia duas semanas mudam tudo. Há 15 dias tínhamos 1,5 mil mortes e 25,2 mil casos confirmados. Agora, 4,5 mil mortes e mais de 66 mil casos.
INDIRETA
Ontem o diretor-geral da OMS, Tedos Ghebreyesus, afirmou que a pandemia não vai acabar tão cedo, e que a organização se preocupa com o crescimento na África, Europa Oriental, América Latina e alguns países asiáticos. E deu uma cutucada em Jair Bolsonaro, que questionou em uma live a necessidade de o Brasil seguir as orientações da organização. “Nós só podemos dar conselhos a países. Não temos mandato para forçar os países a implementar o que aconselhamos”, disse, pontuando que a OMS decretou emergência de saúde internacional quando só havia 82 casos e nenhuma morte fora da China. “O mundo deveria ter ouvido a OMS com cuidado na época (…) Todos os países poderiam ter ativado todas as suas medidas de saúde pública possíveis. Eu acho que isso é suficiente [para demonstrar] a importância de ouvir os conselhos da OMS”. E mais: “Nós aconselhamos todos os países a implementar uma abordagem de saúde pública abrangente. E nós dissemos: ‘ache, teste, isole, trace os contatos, e assim por diante’. Vocês podem ver por si mesmos que os países que seguiram isso estão em uma situação melhor que outros. Isso é fato”.
PELO AR
Uma suspeita que se coloca há semanas voltou à baila com um estudo publicado ontem, na Nature, por cientistas chineses: a pesquisa sugere que o material genético do novo coronavírus pode ficar no ar mesmo em ambientes abertos. Os cientistas analisaram 30 locais em dois hospitais, um para pacientes graves, e outro para casos leves de covid-19. Nas vias públicas, o vírus praticamente não foi detectado, só onde havia aglomerações. Dentro dos hospitais, em locais com maior frequência de desinfecção (como enfermarias de isolamento e salas ventiladas para pacientes), houve baixa concentração do vírus. Mas em banheiros sem ventilação usados pelos pacientes, níveis mais elevados foram encontrados, assim como em algumas áreas de acesso à equipe médica.
NOVAS FACES DA COVID-19
A doença causada pelo novo coronavírus é uma espécie de continente desconhecido para os cientistas e profissionais de saúde. Aos poucos, vão sendo observadas novidades em relação aos primeiros relatos. Ontem, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, conhecido pela sigla CDC, acrescentou seis novos sintomas para a covid-19. São eles: arrepios, tremor repetitivo, dor muscular, dor de cabeça, dor de garganta e os muito comentados perda de paladar e olfato. Antes, o CDC reconhecia oficialmente apenas três sintomas: falta de ar, tosse e febre.
Também dos EUA vem outra informação, esta bastante preocupante: profissionais relatam ter tratado dezenas de pacientes diagnosticados com Sars-Cov-2 que tiveram acidentes vasculares cerebrais. O efeito já tinha sido observado por médicos em Wuhan, na China. Nos EUA, os relatos são de que o problema está atingindo até pessoas que têm entre 30 e 40 anos – e é pouco comum AVC nessa faixa etária. Três centros médicos vão publicar o que observaram até agora. A explicação mais cotada é que, em alguns pacientes, o novo coronavírus desencadeie problemas sanguíneos, provocando a produção de coágulos. “Os coágulos que se formam na parede dos vasos sanguíneos sobem, o que significa que um coágulo que começou nas pernas pode migrar para os pulmões, causando uma obstrução chamada embolia pulmonar, que prejudica a respiração – uma causa conhecida de morte entre os pacientes da covid-19. Coágulos no coração ou perto dele podem levar a um ataque cardíaco, outra causa comum de morte entre os pacientes. Qualquer coisa acima dessa área provavelmente seguiria para o cérebro, levando a um derrame”, descreve a reportagem do Washington Post traduzida pelo Estadão.
NADA BOM
Só 15% dos médicos brasileiros se sentem capacitados para atender casos suspeitos e confirmados de covid-19, segundo uma pesquisa feita pela Associação Paulista de Medicina. O pior é que 18,5% deles não estão dispostos a aprender.
CRISE POLÍTICA
O Datafolha ouviu 1,5 mil brasileiros ontem. Segundo o instituto de pesquisa, a abertura de um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro tem o apoio de 45% da população e é reprovada por 48%. O percentual de pessoas que desejam a renúncia do presidente subiu em relação à pesquisa anterior, feita no início de abril. Antes, 37% desejavam a renúncia. Agora, são 46%. Para 52%, a versão apresentada por Sergio Moro, de que o presidente quer intervir na Polícia Federal por motivos escusos, é a verdadeira. Apenas 20% disseram acreditar na explicação (se é que podemos caracterizar assim) dada por Bolsonaro. Um número grande – 19% – não sabe em quem acreditar.
Mas o fato é que a base de apoio bolsonarista, ao que tudo indica, continua estável na comparação com dezembro passado, quando ninguém sonhava com pandemia. Lá atrás, 30% avaliavam Bolsonaro com “bom ou ótimo” – agora são 33%. O número daqueles que o acham “ruim ou péssimo” também ficou na margem de erro da pesquisa, de três pontos: eram 38% em dezembro, são 36% agora.
No Paraná, terra de Moro, os grupos de direita racharam, relata a repórter Katna Baran na Folha. No final de semana, camisetas com a estampa do rosto do ex-juiz foram queimadas em transmissão ao vivo em apoio ao presidente por lava jatistas que, antes, costumavam acampar em frente ao prédio da Justiça Federal em Curitiba. O vídeo teve 800 mil visualizações. O grupo, que se autodenominava Acampamento Lava Jato, agora mudou de nome para “Acampamento com Bolsonaro”. Mas o apoio incondicional do grupo ao presidente é resultado de uma briga mais antiga, que já tinha expulsado parte da militância, que se organizou em outro grupo chamado “Curitiba contra a Corrupção” que segue apoiando Moro, assim como o movimento “Patriotas do Brasil”. Já o “Direita Curitiba” defende Bolsonaro.
Enquanto isso, em Brasília, o governo confirmou a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal. Quem assume o Ministério da Justiça é André Mendonça, que hoje é advogado-geral da União. Ele é evangélico e considerado “extremamente leal” pelo entorno do presidente. Jorge Oliveira, que estava cotado para a vaga e tem todo um histórico junto à família Bolsonaro, continua na Secretaria-Geral da Presidência.
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a abertura do inquérito que vai investigar o conteúdo do pronunciamento de Moro. O objetivo é saber se o ex-juiz ou o presidente fala a verdade. A investigação foi pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que pretende apurar sete crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada e denunciação caluniosa. Para isso, Sergio Moro vai dar um depoimento ao STF e deve apresentar documentação que comprove as denúncias feitas durante o pronunciamento. Quem investiga é a PF.
Terminado o inquérito, Aras pode arquivar o caso – e ele vem demonstrando um talento especial como engavetador de processos – ou apresentar denúncia contra o presidente. Aliás, ontem o procurador-geral esteve com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Disse que o objetivo da reunião era relatar ações do MPF sobre a covid-19 e pedir abertura de canal de diálogo com Nelson Teich.
E Bolsonaro disse ontem que o esquema das notícias falsas que circulam desde as eleições para desestabilizar adversários políticos, parlamentares e ministros do Supremo – e é alvo de investigação tanto de uma CPI no Congresso quanto de um inquérito no STF – é “liberdade de expressão”.
E o Centrão também movimenta suas peças nesse xadrez e avança para um ataque mais audaz aos cargos do Executivo. O comando do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações entrou na mira. Os partidos também querem comandar o Porto de Santos e a Funasa.
48H
Ontem, a Justiça Federal deu ganho de causa ao Estadão numa ação que o jornal move para obter os resultados dos exames feitos por Jair Bolsonaro para detectar infecção pelo novo coronavírus. A juíza Ana Lúcia Petro Betto deu um prazo de 48 horas para que a União encaminhe os laudos. Vários jornalistas, veículos de imprensa e parlamentares tentam obter os documentos, mas vêm dando com os burros n´água já que o governo federal luta de todas as formas contra sua divulgação, sempre dando como justificativa de que isso violaria a intimidade do presidente. Bolsonaro foi testado nos dias 12 e 17 de março. Entre um exame e outro, quando deveria estar isolado, cumprimentou e tirou selfies com apoiadores no ato de 15 de março contra o Congresso e o STF. Desde então, vem sustentando que não foi infectado pelo vírus, embora 23 pessoas que viajaram com ele para os Estados Unidos tenham testado positivo. Antes mesmo de ser notificada oficialmente sobre a decisão, a AGU enviou à Justiça Federal uma manifestação em que se opõe à divulgação dos resultados. Tanto empenho deve ter razão de ser… Qual será o impacto na popularidade de Bolsonaro caso se prove que ele mentiu?
RENOVAÇÃO DE VOTOS
Bem ao gosto de Jair Bolsonaro, se pode dizer que seus votos com Paulo Guedes foram renovados. Ontem, o presidente aprontou um Carnaval no Palácio da Alvorada e posou ao lado do ministro. À imprensa, disse que “o homem que decide a economia no Brasil é um só”, sinalizando que ao menos esse flanco de instabilidade foi pacificado. Péssima notícia para quem se preocupa com a inadequação da equipe econômica neoliberal em plena crise. Bolsonaro prometeu a Guedes desistir do programa Pró-Brasil, apresentado na semana passada pelo ministro-chefe da Casa Civil para ampliar obras públicas na retomada econômica pós-pandemia. Para isso, estava previsto flexibilizar a EC 95 – o que, segundo interlocutores, seria o fim da linha para o ministro. Agora, de acordo com a Folha, Guedes já teria mudado de ideia e aceitaria discutir o assunto “no futuro”.
O ministro da Economia aproveitou os holofotes para fortalecer outra pauta sua: o congelamento dos salários e as promoções de carreira dos servidores públicos até dezembro de 2021. “Precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa trancado com geladeira cheia e assistindo a crise enquanto milhões de brasileiros estão perdendo emprego”, afirmou Guedes, ao lado de Bolsonaro.
No fim do dia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, concordou com o congelamento, inserido no pacote de ajuda a estados e municípios em troca de miúda ampliação da transferência direta federal de R$ 40 bilhões para R$ 50 bi. “Há 15 dias, a discussão não era não sobre reajuste de salário, mas de cortar 25% dos salários dos servidores estaduais, municipais e federais. Evitar o reajuste por 18 meses seria um gesto de contrapartida para o repasse”, afirmou Alcolumbre, em sessão remota do Senado.
NA FOGUEIRA
Reportagem da Piauí conta os detalhes da campanha bolsonarista contra os 27 cientistas brasileiros que conduziram um estudo que apontou os riscos da cloroquina – perigos que, desde a semana passada, levaram os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA a desaconselharem sua prescrição no tratamento a pessoas com covid-19. Voltando, o repórter Allan de Abreu recupera a linha do tempo dos ataques: em 11 de abril, os resultados da pesquisa brasileira foram divulgados num repositório de artigos. No dia 12, o chefe da divisão de farmacologia clínica da Universidade de Toronto citou o estudo em uma reportagem do New York Times. A matéria chamou atenção de uma ativista da direita norte-americana, Michael Coudrey, que acusou os cientistas brasileiros. Isso serviu para que os bolsonaristas fossem atrás dos perfis de Facebook dos pesquisadores e o site Conexão Política publicasse suas fotos e alguns prints em que declaravam apoio aos candidatos de oposição Fernando Haddad e Ciro Gomes. A “notícia” foi replicada por Eduardo Bolsonaro. O deputado federal pediu investigação. No dia 22, três procuradores federais ligados ao bolsonarismo abriram um inquérito civil com 32 perguntas aos cientistas brasileiros, que no período já haviam sido ameaçados de morte. O coordenador do estudo, Marcus Lacerda, agora anda com escolta policial. “Desde o fim da ditadura militar, nenhum cientista passou por isso no Brasil”, alertou o infectologista.
E a produção de cloroquina pelo Exército está a toda. O Laboratório Químico militar produzia 250 mil comprimidos a cada dois anos. No último mês e meio, já foram produzidas 1,2 milhão de cápsulas. A instituição divulgou que pode ampliar ainda mais a produção para 1 milhão de comprimidos por semana. Tudo – a pedido do Ministério da Saúde, influenciado pelo presidente Jair Bolsonaro – e sem respaldo da ciência.
GIRO NOS ESTADOS
No domingo, Manaus registrou o maior número de enterros desde o início da pandemia. Foram 140 sepultamentos e duas cremações. Agora, além de usar valas comuns, a prefeitura autorizou o empilhamento de caixões em covas mais profundas. Dos 142 óbitos, 41 aconteceram em casa – o que preocupa diante do conhecido colapso do sistema de saúde por lá. Apenas dez deles tiveram confirmação da causa por covid-19. Outras 47 pessoas levam no atestado morte por síndrome ou insuficiência respiratória e 28 por causa indeterminada.
Falamos por aqui na semana passada que a Procuradoria-Geral do Pará havia autorizado a contratação de médicos cubanos pelo estado. Ontem, o governador Helder Barbalho (MDB) anunciou que serão empregados 86 profissionais que haviam trabalhado no Mais Médicos.
Depois da boa notícia, uma assombrosa: o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), anunciou ontem pelo Twitter que pretendia flexibilizar o decreto estadual de quarentena, autorizando o funcionamento do comércio entre 9h e 15h porque, segundo ele, o sol quente mata o novo coronavírus. Detalhe: ele é médico. Depois da repercussão negativa, Aguiar apagou o post.
Em São Paulo, mais um prefeito voltou atrás da flexibilização do isolamento social. José Luiz Perez (PSDB), do município de Brodowski, recebeu a confirmação de covid-19. Depois disso, resolveu atender ao apelo do governo do estado e revogar o decreto que permitia a abertura do comércio na cidade.
Em outras 11 cidades do interior, a Justiça suspendeu autorizações de prefeitos para reabrir o comércio. As ações têm sido movidas principalmente pelo Ministério Público e pela Promotoria.
E a prefeitura da capital paulista pode endurecer ainda mais as medidas de isolamento. Diante de uma adesão popular cada vez menor à quarentena, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou ontem que começou a testar bloqueios em vias importantes da cidade. O secretário estadual de saúde, José Henrique Gernamnn, alertou que os oito mil leitos de UTI podem não ser suficientes para atender a demanda caso a taxa de isolamento social continue patinando nos 40-50% atuais. Ele informou ainda que, segundo projeções oficiais, a crise sanitária deve se estender até julho.
Ontem, a prefeitura de Salvador também divulgou uma projeção, mas de mortes. O Centro de Operações de Emergência estima que até o dia 1º de junho 895 pessoas terão perdido a vida graças ao novo coronavírus. Até ontem, a cidade havia registrado 49 óbitos por covid-19.
MAU EXEMPLO
O Brasil é um dos maus exemplos de combate ao coronavírus mostrados em um programa produzido pela Netflix em parceria com a Vox. Parte da série “Explicando”, o episódio mostra Jair Bolsonaro afirmando que o vírus é uma “fantasia” e imagens de pessoas protestando contra o Congresso e o STF no já longínquo dia 15 de março.
BOM EXEMPLO
Com 4,8 milhões de habitantes, a Nova Zelândia conseguiu ótimos resultados no combate ao novo coronavírus. A ilha fechou suas fronteiras em março, impôs quarentena a todos os habitantes que retornaram ao país, testou a população e rastreou contatos de infectados, além de fechar escolas, escritórios, praias e parques. E até retirada de entregas em bares e restaurantes foram proibidas. O resultado é que no domingo o país só registrou um novo caso, num total de 1,5 mil confirmados. Segundo a primeira-ministra, Jacinta Ardern, na pior previsão, poderia ter chegado a cem mil casos. Ela anunciou que o vírus foi controlado, e começou a autorizar a reabertura de algumas atividades não essenciais, frisando, no entanto, que a maior parte da população deve continuar em casa.
TRÊS MILHÕES
Ontem, o mundo ultrapassou a marca dos três milhões de contágios pelo novo coronavírus confirmados em 185 países e territórios. Quase um terço dos casos foram registrados nos EUA, que contabilizam 968 mil infecções. Já são 200 mil mortes contabilizadas. A boa notícia é que a evolução da pandemia pode estar desacelerando: desde a primeira confirmação, foram necessários 27 dias para a marca do um milhão de casos. Depois, o mundo marcou dois milhões em 12 dias. Agora, foram necessários 13 dias para atingir os três milhões. A projeção é que até o fim de maio, sejam contabilizadas cinco milhões de infecções no planeta.