Atingidas na Amazônia denunciam ameaças para relatora da ONU

Mary Lawlor, relatora da Organização das Nações Unidas, ouviu defensoras dos direitos humanos militantes do MAB que estão ameaçadas por grandes empreendimentos na Amazônia

por Leonardo Fernandes / Comunicação MAB

Na semana passada, defensoras dos direitos humanos ameaçadas por grandes empreendimentos no Brasil, militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), se reuniram com a relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) Mary Lawlor por videoconferência, para informar sobre a situação de violação de direitos que afetam sobretudo as mulheres lutadoras no país.

Em uma conversa rápida, Lawlor ouviu relatos das mulheres e se mostrou aberta ao recebimento das denúncias e processamento junto aos órgãos de defesa dos Direitos Humanos na ONU.

Um dos casos relatados foi o de Ana Flávia Nascimento, militante do MAB no estado de Rondônia, liderança comunitária no Distrito de Jaci Paraná, localidade atingida pelas usinas do rio Madeira, entre as duas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio. Os grandes impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais provocados pela implantação dos megaprojetos instalou grandes conflitos na região.

“Acho que é muito importante esse tipo de espaço para colocarmos as nossas denúncias, pois isso nos ajuda a cobrar das autoridades governamentais mais atenção a casos como esses. É necessário que deixem de ver a militância como vandalismo. Somos cidadãs de um país democrático
E temos o direito de cobrar quando violam direitos de pessoas que buscam viver com dignidade”, afirma Flávia, que segue vigilante.

“Mas essa realidade de violação permanente de direitos e ameaças à vida de mulheres lutadoras não é bem novidade, lamentavelmente”, destaca Tchenna Maso, membro do coletivo de Direitos Humanos e da coordenação nacional do MAB.

“De 2002 a 2014, a média anual era de 65 conflitos, compreendendo 27,5 mil famílias. De 2015 a 2019, a média chegou a 254 conflitos, aproximadamente 53 mil famílias. O crescimento corresponde ao período em que se tramava e se executava o golpe contra a Presidente Dilma Rousseff, e assumia a presidência Michel Temer. De 2017 para 2018, os conflitos passaram de 197 para 276. Atingiram seu ápice no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, 489”, destaca a entidade.

Sobre os responsáveis pelos conflitos, a CPT afirma: “os conflitos pela água são provocados pela mineração, por empresários de diversos setores, por hidrelétricas e pela ação ou omissão dos governos federal, estaduais e municipais.

Dos 489 conflitos registrados em 2019: 189 foram provocados pela mineração, 39%; 177 por empresários, 36%; 54 por hidrelétricas, 11%; 33 por governos, 7%.

Nos conflitos provocados pela mineração, houve 40 casos com uso de violência: agressão (6); contaminação por mercúrio (7); ameaças de morte (4); danos (5); humilhação (3); intimidação (2); mortes em consequência de conflito (8); omissão ou conivência (5)”.

A Comissão Pastoral da Terra destaca ainda a dramática situação vivida pelos povos da Amazônia. “Na Amazônia, se concentraram em 2019: 84% dos assassinatos, 27 de 32; 73% das tentativas de assassinato, 22 das 30; 79% dos ameaçados de morte, 158 pessoas de um total de 201. 60% dos conflitos por terra; 71% das famílias envolvidas em conflitos; 57% das famílias despejadas; 84% das famílias que sofreram alguma invasão de terra ou casa”.

Dilma e Nicinha: presentes!

Um dos assassinatos registrados em 2019 foi o da companheira Dilma Ferreira Silva, coordenadora de base do MAB na região atingida pela hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. Dilma foi brutalmente torturada e assassinada, junto a seu companheiro, Claudionor Costa da Silva e um amigo do casal, Hilton Lopes, em sua própria casa na zona rural do município de Baião (PA), na noite de 22 de março de 2019. Dilma dedicou a vida à luta pela reparação dos atingidos e pela defesa do território, diante da cobiça do latifúndio sobre a Amazônia.

Tchenna Maso lembra outro caso de assassinato de uma mulher lutadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, Nicinha, morta em 2016 em Rondônia. Após sofrer inúmeras ameaças, Nicinha foi assassinada e seu corpo ficou desaparecido por cinco meses, antes de ser encontrado na barragem da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho. Para Maso, existe uma relação direta entre os assassinatos das companheiras do MAB e as recentes ameaças contra outras lutadoras.

“Uma linha comum entre esses casos é a vulnerabilidade que recai mais sobre as mulheres com o que fica pós-barragem. E isso, em um contexto da Amazônia, que é uma região carente de políticas públicas. Essa marca de fundo é muito importante. Todas essas mulheres trabalham e lutam sobre o passivo das barragens. E isso é algo que precisamos lembrar. Dilma havia sido atingida havia 25 anos pela construção da barragem, e até a sua morte ela lutava por causa dos problemas no reassentamento. No caso da Nicinha, ela lutava pelo reconhecimento da área de pesca impactada dois anos depois da construção da barragem. E a Flávia luta pela compensação da comunidade onde ela mora”, destaca.

Segundo Maso, os casos revelam a ausência de uma política nacional de direitos dos atingidos, e a necessidade desse marco legal para a proteção inclusive da vida dessas pessoas.

A Política Nacional dos Atingidos e Atingidas por Barragens (PNAB) foi aprovada na Câmara dos Deputados e se encontra no Senado Federal, sob relatoria da senadora Leila Barros (PSB). O MAB ressalta a urgência de que o projeto seja colocado em votação.

Foto: Comunicação MAB

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