Gritos dos/as Atingidos/as interpelam nossa consciência. Por Gilvander Moreira*

Caso não seja cancelada, dia 09 de dezembro de 2020 acontecerá mais uma reunião no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) sobre o Acordo que a mineradora Vale está costurando com o Governo de Minas Gerais e com Instituições de Justiça (TJMG, Ministério Público de MG e Defensoria Pública de MG). Indignados/as, diante de uma série de indícios, atingidos/as estão alertando que “esse acordo, caso seja firmado, será um acordão, uma negociata, leilão dos direitos dos/as atingidos/as de toda a Bacia do Rio Paraopeba, de Brumadinho até o município de Três Marias, MG”. Tivemos que criar o Programa “Grito dos/as Atingidos/as” para ouvirmos atentamente e ecoar as legítimas, justas e necessárias reivindicações de milhares de atingidos/as. Quanto mais ouvimos os clamores, os sofrimentos e as injustiças que todo o povo e toda a biodiversidade da Bacia do Rio Paraopeba estão sofrendo, e que aumentam e se agravam cotidianamente, mais comovidos ficamos  e profundamente indignados nos sentimos com o conluio do Estado com a mineradora Vale.

A impunidade da criminosa reincidente mineradora Vale reproduz e faz crescer os crimes e tragédias continuadas. Da boca dos/as atingidos/as ecoam palavras de fogo e perguntas que interpelam nossa consciência. Por exemplo: Até quando vão ficar sem julgamento e condenação as mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton pelo crime/tragédia acontecido cinco anos atrás a partir de Mariana? E o crime hediondo a partir de Brumadinho, também vai continuar impune até quando? É ético negociar com uma mineradora criminosa reincidente, aceitando, injustamente, que a mineradora criminosa apresente contraproposta rebaixando ainda mais a proposta de acordo que já é péssima? Como pode o Governo de MG, o TJMG, Ministério Público de MG e Defensoria Pública de MG pensar em usar a dor, o sofrimento e barganhar com os direitos dos/as atingidos/as para ampliar o metrô e/ou construir rodoanel em Belo Horizonte? Se os/as atingidos/as já estão organizados em Comissões em cinco territórios, de Brumadinho a Três Marias, ao longo da Bacia do Paraopeba, por que não se respeita os/as atingidos/as como sujeitos e protagonistas para tratar de qualquer assunto que diz respeito a indenizações, à reparação integral, a acordo etc? Por que manter a “confidencialidade”, que na prática é sigilo, de um acordo que deveria respeitar os princípios da transparência e da publicidade? Trocar a Fundação Renova, que é da mineradora Vale/Samarco – gestora do Acordo no caso do crime em Mariana – pelo Governo de MG para gerenciar bilhões de reais que a Vale deve ao povo atingido e a toda a biodiversidade não será trocar “seis por meia dúzia” e continuar sacrificando milhares de atingidos/as? Por que manter o critério de considerar atingido/a apenas quem reside a menos de um quilômetro do Rio Paraopeba, se os/as atingidos/as já demonstraram à exaustão que esse é um critério injusto? Milhares de pessoas trabalhavam no Rio Paraopeba como pescadores, extratores de areia, próximo ao rio, na agricultura familiar e em hortas, em associações de pequenas agroindústrias de frutos do cerrado, em turismo ecológico etc, mas residem para além de um quilômetro de distância do rio e estão endividados, sem renda e adoecendo cada vez mais. Por que o Governo de MG mantém a mesma estrutura de licenciamento ambiental, via Comissão de Atividade Minerária (CMI) do COPAM (Conselho de Política Ambiental) do Governo de MG) que continua licenciando todos os projetos de mineração devastadora? Os representantes do Governo de MG sempre votam em sintonia com os representantes das organizações que defendem os interesses das mineradoras. As autoridades do Estado (poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública) não aprenderam nada com os crimes/tragédias das Mineradoras, a partir de Mariana e Brumadinho?  Se a Vale não está cumprindo vários pontos do Acordo sobre o crime em Mariana e não cumpre vários compromissos na Bacia do Paraopeba, como oferecer água para o povo, pagar o Auxílio Emergencial para todos/as os/as atingidos/as, o que garante que ela cumprirá um acordão com Governo de MG e Instituições de Justiça? Por qual razão dar um longuíssimo prazo de 10 anos para a mineradora criminosa, que lucra absurdamente, cumprir um acordo que passa longe de reparar todos os direitos socioeconômicos e ambientais violados?

Na Minuta de acordo vazada para imprensa, a Vale diz que quanto à reparação socioambiental pretende reparar para retornar “ao status quo de antes” do crime, o que viola o Tratado Internacional Marco de Seidan, do qual o Brasil é signatário, que diz que nos casos de desastres ocorridos em grandes empreendimentos “o violador tem que reparar para melhor as condições socioambientais” e não apenas para “o que era antes”. A Vale também quer excluir normas internacionais, como o Marco de Seidan, e se pautar por critérios de uma empresa privada multinacional, a Arcadis. O acordo coordenado pela cúpula do TJMG viola o princípio constitucional do juízo natural, já que pretende que o Presidente do TJMG seja o juízo que homologue o acordo, e não o juiz responsável pelo processo (2ª Vara de Fazenda Pública Estadual). Ou seja, a cúpula do TJMG está atropelando o juiz de 1ª instância e também o 3º vice-presidente do TJMG (nesse caso, pois é ele quem deveria estar conduzindo as negociações no âmbito do CEJUSC de 2º Grau, e não o presidente do TJMG). Na minuta há uma cláusula abusiva: a que diz que as lacunas e omissões serão superadas por consenso entre as partes, o que dá poder excessivo de veto para a Vale. Ou seja, se a Vale não concordar, fica conforme os interesses dela, o que violará direitos dos/as atingidos/as e do Estado, inclusive. Ainda segundo a minuta de acordo, será dado um prazo de 10 anos para o cumprimento do acordo. Só após se pode arguir o descumprimento do acordo. É um longo tempo para a Vale continuar sacrificando e se esquivando do pagamento da imensa dívida que contraiu com milhares de pessoas atingidos/as, melhor dizendo, golpeadas pelo hediondo crime/tragédia.

Um dos maiores clamores dos/as atingidos/as é: “QUEREMOS JUSTIÇA!” Todo o povo atingido já julgou a Vale e repete cotidianamente a sentença: “VALE ASSASSINA REINCIDENTE!” Nas falas dos/as atingidos/as fica claro que estão aumentando o adoecimento das pessoas, o empobrecimento das famílias e não se vê nada sendo feito de forma consistente no sentido da necessária revitalização do Rio Paraopeba. Primeira medida para viabilizar a revitalização do Rio Paraopeba é proibir mineração em toda sua bacia. Por que não se faz isso? Segunda medida: mais do que um mísero “Auxílio Emergencial”, é preciso efetivar um Programa de Renda Permanente para todo o povo da Bacia do Paraopeba com, no mínimo, uns 15 bilhões de reais para ser investido para iniciar o resgate das condições objetivas de vida do povo e de toda a biodiversidade. Todos dizem: “Antes do crime/tragédia vivíamos sem precisar de Governo, nem da Vale e nem de prefeitura, pois pescávamos, tínhamos turismo ecológico e, na agricultura familiar, produzíamos o necessário para vivermos. Tudo que produzíamos vendíamos com facilidade. Agora estão nos matando diariamente, aos poucos. Mataram nossos sonhos. A Justiça está cega, surda e muda, pois não ouve nossos clamores.”

Nos assentamentos Queima Fogo e Chácara Chório, em Pompéu, MG, tudo o que as 49 famílias produziam nos assentamentos era vendido na orla do Rio Paraopeba. Denuncia Tatiane Menezes, da Comissão dos Assentamentos Queima Fogo e Chácara Chório: “A Vale reconheceu como atingido/a quem ela quis, pôs vizinho contra vizinho e disseminou discórdia entre os/as atingidos/as. Pessoas que moram na beira do rio Paraopeba estão passando sede e vendo as criações morrerem. A Vale está pagando o Auxílio Emergencial para quem ela quer. São várias empresas terceirizadas da Vale sempre invadindo nosso território diariamente. Perdemos renda e meios de vida. Fomos pegos de surpresa por esse acordo da Vale com o Governo, sendo negociado a portas fechadas. A gente se sente esfaqueada pela Vale e pelo Governo. Estamos revoltados. A gente vê que o Governo de MG quer construir grandes obras, como o rodoanel em Belo Horizonte, que não vai gerar nenhum benefício para nós atingidos/as. O primeiro objetivo precisa ser recuperar o Rio Paraopeba e reparar integralmente os imensos danos socioambientais. Lamentavelmente, agora, muitas famílias estão sobrevivendo com cesta básica. Eu vendia queijo, frango e tudo o que a gente produzia no nosso lote. Estamos endividados, porque a gente não tem mais a renda que tínhamos. O Governo de MG deve pensar primeiro em nós atingidos/as e só depois, se sobrar dinheiro, em rodoanel e outras obras.”

Não podemos ficar indiferentes diante dos gritos dos/das atingidos/as contra esse acordo injusto e desumano que o Estado de Minas Gerais tenta costurar com a criminosa mineradora Vale, com aval de Instituições de Justiça de Minas Gerais. Exigimos RESPEITO, JUSTIÇA E AGILIDADE no CUIDADO com a vida das pessoas e de toda a biodiversidade atingida.

1º/12/2020

Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – “Somos vivos mortos pela Vale e Estado. Cadê Justiça?” ORMINDO DE BRITO, Felixlândia, MG – 30/11/20

2 – “Acordo do Governo com Vale e TJMG está nos atropelando”, diz ABDALAH NACIF, de Fortuna de Minas/MG

3 – “Governo de MG, cúmplice da Vale. Acordo sacrificará os/as atingidos/as!” – ABDALAH NACIF– 29/11/20

4 – “Acordo da Vale com Governo de MG será nos apunhalar de novo!” TATIANE MENEZES, Pompéu/MG – 28/11/20

5 – “Acordo da Vale com Governo de MG: leilão de direitos para cofre?” – Fernanda Perdigão – 27/11/2020

6 – Grito! Construir Rodoanel em BH usando direitos dos/as Atingidos/as? – Joelisia Feitosa – 26/11/20

7 – “Acordo?” – Grito dos/as Atingidos/as pela mineradora Vale e pelo Estado – Eliana Marques – 25/11/20

8 – Quilombolas de Brumadinho/MG no Dia da Consciência Negra: “E nossos Direitos? E reparação da Vale?”

*Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

5 × um =