Ricoy, Extra, Habib’s e Carrefour: “Eles defendem o patrimônio e nunca a vida”

Enquanto seguranças e funcionários são punidos pelas mortes em filiais das empresas, elas saem incólumes

Igor Carvalho, Brasil de Fato

Em fevereiro de 2017, João Victor de Souza Carvalho, de 13 anos, morreu após uma confusão com dois funcionários do Habib’s, em São Paulo. Também em fevereiro, mas em 2019, um segurança do Extra Hipermercados assassinou Pedro Henrique Oliveira Gonzaga, de 19 anos, no Rio de Janeiro.

Em setembro de 2019, um adolescente de 17 anos foi torturado e chicoteado em uma unidade do Ricoy Supermercados na capital paulista. No último dia 19 de novembro, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi morto após apanhar de dois vigilantes dentro de uma unidade do Carrefour em Porto Alegre.

No dia 24 de novembro deste ano, desembargadores da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo condenaram, a 10 anos e três meses de prisão, os dois seguranças que foram flagrados torturando o adolescente nas dependências do Ricoy. O supermercado, no entanto, não sofreu sanções.

Os funcionários do Habib’s acusados pela morte de João Victor também foram indiciados. Porém, em 27 de agosto deste ano, o Ministério Público de São Paulo solicitou o arquivamento do processo e a Justiça paulista acatou. O restaurante também não sofreu punição.

No caso do Extra, 1 ano e nove meses depois da morte de Gonzaga, os dois seguranças ainda não foram julgados. Ambos foram denunciados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por homicídio doloso, mas respondem em liberdade. O supermercado, que não é alvo de processo, enviou uma nota ao Brasil de Fato informando que entrou em um acordo de indenização com a família, mas que os termos “seguem em confidencialidade”.

Nos três casos, em que a vítima é sempre negra, os trabalhadores foram alvo de inquéritos ou condenados. Porém, as empresas seguem incólumes, inclusive as terceirizadas, que oferecem vigilância patrimonial. O final comum serve de subsídio para um debate sobre a responsabilidade dessas marcas com os crimes cometidos em suas unidades.

“Eu fico abismada, parece que os seguranças encontram os clientes, sempre os negros, e resolvem brigar entre eles. Não é verdade, isso é uma política das empresas. Temos que criminalizar essas empresas de vigilância, os mercados e essas corporações internacionais. Eles defendem o patrimônio e nunca a vida. Esse modus operandi, que é praticado pelas grandes empresas diariamente, só será freado com punições severas”, protesta a socióloga Vilma Reis, ex-ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia.

“É humilhante quando nos respondem que um funcionário será punido. Não pode acabar aí, não pode. O tempo não passa, 42 anos depois da fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), ainda estamos lamentando a morte dos nossos”, completa.

Individualizar condutas

Beatriz Lourenço, advogada da Coalizão Negra por Direitos, explica que “ninguém espera que duas pessoas que chicoteiam um homem negro dentro de um mercado saiam ileso”. Porém, ela acredita que a impunidade aos crimes cometidos pelas empresas “explicita o racismo estrutural no país.”

“O que faz com que os dois seguranças espanquem e chicoteiem uma criança não é só convicção pessoal, é ordem de seus superiores, é conivência do supermercado e ausência total e absoluta de compreensão de como se deve tratar negras e negros nesse país. Reproduz, assim, na mesma medida, como o Estado brasileiro trata os corpos negros”, critica Lourenço.

Nesses casos, explica Tânia Oliveira, da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), as empresas deveriam responder na esfera civil: “A responsabilidade civil é do supermercado, que elegeu aquela empresa de segurança para prestar serviços. Então, mesmo que ele rompa o contrato com a empresa, isso não o exime de culpa. Também isso se estende à empresa que prestou serviço, na medida de sua responsabilidade.”

Após pressão do movimento negro, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul ingressou com uma ação civil coletiva contra o Carrefour e a Vector Segurança Patrimonial, empresa terceirizada responsável pela vigilância da unidade. Presos preventivamente, os dois seguranças responsáveis pelo assassinato de João Alberto são alvo de investigação da Polícia Civil e podem ser indiciados.

A Coalizão Negra por Direitos protocolou no Ministério Público um pedido para que o alvará de funcionamento da unidade do Carrefour em Porto Alegre seja cassado. Oliveira defende que o judiciário seja mais criativo na punição às empresas. “Eles devem indenizar a família da vítima, isso sem dúvida. E a Justiça pode impor que o Carrefour crie programas obrigatórios para os seguranças sobre Direitos Humanos e racismo.”

“É uma escolha fácil, individualizar condutas, quando ela é coletiva. Você pegar um adolescente negro e chicoteá-lo, uma prática que era comum na escravidão, é uma prática coletiva e mostra como se tratam os corpos negros. Assim, a individualização da conduta desses dois sujeitos é insuficiente, porque não dá conta da sofisticação dessa violência. Ali houve ação do supermercado, que permitiu que aquilo ocorresse lá dentro e certamente da empresa de segurança, que treinou os dois sujeitos.”, finaliza Beatriz Lourenço.

Outro lado

Procurados, Carrefour e Habib’s não responderam até o fechamento desta matéria. A assessoria do Ricoy não foi localizada. 

Edição: Rebeca Cavalcante

Imagem: João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, morto no Carrefour na noite de 19/11/2020. Foto:

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