A violência contra mulheres negras que conquistam lugar na política brasileira

Nove mil mulheres foram eleitas nas últimas eleições. Do total de vereadores e vereadoras eleitos, 6,3% são mulheres negras. Porém, as ameaças sofridas pelas vereadoras expõem números sobre a violência contra mulheres negras eleitas ou candidatas.

Pedro Calvi / CLP

Uma pesquisa do Instituto Marielle Franco, feita com esse segmento e divulgada em dezembro de 2020, entrevistou 142 mulheres negras de 21 estados em todas as regiões do Brasil e de 16 partidos. Do total, 80% das candidatas negras sofreram violência virtual, 60% sofreram violência moral ou psicológica e 50% sofreram violência institucional; 18% das entrevistadas recebeu comentários e/ou mensagens racistas ou sexistas em suas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens e 8% foram vítimas de ataques com conteúdo racista durante transmissões virtuais.

Além disso, 60% das mulheres negras entrevistadas foram insultadas, ofendidas ou humilhadas por causa da  atividade política nas eleições. Em 45% dos casos de violência virtual e moral, a agressão foi feita por indivíduo ou grupo não identificado, o que dificulta denúncias e aumenta a impunidade nos casos deste tipo de agressão.

Dentre as entrevistadas que realizaram algum tipo de denúncia, 70% afirmaram que a denúncia não ajudou no esclarecimento do caso e nem trouxe mais segurança para o exercício da atividade político-partidária.

Para discutir esse quadro, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu, nesta segunda-feira (3/5). O encontro foi solicitado pela deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ). A parlamentar já recorreu à Organização das Nações Unidas (ONU) após sofrer ameaças de morte.

 “Esse tipo de violência acontece quando expomos nosso corpo para a luta e isso é muito duro, interfere na saúde mental. Isso acontece quando ocupamos espaços, que há tanto tempo são privilégio da elite. São ameaças físicas, humilhações e interrupção de fala. Um mecanismo para nos tirar do lugar aonde chegamos. Ao ocupar esses espaços, causamos uma reação proporcional, ainda mais agora que vivemos uma realidade de desmonte, destruição e com a fragilização da democracia”, denuncia a parlamentar.

Para Anielle Franco, diretora executiva do Instituto Marielle Franco, “a cara do poder continua sendo branca, masculina e numa lógica cisgênero. Nossa pesquisa mostra que os principais agressores são os dirigentes dos próprios partidos e até juízes e servidores federais. Essa violência de intimidar e proibir a participação política é uma grave violação de direitos humanos.  A Câmara precisa tomar à frente desse processo com, por exemplo, uma subcomissão que acompanhe tudo que tramita na Casa sobre o tema”.

O presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT/BA) destaca que “a violência política é algo que atinge a todos em alguma medida, homens e mulheres postulantes e ocupantes de cargos eletivos. Essa violência vai desde a divisão ou mesmo desvio de recursos dos partidos até atentados e assassinatos, e alcançou patamares inaceitáveis, ainda mais nos últimos três anos”.

“A banalidade do mal”

Carolina Iara, co-vereadora eleita em 2020 pelo PSOL na capital paulista, teve a residência atingida por tiros na madrugada de 26 de janeiro. Os tiros teriam sido disparados de dentro de um carro branco. O atentado foi registrado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa como “disparo de arma de fogo” e “dano”. A parlamentar teve que mudar de bairro.

“Ser travesti, intersexo e negra, me fez ser vítima da violência. Foi a sociedade civil que me deu apoio, não houve nenhuma garantia do Estado brasileiro. No cotidiano enfrentamos iniciativas institucionais para diminuir a visibilidade das mulheres negras ou trans. Como não nos consideram mulheres, nãos nos consideram como humanas. E aí a violência vira banal. Jogam bomba, invadem gabinete e dão tiros par cima. A banalidade do mal”, conclui Carolina Iara.   

Lígia Fábris, professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas coloca que é preciso superar a sub-representação de mulheres no poder. “A possibilidade desse grupo acessar o poder é um princípio da democracia. É necessário cumprir a cota de 30% na participação das mulheres para avançar. Percentual menor que esse é retrocesso”.

Gisele Barbieri, coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, defende “a proibição e a punição dessas atitudes, localizar os que promovem essa violência e proteção para as famílias e equipes, que também ficam expostas. Além disso, temos que definir as instâncias, através de lei, para fazer as denúncias”. 

Campanhas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve lançar até junho uma campanha de rádio e tv sobre o tema. “Vamos combater a violência política de gênero dentro da nossa possibilidade e responsabilidade. A campanha será feita com depoimentos do Instituto Marielle Franco e apresentada pela atriz Camila Pitanga. Queremos explicar e dar visibilidade para sociedade, com exemplos, como a violência acontece”, informa Fabiana Machado, coordenadora de Campanhas, Redes Sociais e Web, da assessoria de comunicação do TSE.  

Luciana Valéria Gonçalves, coordenadora-geral de Políticas Étnico-Raciais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, informa que “estamos organizando com o Ministério de Educação um projeto para combater o racismo ainda na escola. Vamos capacitar mil professores em todo o país para essa campanha”.  

Imagem: Mulheres Negras Decidem – Wendy Andrade.

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