Fundação também terá que constituir, em 90 dias, grupo técnico para proceder à identificação e demarcação da Terra Indígena Piripkura
Procuradoria da República em Mato Grosso
A Justiça Federal em Mato Grosso, atendendo ao pedido do Ministério Público Federal (MPF), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais na unidade no estado, determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) mantenha, permanentemente, uma equipe de fiscalização na área da Terra Indígena Piripkura, com o objetivo de impedir o ingresso e a permanência de não-índios no território. Os índios, em isolamento voluntário, denominados Piripikura fazem parte de um subgrupo Kawahiva, que ocupa os municípios mato-grossenses de Colniza e Rondolândia, distantes 1.065 e 1.600 km de Cuiabá, respectivamente.
A decisão do juiz federal da Vara Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Juína (MT), Frederico Pereira Martins, determina ainda que a Funai constitua, em 90 dias, um grupo técnico para proceder à identificação da Terra Indígena Piripkura. Mas, de acordo com a decisão judicial, haverá audiência de conciliação para debater as circunstâncias relativas ao prazo para constituir o grupo técnico e a temporalidade da equipe de fiscalização.
Segundo o MPF, a “omissão do Estado em concluir a identificação, demarcação e registro da Terra Indígena Piripkura viola o direito fundamental à vida e abre espaço para que as ameaças à sobrevivência física e cultural se tornem uma realidade concreta, perpetuando, assim, o ciclo de extermínio iniciado com os primeiros contatos realizados pelas frentes de exploração econômicas na região”.
Conforme informações contidas no processo, a Funai constituiu, em 1985, um grupo de trabalho para conseguir contato com o grupo indígena Kawahib, localizado entre os rios Madeirinha e Branco, e assim realizar a identificação e a delimitação do habitat. Desde então, pouco foi realizado para assegurar a integridade física dos indígenas e de seu território. “(…) a omissão da Funai se arrasta por quase três décadas e isso traz graves implicações à fruição de direitos fundamentais pelos Piripkura”, ressalta o MPF.
A decisão está inclusa no bojo da Ação Civil Pública 0005409-02.2013.4.01.3600.
Terra Indígena Piripkura – A TI Piripikura ainda não está demarcada. É um território indígena protegido apenas por medida de restrição de uso, que é um instrumento colocado à disposição da Funai para o resguardo de indígenas em isolamento voluntário.
A TI Piripikura teve a primeira Portaria de Restrição de Uso publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 6 de outubro de 2008, a Portaria 1.154, de 30 de setembro do mesmo ano, com validade de dois anos. A portaria permite que apenas pessoas autorizadas pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados da Funai, Forças Armadas e Policiais, no cumprimento de suas funções institucionais e, desde que acompanhadas da Funai, possam ingressar na área. Além disso, proíbe a exploração de qualquer recurso natural existente nos 242.500 hectares da TI Piripkura.
Quando o período de validade da primeira portaria encerrou, novas portarias foram publicadas, com o mesmo teor, e com prazo de validade de um ano e meio, dois anos e três anos. A última portaria publicada (Portaria 121, de 18 de agosto de 2018) foi publicada em 26 de setembro de 2018, com validade até setembro deste ano.
Desmatamento ilegal – O procurador da República, titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, Ricardo Pael Ardenghi, juntou ao bojo da Ação Civil Pública o Relatório Técnico sobre Desmatamento e Invasões na Terra Indígena Piripikura, a Mais Desmatada do Ano de 2020, elaborado por pesquisadores das universidades Nacional de Brasília (UNB), Federal de Santa Catarina (UFSC), Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Federal de Mato Grosso (UFMT).
No documento, os autores do estudo apontam que, de acordo com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento acumulado na Terra Indígena Piripikura até 2019 era de 182,58 hectares, com uma estimativa para 2020 de 22,83 ha.
Porém, a realidade é bem diferente das estimativas. O Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), também do Inpe, emitiu alertas de desmatamento na Terra Indígena Piripkura de 877,97 ha e alertas de degradação florestal de 147,62 ha, no período de agosto de 2020 a março de 2021.
Outro dado alarmante, demonstrado pelo MPF na ação civil pública, fornecido pelo Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento (Sirad), utilizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), é que uma nova área de desmatamento foi detectada. A área foi aberta em março de 2021, alcançando 518,8 ha, estimando-se a destruição de 298 mil árvores.
“E, é importante dizer, não se trata apenas de invasão oculta, pois, segundo levantamento da Operação Amazônia Nativa (Opan), existem 15 fazendas em atividade no interior da TI Piripkura (…). Todas estas fazendas estão sobrepostas à TI Piripkura. Da mesma forma, conforme dados do Simcar/MT, existem 60.958 ha registrados no CAR sobrepostos à Terra Indígena Piripikura, o que representa alarmante aumento de 182% se comparado com os dados de dezembro de 2019”, ressalta o procurador Ricardo Pael.
Já os dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), do Incra, revelam que há quatro imóveis sobrepostos à Terra Indígena Piripikura, com área total de 10.134 ha, enquanto que no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) são 28 os registros sobrepostos, totalizando 58.453 ha, um dos quais titularizado por Erineu Taveira, cujas autuações ambientais ultrapassam R$ 16 milhões.
“Tudo isso confirma a afirmação acima no sentido de que a iminência do vencimento do prazo da portaria de restrição de uso da Terra Indígena Piripikura, associada a atos do atual governo federal – como a edição da Instrução Normativa Funai 9 e declarações do presidente da República de que não demarcará terras indígenas -, acaba por criar indevida expectativa de que a portaria não será renovada, impulsionando as ocupações indevidas e o desmatamento ilegal”, conclui o procurador.